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Irmã Perin, 18 anos de
Haiti, não vê melhora
DO ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
A primeira missão de paz brasileira ao Haiti chegou há quase 18
anos e se instalou na cidade de Jérémie, a oeste de Porto Príncipe.
O contingente, enviado pela congregação Imaculado Coração de
Maria, tinha três freiras, das quais
duas permanecem no país até hoje. Em entrevista concedida à Folha em Porto Príncipe, uma das
pioneiras, a irmã gaúcha Santina
Perin, 64, relata como tem sido a
sua vida no país mais pobre das
Américas.
(FM)
Folha - Como sua missão chegou
aqui?
Santina Perin - O bispo de Jérémie pediu à congregação que ajudasse nas comunidades eclesiais
de base, e a superiora mandou
uma carta pedido que as irmãs
que tivessem coragem se inscrevessem. E eu me inscrevi. Após
uma preparação de dois anos sobre a realidade haitiana, aportamos aqui no dia 27 de junho de
1987. Jérémie é a sexta maior cidade do Haiti, tem uns 450 mil habitantes, e fica à beira do mar. Era
bonita, a gente vê casas de dois,
três andares, galerias, mas está tudo desgastado. É uma cidade
marginalizada. Muitas vezes ficamos até um mês sem energia elétrica. Água potável é muito rara. O
Haiti está de cabeça para baixo, é
muito sofrimento, falta tudo, as
instituições não funcionam.
Folha - E a sua rotina?
Perin - Não temos maiores problemas de insegurança, perseguição. Tivemos alguma coisa em fevereiro do ano passado, naquele
rebuliço, parecia que tudo fervia.
Fomos ameaçadas, queriam dinheiro, prometiam queimar a casa. Passei uns dias na sede do bispado e aos pouquinhos foi passando.
Ultimamente, o nosso maior sofrimento é que, mais ou menos,
de 15 a 20 pessoas por dia batem
em nossa casa para pedir ajuda.
Que tipo de ajuda? Alunos que
são retirados da escola porque os
pais não podem pagar. Como há
poucas escolas do Estado, os pais
são pobres, mas se obrigam a pegar escola particular. Se os alunos
não pagam, o diretor manda embora.
E a fome. Nas minhas cartas para o Brasil, digo: "Vou bem, graças a Deus, é o sofrimento do povo que me faz sofrer". Sempre explico: viemos aqui para dar a nossa vida. Muitas vezes, eu mostro:
"Olha, estou ficando velha, estou
aqui há 18 anos, quando vim era
mais nova, olha as rugas". Os haitianos dizem: "É verdade, mas veja o que tu podes fazer por mim".
Folha - Em 1994, a sra. entrou
num barco de refugiados haitianos
e acabou presa em Guantánamo.
Por que a sra. fez aquilo?
Perin -Muita gente estava fugindo para os EUA e era interceptada. E, num lugar chamado Pestel,
dois padres franciscanos fizeram
um convite para os religiosos que
quisessem acompanhá-los num
barco de refugiados. Sabíamos
que não entraríamos nos EUA e
que já havia quase 17 mil em
Guantánamo. E decidimos: vamos ajudar os haitianos lá. O barco era à vela e tinha lugar para 27
pessoas. Quando vimos, estava
superlotado, tinha 69 pessoas, era
uma tristeza. Tinha sete mães
com crianças amamentando, todos sofriam, vomitavam. Foram
14, 16 horas no barco, até sermos
resgatadas. Ficamos dez dias em
Guantánamo e depois fomos a
Miami. Estava muito perigoso
voltar para o Haiti.
Folha - A situação está melhor
com relação há um ano?
Perin - Não melhorou. Para haver melhora, tinha de ter menos
gente passando fome, menos gente morrendo antes da hora. Mais
gente indo para a escola. Vi, sim,
que a violência diminuiu. Mesmo
assim, a gente tem notícia de mortes brutais. Agora há pouco, mataram um jornalista de 39 anos.
Botaram gasolina em cima e atearam fogo. Na cabeça, seis tiros. Se
continuar esse clima, quem vai
votar? Quem vai fazer propaganda? Quem vai se candidatar?
Folha - Que conselho a sra. daria à
missão brasileira?
Perin - Eu acho que eles estão
dando tudo para restabelecer [a
calma]. Eu queria que eles continuassem tentando, mas, se virem
que não dá, eu pediria que o Brasil
se retirasse. Eu não gostaria que o
Brasil fosse tachado como um
país que os outros se servem dele
com outras intenções.
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