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"O cheiro de queimado continua no ar em Lhasa"
Repórter de jornal britânico conta o que viu na capital tibetana após os confrontos; grupo de jornalistas foi convidado por Pequim
GEOFF DYER
DO "FINANCIAL TIMES"
O cheiro de prédios queimando continua no ar quase
duas semanas após protestos
violentos tomarem o velho
bairro tibetano de Lhasa, deixando para trás um rastro de
lojas e apartamentos reduzidos
a molduras carbonizadas.
É apenas um dos muitos sinais de que o protesto antichinês que convulsionou a capital
ancestral do Tibete foi muito
mais agressivo, duradouro e
causou muito mais danos do
que qualquer forasteiro tinha
percebido até então.
Os moradores do bairro permanecem sob rígido confinamento, com presença policial e
militar ostensiva em cada esquina, e lojas, bares e restaurantes fechados. Mas a sensação de zona de guerra do bairro
antigo contrasta marcadamente com a atmosfera fervilhante
do centro novo dominado por
chineses han [grupo majoritário no país].
Soldados
Ontem, a China permitiu a
entrada de um pequeno grupo
de repórteres em Lhasa pela
primeira vez desde o protesto
de 14 de março. Nas primeiras
horas, o grupo pôde se mover livremente sem vigilância visível, embora poucos tibetanos
estivessem preparados para falar abertamente sobre os protestos, distúrbios e subseqüentes restrições.
A atmosfera altamente repressiva da vizinhança era reforçada pelos grandes batalhões de soldados patrulhando
as ruas principais e pedindo documentos aos passantes. Na
entrada de muitas avenidas,
tropas antidistúrbio impediam
a entradas dos não-residentes.
Enquanto as autoridades
chinesas tentaram focar a atenção na natureza violenta dos
distúrbios, críticos querem
examinar o que aconteceu com
os protestos pacíficos dias antes do conflito. O fato de que os
protestos de Lhasa tenham
provocado manifestações semelhantes em outras cidades
com população tibetana -durante as quais 130 pessoas morreram, segundo grupos de exilados tibetanos- também coloca sob um holofote indesejável
a política chinesa no Tibete.
O distúrbio ocorreu em uma
área conhecida como bairro tibetano, a leste do centro da cidade, que tem visto muitas lojas serem abertas por migrantes hans em anos recentes. A
TV chinesa tem mostrado fábulas dolorosas sobre chineses
hans sendo queimados até a
morte em suas lojas.
Cada uma das ruas desertas
têm edifícios queimados. Muitas das propriedades restantes
têm pedaços de seda branca
amarrados às fechaduras -um
sinal ostensivo para os manifestantes de que o proprietário
era tibetano e que o prédio deveria ser poupado.
Uma das poucas lojas na área
que abriu ontem à tarde, oferecendo alimentos básicos e telefonemas de longa distância, era
de um homem nascido na Coréia que disse chamar-se Jin
Chen-man. Muitos de seus vizinhos hans perderam o meio de
vida nos distúrbios. "Muitas
pessoas terão que voltar porque simplesmente não podem
pagar aluguel", disse.
Monges e celulares
Dois professores tibetanos
bebiam pesadamente em um
dos poucos bares abertos, que
fazia negócios pela primeira
vez desde a revolta. "Nós basicamente fomos forçados a ficar
em casa", disse um deles.
Enquanto a meia dúzia de
quarteirões do bairro tibetano
ainda parecia na noite de ontem uma zona de guerra, a majoritariamente han área nova
do oeste da cidade estava começando a retomar seu comércio.
Em uma rua de lojas e restaurantes fervilhantes, dois monges budistas em seus robes alaranjados experimentavam celulares novos no showroom da
Nokia. Contudo, este não é um
sinal totalmente tranqüilizador para Pequim, dado que telefones celulares foram um instrumento fundamental para
espalhar os protestos.
O repórter do "Financial Times" viajou para Lhasa no primeiro grupo de jornalistas autorizado a
entrar no Tibete após os protestos de março. Foram 26 jornalistas de 19 organizações, entre as
quais as americanas Associated Press, Wall
Street Journal e USA Today, Itar-Tass (Rússia),
Kyodo (Japão), Al Jazeera (Qatar), KBS (Coréia
do Sul), South China Morning Post (Hong Kong),
Phoenix TV (Hong Kong) e Agência Central de
Notícias (Taiwan)
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