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DIÁRIO DE BAGDÁ
De bombas, tempestades e frutas frescas
"As bombas e as guerras vão e vêm, mas as frutas continuam chegando e têm de estar sempre frescas", diz comerciante
Bagdá amanheceu com uma camada de poeira bege e ficou monocromática. Para complicar, o governo segue queimando petróleo
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JUCA VARELLA E SÉRGIO DÁVILA
ENVIADOS ESPECIAIS
COMÉRCIO REABRE AS PORTAS
Aos poucos, o comércio voltou a abrir as portas em Bagdá. A porcentagem de lojas funcionando ainda é pequena, segundo o governo, mas dobrou
dos 5% dos últimos dias para 10%
ontem.
Paradoxalmente, era nas regiões mais afastadas do centro
que os negócios eram feitos, caso
do tradicional mercado Shorga.
Casas de câmbio, fruteiros, padarias e lanchonetes arriscaram subir as portas de aço naquela região, para receber uma clientela
que estava cansando de esperar.
Foi o caso de Hassan Hussein
Mohammed Ali, que vendia aos
berros bananas, laranjas e outras
frutas. O comerciante, que diz ter
45 anos mas aparenta pelo menos
15 anos mais, afirma que é casado
com duas mulheres e tem oito filhos e colocou todos para trabalhar para ele. Não tem medo da
guerra e pretende ficar aberto todos os dias daqui para a frente.
"As bombas e as guerras vão e
vem, mas as frutas continuam
chegando em minha porta e têm
de estar sempre frescas", filosofa.
Indagado sobre se aumentou os
preços por conta do conflito, reluta e acaba dizendo que não.
"Esta banana, por exemplo, custa os mesmo 250 dinares de antes", afirma. O repórter compra uma, o que leva as pessoas em volta a exigirem o mesmo preço. "Para ele é 250, mas para vocês continua sendo 750 dinares."
NO AR, AREIA, CHUVA E PETRÓLEO
Há algo nos céus de Bagdá
além da chuva de mísseis.
Meteorologistas ouvidos dizem
que as partículas vieram até do
Egito e da Jordânia. A olho nu, é
claro que não é possível fazer a
distinção. Mas, desde que a tempestade de areia tomou a cidade,
anteontem, o ar de Bagdá ficou
tão denso e poluído que está virando quase palpável.
"Não vejo um tempo assim desde que os meus sete anos de idade", disse à Folha o bagdali Sabbah Abdul Kadyr, 39.
Bagdá amanheceu ontem coberta por uma camada fina de
poeira bege, que deixou a paisagem monocromática. No fim da
manhã, o sol chegou a sair, mas a
tempestade voltou com força redobrada na hora do almoço, seguindo a mesma paleta de anteontem. Primeiro, deixando o ar
amarelo-ouro. Depois, laranja.
Por fim, vermelho. Com isso, as
luzes artificiais, como os faróis
dos carros e os postes, ganhavam
uma estranha cor azul. A visibilidade nas ruas era de menos de
cinco metros. Então, choveu.
Para complicar, o governo seguiu com sua tática militar altamente questionável de queimar petróleo para que a fumaça preta confunda mísseis e aviões da coalizão anglo-americana. O método é inócuo para armamentos guiados a laser e satélite.
Água suja, poeira e a cara do Taleban
Todos os dias, os cerca de 150
jornalistas em Bagdá são obrigados a passar na sede do Ministério
da Informação, onde acontecem
as principais entrevistas coletivas
e de onde saem as autorizações
para andar pelas ruas. Acontece
que o prédio é um provável alvo
militar, a se levar em conta o padrão dos ataques até agora.
O resultado é que pelo menos
uma vez por dia o edifício é espontaneamente evacuado pela
própria imprensa.
Começa assim: alguém da equipe da agência de notícias Reuters
ou da emissora britânica BBC ouve de "fonte fidedigna" que o ministério será bombardeado em
cinco minutos. Em três, todo o
mundo foi embora.
A área em que se encontra o ministério foi uma das mais visadas
pelas forças anglo-americanas na
primeira fase do conflito, até sexta, e voltou a ser atacada no começo da semana. Próximos do local
estão pelo menos dois palácios
presidenciais, um já atingido, e a
sede do Escritório de Segurança
da região, também atingida.
Ontem, foi a vez da vizinha sede
da rádio e TV iraquiana levar uma
saraivada de mísseis que a destruíram quase totalmente.
Além disso, a relação entre governo e imprensa anda tensa desde que a equipe da CNN foi expulsa do país. Outro jornalista, da
agência France Presse, também
foi expulso por ter prestado trabalhos para a emissora de Atlanta
depois da expulsão desta.
Mais: também nos últimos dias
membros da polícia secreta iraquiana deram batidas em quartos
de jornalistas em busca de telefones por satélite. Cinco deles foram
apreendidos recentemente.
É que o uso dos telefones e dos
links por satélite só é permitido
dentro da sede do ministério. Mas
o horário de funcionamento ali é
limitado.
Some a isso as bombas, que
continuam caindo, o ar, que continua irrespirável e seco, e a água,
que sai suja das torneiras e deixa
todos com a cara e o cabelo do Taleban americano quando este foi
capturado, e eis o quadro geral do
jornalista médio em Bagdá.
Ontem de manhã, enquanto visitávamos uma área civil atingida,
fomos sacudidos do chão por outras duas bombas consecutivas
que caíram a centenas de metros.
Um jornalista europeu se surpreendeu: "Ainda tem perigo?".
Ainda tem, e terá cada vez mais.
Enquanto isso, vai se percebendo que a burocracia brasileira
veio dos colonizadores portugueses, sim, mas estes a herdaram
dos invasores árabes. Nada em
Bagdá é resolvido sem que pelo
menos quatro barnabés bagdalis
estejam diretamente envolvidos.
Chega a ser cômico: para carimbar um documento ou pagar uma
taxa, no mínimo quatro funcionários públicos são mobilizados. E
não há salinha de repartição que
não conte com quatro iraquianos
sentados, um em ação, os outros
três olhando.
Para piorar, você descobre que
no Iraque, com exceção dos comerciantes e mascates, todos são
funcionários públicos.
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