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VATICANO
Nem atentado à bala, em 1981, evitou que João Paulo 2º presidisse a cerimônia; argentino deve ser substituto
Após 27 anos, papa não comandará a missa dominical
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
O silêncio a que o papa João
Paulo 2º foi condenado devido a
seus problemas respiratórios se
manterá hoje. A conseqüência é
que, pela primeira vez em seus 27
anos de pontificado, não vai presidir a missa dominical.
É, talvez, a mais firme indicação,
ainda que indireta, da gravidade
de seu estado de saúde. Nem mesmo depois de ter sido vítima de
um atentado, em 1981, deixara de
comandar à cerimônia, na qual se
faz a tradicional oração do Angelus, ainda que já o tenha feito via
microfones da Rádio Vaticana.
Em suas nove internações anteriores no mesmo hospital Agostino Gemelli, o papa fizera sempre
questão de presidir a celebração
da missa dominical. Hoje, no entanto, não poderá fazê-lo, embora
ainda haja alguma tímida especulação de que ele aparecerá à janela
do 10º andar do Gemelli para uma
breve saudação ao público.
A hipótese perde força, no entanto, ante a previsão do tempo:
na sexta-feira e ontem, Roma viveu dois dias de inverno bastante
brando, em comparação com o
frio intenso dos dias anteriores.
Mas, a partir de hoje, a previsão
indica a volta do que a mídia italiana chama de "frio polar".
Como é óbvio, não se trata da
temperatura mais adequada a ser
enfrentada por um paciente com
dificuldades para respirar e cujos
pulmões se transformaram no
centro das preocupações dos médicos que o atendem.
Especula-se ainda que possa
acontecer uma transmissão de
TV do quarto do papa à praça de
São Pedro. De qualquer forma,
quem deve presidir a missa é o arcebispo argentino Leonardo Sandri, o terceiro nome na hierarquia
eclesiástica do Vaticano.
O silêncio forçado do papa acabou por se estender à Igreja toda,
pelo menos à Igreja institucional,
do que dá prova até Marco Politi,
talvez o mais conhecido dos vaticanistas e um dos mais respeitados biógrafos do papa.
Politi se transformou numa espécie de correspondente para o
Vaticano do jornal "La Repubblica". Ontem, em seu relato para o
jornal, conta um diálogo curtíssimo mas eloqüente com um cardeal: "Como vai, eminência?",
pergunta o jornalista. "Em silêncio", responde o cardeal.
Mas o silêncio do papa serviu
também para dar atualidade a um
velhíssimo ditado romano, que
diz que "o papa nunca está doente
até que esteja morto".
O papa visivelmente está doente, bastante doente, mas há um esforço de autoridades religiosas e
de leigos que trabalham com a
Igreja para minimizar o silêncio
forçado do pontífice.
Diz, por exemplo, o cardeal Mario Pompedda, considerado pelo
jornal "Corriere della Sera" o mais
notável jurista da Cúria Romana,
uma espécie de Ministério do Vaticano: "É verdade que a palavra é
necessária para a celebração da
Eucaristia e dos outros sacramentos, mas não é indispensável para
governar [a Igreja], o que constitui o elemento próprio do ministério do Santo Padre".
Reforça Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo
Egídio, tradicional instituição do
cristianismo: "O hábito de contínuas intervenções midiáticas pelo
papa é tradição recente. Durante
séculos, os papas falaram e se
mostraram pouco".
É verdade, mas faltou dizer que
quem inventou a prática de "contínuas intervenções midiáticas"
foi justamente João Paulo 2º.
Completa o filósofo Giovanni
Reale, amigo pessoal de João Paulo 2º: "Infestados como estamos
pela avalanche de comunicações
verbais, parece que só se pode comunicar com a voz. No entanto, é
possível fazê-lo por escrito. O importante é que a mente esteja lúcida e o papa possa comunicar o
que pensa e quer", disse também
ao "Corriere della Sera".
Como o papa, mesmo depois da
traqueostomia, demonstrou lucidez suficiente para escrever dois
bilhetinhos bem humorados, o
recado de cardeais e leigos católicos é claro: doente e em silêncio
forçado, o papa continua sendo o
papa. Ou, segundo o humor romano, ele só ficará doente de fato
quando morrer.
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