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São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003

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Árabes que se opõem a Saddam admiram resistência iraquiana

NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES", EM DAMASCO

Normalmente, a aparição do presidente iraquiano Saddam Hussein na TV provoca a ira de um grupo de cerca de 20 empresários e intelectuais sauditas, mas na segunda à noite foi diferente. Quando ele foi ao ar, eles rezaram para que Deus o preservasse por mais algumas semanas.
"Eles querem que Saddam saia e até aguardam por isso, mas agora também querem que aguente mais um pouco para dar uma lição aos americanos", disse Khaled M. Batarfi, editor do jornal "Al Madina", ao descrever conversa ouvida em uma luxuosa sala de estar de Jidda, na Arábia Saudita.
"O orgulho árabe está em jogo", disse Batarfi, resumindo um sentimento que vai da Argélia ao Iêmen. "A propaganda americana disse que a guerra seria fácil e rápida, dando a entender que os árabes somos fracos e incapazes de lutar. Agora é como se o Mike Tyson lutasse contra um adversário debilitado. Não queremos que esse adversário seja nocauteado nos primeiros 40 segundos."
Desde o início, tem havido no mundo árabe uma certa ambivalência em relação à guerra.
A elite educada do Oriente Médio, que busca se livrar de governos repressivos, tem esperanças que Washington queira criar um modelo para a região no Iraque, mas os EUA não têm um bom histórico. Essa elite reconhece que líderes como Saddam reprimem a população, mas a suspeita de que os EUA estejam embarcando numa cruzada contra o islã tende a abafar essas ponderações.
Já os governos árabes desde o início se opuseram a uma guerra contra o Iraque. Eles não tinham grande simpatia por Saddam, mas não aprovam substituí-lo usando a força.
"Se os EUA não gostam de cem regimes ao redor do mundo, trocarão todos eles?", questiona Buthaina Shaaban, representante do governo sírio.
O mundo árabe assistiu furioso ao início do conflito pelo fato de que outro país árabe estava sendo atacado, mas a fúria estava contida pela promessa de que a guerra seria rápida. A grande mudança deu-se domingo, quando as TVs árabes reprisaram à exaustão um fuzileiro naval hasteando a bandeira americana em Umm Qasr, porto do sul do Iraque.
"Aquilo eletrificou o patriotismo iraquiano", disse Walid Khadduri, um exilado iraquiano, editor do "Pesquisa Econômica do Oriente Médio". "Os ânimos se alteraram. Não tem nenhuma relação com o regime de Saddam".
Ainda é cedo para prever as consequências da guerra. Mas já é certo que será um poderoso divisor de águas na região.


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