São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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VATICANO

Nem atentado à bala, em 1981, evitou que João Paulo 2º presidisse a cerimônia; argentino deve ser substituto

Após 27 anos, papa não comandará a missa dominical

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O silêncio a que o papa João Paulo 2º foi condenado devido a seus problemas respiratórios se manterá hoje. A conseqüência é que, pela primeira vez em seus 27 anos de pontificado, não vai presidir a missa dominical.
É, talvez, a mais firme indicação, ainda que indireta, da gravidade de seu estado de saúde. Nem mesmo depois de ter sido vítima de um atentado, em 1981, deixara de comandar à cerimônia, na qual se faz a tradicional oração do Angelus, ainda que já o tenha feito via microfones da Rádio Vaticana.
Em suas nove internações anteriores no mesmo hospital Agostino Gemelli, o papa fizera sempre questão de presidir a celebração da missa dominical. Hoje, no entanto, não poderá fazê-lo, embora ainda haja alguma tímida especulação de que ele aparecerá à janela do 10º andar do Gemelli para uma breve saudação ao público.
A hipótese perde força, no entanto, ante a previsão do tempo: na sexta-feira e ontem, Roma viveu dois dias de inverno bastante brando, em comparação com o frio intenso dos dias anteriores. Mas, a partir de hoje, a previsão indica a volta do que a mídia italiana chama de "frio polar".
Como é óbvio, não se trata da temperatura mais adequada a ser enfrentada por um paciente com dificuldades para respirar e cujos pulmões se transformaram no centro das preocupações dos médicos que o atendem.
Especula-se ainda que possa acontecer uma transmissão de TV do quarto do papa à praça de São Pedro. De qualquer forma, quem deve presidir a missa é o arcebispo argentino Leonardo Sandri, o terceiro nome na hierarquia eclesiástica do Vaticano.
O silêncio forçado do papa acabou por se estender à Igreja toda, pelo menos à Igreja institucional, do que dá prova até Marco Politi, talvez o mais conhecido dos vaticanistas e um dos mais respeitados biógrafos do papa.
Politi se transformou numa espécie de correspondente para o Vaticano do jornal "La Repubblica". Ontem, em seu relato para o jornal, conta um diálogo curtíssimo mas eloqüente com um cardeal: "Como vai, eminência?", pergunta o jornalista. "Em silêncio", responde o cardeal.
Mas o silêncio do papa serviu também para dar atualidade a um velhíssimo ditado romano, que diz que "o papa nunca está doente até que esteja morto".
O papa visivelmente está doente, bastante doente, mas há um esforço de autoridades religiosas e de leigos que trabalham com a Igreja para minimizar o silêncio forçado do pontífice.
Diz, por exemplo, o cardeal Mario Pompedda, considerado pelo jornal "Corriere della Sera" o mais notável jurista da Cúria Romana, uma espécie de Ministério do Vaticano: "É verdade que a palavra é necessária para a celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos, mas não é indispensável para governar [a Igreja], o que constitui o elemento próprio do ministério do Santo Padre".
Reforça Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, tradicional instituição do cristianismo: "O hábito de contínuas intervenções midiáticas pelo papa é tradição recente. Durante séculos, os papas falaram e se mostraram pouco".
É verdade, mas faltou dizer que quem inventou a prática de "contínuas intervenções midiáticas" foi justamente João Paulo 2º.
Completa o filósofo Giovanni Reale, amigo pessoal de João Paulo 2º: "Infestados como estamos pela avalanche de comunicações verbais, parece que só se pode comunicar com a voz. No entanto, é possível fazê-lo por escrito. O importante é que a mente esteja lúcida e o papa possa comunicar o que pensa e quer", disse também ao "Corriere della Sera".
Como o papa, mesmo depois da traqueostomia, demonstrou lucidez suficiente para escrever dois bilhetinhos bem humorados, o recado de cardeais e leigos católicos é claro: doente e em silêncio forçado, o papa continua sendo o papa. Ou, segundo o humor romano, ele só ficará doente de fato quando morrer.


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