São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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Irmã Perin, 18 anos de Haiti, não vê melhora

DO ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

A primeira missão de paz brasileira ao Haiti chegou há quase 18 anos e se instalou na cidade de Jérémie, a oeste de Porto Príncipe. O contingente, enviado pela congregação Imaculado Coração de Maria, tinha três freiras, das quais duas permanecem no país até hoje. Em entrevista concedida à Folha em Porto Príncipe, uma das pioneiras, a irmã gaúcha Santina Perin, 64, relata como tem sido a sua vida no país mais pobre das Américas. (FM)

Folha - Como sua missão chegou aqui?
Santina Perin -
O bispo de Jérémie pediu à congregação que ajudasse nas comunidades eclesiais de base, e a superiora mandou uma carta pedido que as irmãs que tivessem coragem se inscrevessem. E eu me inscrevi. Após uma preparação de dois anos sobre a realidade haitiana, aportamos aqui no dia 27 de junho de 1987. Jérémie é a sexta maior cidade do Haiti, tem uns 450 mil habitantes, e fica à beira do mar. Era bonita, a gente vê casas de dois, três andares, galerias, mas está tudo desgastado. É uma cidade marginalizada. Muitas vezes ficamos até um mês sem energia elétrica. Água potável é muito rara. O Haiti está de cabeça para baixo, é muito sofrimento, falta tudo, as instituições não funcionam.

Folha - E a sua rotina?
Perin -
Não temos maiores problemas de insegurança, perseguição. Tivemos alguma coisa em fevereiro do ano passado, naquele rebuliço, parecia que tudo fervia. Fomos ameaçadas, queriam dinheiro, prometiam queimar a casa. Passei uns dias na sede do bispado e aos pouquinhos foi passando.
Ultimamente, o nosso maior sofrimento é que, mais ou menos, de 15 a 20 pessoas por dia batem em nossa casa para pedir ajuda. Que tipo de ajuda? Alunos que são retirados da escola porque os pais não podem pagar. Como há poucas escolas do Estado, os pais são pobres, mas se obrigam a pegar escola particular. Se os alunos não pagam, o diretor manda embora.
E a fome. Nas minhas cartas para o Brasil, digo: "Vou bem, graças a Deus, é o sofrimento do povo que me faz sofrer". Sempre explico: viemos aqui para dar a nossa vida. Muitas vezes, eu mostro: "Olha, estou ficando velha, estou aqui há 18 anos, quando vim era mais nova, olha as rugas". Os haitianos dizem: "É verdade, mas veja o que tu podes fazer por mim".

Folha - Em 1994, a sra. entrou num barco de refugiados haitianos e acabou presa em Guantánamo. Por que a sra. fez aquilo?
Perin -
Muita gente estava fugindo para os EUA e era interceptada. E, num lugar chamado Pestel, dois padres franciscanos fizeram um convite para os religiosos que quisessem acompanhá-los num barco de refugiados. Sabíamos que não entraríamos nos EUA e que já havia quase 17 mil em Guantánamo. E decidimos: vamos ajudar os haitianos lá. O barco era à vela e tinha lugar para 27 pessoas. Quando vimos, estava superlotado, tinha 69 pessoas, era uma tristeza. Tinha sete mães com crianças amamentando, todos sofriam, vomitavam. Foram 14, 16 horas no barco, até sermos resgatadas. Ficamos dez dias em Guantánamo e depois fomos a Miami. Estava muito perigoso voltar para o Haiti.

Folha - A situação está melhor com relação há um ano?
Perin -
Não melhorou. Para haver melhora, tinha de ter menos gente passando fome, menos gente morrendo antes da hora. Mais gente indo para a escola. Vi, sim, que a violência diminuiu. Mesmo assim, a gente tem notícia de mortes brutais. Agora há pouco, mataram um jornalista de 39 anos. Botaram gasolina em cima e atearam fogo. Na cabeça, seis tiros. Se continuar esse clima, quem vai votar? Quem vai fazer propaganda? Quem vai se candidatar?

Folha - Que conselho a sra. daria à missão brasileira?
Perin -
Eu acho que eles estão dando tudo para restabelecer [a calma]. Eu queria que eles continuassem tentando, mas, se virem que não dá, eu pediria que o Brasil se retirasse. Eu não gostaria que o Brasil fosse tachado como um país que os outros se servem dele com outras intenções.


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