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SOCIEDADE
Pela primeira vez, o número de negros africanos que ingressaram no país supera o registrado no tempo da escravidão
Imigração africana para os EUA dispara
SAM ROBERTS
DO ""NEW YORK TIMES"
Pela primeira vez na história,
mais negros estão chegando aos
EUA vindos da África do que os
que foram trazidos como escravos. Segundo cifras relativas à
imigração, desde 1990 o número
de africanos que migraram voluntariamente para o país excede
o total dos que desembarcaram
agrilhoados até os EUA proibirem
o tráfico de escravos, em 1807.
Cerca de 50 mil migrantes legais
africanos chegam ao país anualmente- mais do que em qualquer um dos anos de pico do tráfico de escravos. Entre 1990 e hoje,
o número de migrantes vindos da
África foi maior do que nos últimos quase dois séculos.
Nova York atrai o maior número desses migrantes, embora muitos tenham se mudado para a zona metropolitana de Washington
para Atlanta, Chicago, Los Angeles, Boston e Houston. Nigéria e
Gana estão entre as 20 maiores
fontes de imigrantes que se mudam para Nova York. Bolsões de
refugiados se estabeleceram no
Minnesota, Maine e Oregon.
O fluxo ainda é minúsculo comparado ao número de migrantes
que chegam da América Latina e
Ásia, mas já está redefinindo o
sentido do termo ""afro-americano". O declínio constante na porcentagem de afro-americanos cujos antepassados foram escravos e
que sofreram discriminação na
época da segregação também está
influindo sobre a discussão em
torno da ação afirmativa, dos programas de diversidade e outras
iniciativas que visam corrigir o legado da escravidão.
Na África, o fluxo de migrantes
para os EUA está contribuindo
para uma ""fuga de cérebros". Ao
mesmo tempo, porém, os africanos residentes nos EUA estão
compartilhando com suas famílias e seus amigos a relativa prosperidade que desfrutam no país,
enviando de volta à África cerca
de US$ 1 bilhão por ano.
""Basicamente, as pessoas estão
vindo reivindicar a riqueza que
foi tirada de seus países", disse
Howard Dodson, diretor do Centro Schomburg de Pesquisas sobre Cultura Negra, no Harlem,
que acaba de inaugurar uma exposição, um site e um livro intitulados ""In Motion" (em movimento), sobre a diáspora africana.
O fluxo migratório da África começou na década de 70, principalmente com refugiados da Etiópia
e Somália, e se intensificou nos
anos 90, quando o número de
americanos negros nascidos na
África subsaariana quase triplicou. Somados ao fluxo muito
maior de negros do Caribe -que
hoje superam em número todos
os cubanos e coreanos nascidos
fora dos EUA -, os migrantes recém-chegados da África responderam por cerca de 25% do crescimento da população negra nos
EUA durante a década. Em termos nacionais, a proporção de
negros dos EUA que nasceram fora do país subiu de 4,9%, nos anos
1990, para 7,3%.
Segundo o censo, a proporção
de residentes negros nos EUA que
se dizem nascidos na África, embora ainda seja pequena, mais do
que dobrou na década de 90, passando de 0,8% para 1,7% e chegando a um total estimado em
mais de 600 mil. Cerca de 1,7 milhão de americanos definem sua
ascendência como subsaariana.
Esses números dizem respeito
apenas aos imigrantes legais, que
vêm chegando ao ritmo de cerca
de 50 mil por ano, primeiramente
como refugiados e estudantes e,
mais recentemente, através de
vistos de diversidade e outros
concedidos para permitir a reunificação de famílias. Muitos deles
falam inglês, foram criados em
grandes cidades e economias capitalistas, vivem em famílias formadas por casais casados e, de
modo geral, têm nível de instrução mais alto e empregos mais
bem pagos do que os negros nascidos nos EUA.
Não existe contagem oficial dos
migrantes africanos que entraram
no país ilegalmente ou que ficaram após o término do prazo previsto em seus vistos, e que provavelmente têm condição econômica pior. Estima-se que esse o número seja ao menos quatro vezes
superior ao dos legalizados.
Os africanos negros representaram no passado uma parcela muito maior da população dos EUA
do que hoje. Em 1800, cerca de
20% dos cerca de 5 milhões de habitantes dos EUA eram negros.
Dos quase 300 milhões de americanos de hoje, 13% são negros.
Mesmo assim, com a Europa
cada vez mais inóspita e boa parte
da África ainda sofrendo os efeitos da seca, da epidemia de Aids e
da má administração financeira, o
número de africanos que migram
para os EUA está aumentando.
Na década de 60, 28.954 imigrantes chegaram aos EUA vindos de todas as partes da África.
Esse número aumentou para
80.779 na década de 70, 176.893 na
década de 80 e 354.939 na década
de 90. Em 2002 foram admitidos
60.269 africanos, incluindo 8.291
da Nigéria, 7.574 da Etiópia, 4.537
da Somália, 4.256 de Gana e 3.207
do Quênia.
Para muitos americanos, os sinais mais visíveis dessa onda migratória são a proliferação de igrejas africanas, mesquitas, salões de
cabelo que fazem tranças africanas, vendedores ambulantes e entregadores de supermercados e a
eleição, em 2004 ,de Barack Obama, filho de um queniano, para o
Senado pelo Estado de Illinois.
Os imigrantes chegam com suas
percepções e suas expectativas
próprias, vindos de países onde os
negros formam a maioria em todos as camadas sociais, e descobrem que, quer sejam ambulantes
ou professores universitários, podem ser agrupados no mesmo nível pelos brancos e até mesmo pelos negros americanos.
""Existe o impacto positivo de a
raça não ser vista como definidor
absoluto das oportunidades abertas às pessoas", comentou Kathleen Newland, diretora do Instituto de Política Migratória, ""mas
há a questão maior de o que significa ter pele negra nos EUA."
O togolês Agba Mangalabou,
que chegou aos EUA em 2002,
vindo da Europa, recorda sua surpresa inicial: ""Na Alemanha, todos sabiam que eu era africano.
Aqui, ninguém sabe se sou africano ou americano."
Tradução de Clara Allain
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