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São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003

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ANÁLISE

EUA pouparam a TV por tempo demais

MICHAEL R. GORDON
DO "THE NEW YORK TIMES", EM CAMP DOHA

O que mais surpreende nos pronunciamentos televisivos de Saddam Hussein na última semana é o próprio fato de o ditador iraquiano estar falando na TV.
Na Guerra do Golfo de 91, a torre da TV iraquiana foi atacada logo no início dos bombardeios.
Mas, neste conflito, os primeiros golpes contra a TV iraquiana não foram desferidos até a madrugada de ontem, quase uma semana depois do início da guerra, e, mesmo assim, só conseguiram causar uma interrupção temporária na programação do governo.
A decisão do governo Bush de não atacar a TV iraquiana no início da guerra diz muita coisa. Parece refletir o raciocínio de que o regime de Saddam era tão frágil que cairia rapidamente. Os estrategistas de Bush parecem ter deixado a TV de fora da lista inicial de alvos porque queriam usá-la para falar ao Iraque imediatamente após a guerra e limitar os danos à infra-estrutura civil.
Mas relatos vindos do Iraque sugerem que a moderação americana foi vista por iraquianos como um indício da resistência de Saddam, contradizendo a mensagem anglo-americana de que seus dias estavam contados.
Há, de fato, duas batalhas paralelas ocorrendo. Uma é o assalto intenso em Bagdá para o qual forças americanas estão se preparando. A outra, igualmente crucial, é a luta para assegurar o apoio de cidadãos iraquianos, chamada por militares de OI ("operações de informações"). O problema é que, por enquanto, as OI de Saddam estão ganhando das OI anglo-americanas.
Washington parece ter presumido que as forças anglo-americanas seriam recebidas por iraquianos em festa. Em vez disso, grande parte do Iraque permanece nas mãos da Organização Especial de Segurança, de milicianos do Partido Baath e de unidades paramilitares como os "fedayin". Tem havido alguns distúrbios em Basra, mas ainda não houve levantes maciços como os ocorridos após a Guerra do Golfo.
Há muitas razões para isso. Em primeiro lugar, o governo dos EUA parece ter julgado mal a estratégia iraquiana. Funcionários do Pentágono estavam temerosos de que o Iraque destruísse suas represas, explodisse suas pontes e privasse sua população de comida. Saddam, eles advertiam, poderia destruir a infra-estrutura para distrair as forças anglo-americanas com uma crise humanitária em seu caminho para o norte.
Mas o líder iraquiano não seguiu esse roteiro. Ele tenta manter o controle no sul do país se apresentando como o salvador do povo iraquiano -uma mensagem que transmitiu em seu pronunciamento na TV nesta semana.
Em segundo lugar, a estratégia americana inicialmente contemplava passar ao largo de cidades americanas no caminho para Bagdá. Mas os EUA foram forçados a se ajustar adiando temporariamente um ataque terrestre a Bagdá enquanto lidam com unidades paramilitares no sul.
Um terceiro fator, contudo, foi a decisão do governo Bush de deixar a TV iraquiana no ar durante os primeiros dias da guerra. Isso permitiu que o regime transmitisse a sua mensagem: a de que Saddam Hussein está no controle e defendendo o povo do Iraque contra um invasor estrangeiro.
Um exemplo eloquente: a TV iraquiana retratou a derrubada de um helicóptero americano no domingo como um ato valente de fazendeiros iraquianos. De fato, o Iraque espertamente usou armas pequenas para se defender do "ataque profundo" pelos helicópteros e vai forçar os EUA a repensarem sua abordagem. Mas não foi exatamente um esforço de camponeses para se defender.
O meio é a mensagem. E, durante os primeiros dias da guerra, esse meio tem sido usado por Saddam para enviar uma mensagem a muitos iraquianos de que seu líder absoluto ainda está no poder.


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