São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O cheiro de queimado continua no ar em Lhasa"

Repórter de jornal britânico conta o que viu na capital tibetana após os confrontos; grupo de jornalistas foi convidado por Pequim

GEOFF DYER
DO "FINANCIAL TIMES"

O cheiro de prédios queimando continua no ar quase duas semanas após protestos violentos tomarem o velho bairro tibetano de Lhasa, deixando para trás um rastro de lojas e apartamentos reduzidos a molduras carbonizadas.
É apenas um dos muitos sinais de que o protesto antichinês que convulsionou a capital ancestral do Tibete foi muito mais agressivo, duradouro e causou muito mais danos do que qualquer forasteiro tinha percebido até então.
Os moradores do bairro permanecem sob rígido confinamento, com presença policial e militar ostensiva em cada esquina, e lojas, bares e restaurantes fechados. Mas a sensação de zona de guerra do bairro antigo contrasta marcadamente com a atmosfera fervilhante do centro novo dominado por chineses han [grupo majoritário no país].

Soldados
Ontem, a China permitiu a entrada de um pequeno grupo de repórteres em Lhasa pela primeira vez desde o protesto de 14 de março. Nas primeiras horas, o grupo pôde se mover livremente sem vigilância visível, embora poucos tibetanos estivessem preparados para falar abertamente sobre os protestos, distúrbios e subseqüentes restrições.
A atmosfera altamente repressiva da vizinhança era reforçada pelos grandes batalhões de soldados patrulhando as ruas principais e pedindo documentos aos passantes. Na entrada de muitas avenidas, tropas antidistúrbio impediam a entradas dos não-residentes.
Enquanto as autoridades chinesas tentaram focar a atenção na natureza violenta dos distúrbios, críticos querem examinar o que aconteceu com os protestos pacíficos dias antes do conflito. O fato de que os protestos de Lhasa tenham provocado manifestações semelhantes em outras cidades com população tibetana -durante as quais 130 pessoas morreram, segundo grupos de exilados tibetanos- também coloca sob um holofote indesejável a política chinesa no Tibete.
O distúrbio ocorreu em uma área conhecida como bairro tibetano, a leste do centro da cidade, que tem visto muitas lojas serem abertas por migrantes hans em anos recentes. A TV chinesa tem mostrado fábulas dolorosas sobre chineses hans sendo queimados até a morte em suas lojas.
Cada uma das ruas desertas têm edifícios queimados. Muitas das propriedades restantes têm pedaços de seda branca amarrados às fechaduras -um sinal ostensivo para os manifestantes de que o proprietário era tibetano e que o prédio deveria ser poupado.
Uma das poucas lojas na área que abriu ontem à tarde, oferecendo alimentos básicos e telefonemas de longa distância, era de um homem nascido na Coréia que disse chamar-se Jin Chen-man. Muitos de seus vizinhos hans perderam o meio de vida nos distúrbios. "Muitas pessoas terão que voltar porque simplesmente não podem pagar aluguel", disse.

Monges e celulares
Dois professores tibetanos bebiam pesadamente em um dos poucos bares abertos, que fazia negócios pela primeira vez desde a revolta. "Nós basicamente fomos forçados a ficar em casa", disse um deles.
Enquanto a meia dúzia de quarteirões do bairro tibetano ainda parecia na noite de ontem uma zona de guerra, a majoritariamente han área nova do oeste da cidade estava começando a retomar seu comércio.
Em uma rua de lojas e restaurantes fervilhantes, dois monges budistas em seus robes alaranjados experimentavam celulares novos no showroom da Nokia. Contudo, este não é um sinal totalmente tranqüilizador para Pequim, dado que telefones celulares foram um instrumento fundamental para espalhar os protestos.


O repórter do "Financial Times" viajou para Lhasa no primeiro grupo de jornalistas autorizado a entrar no Tibete após os protestos de março. Foram 26 jornalistas de 19 organizações, entre as quais as americanas Associated Press, Wall Street Journal e USA Today, Itar-Tass (Rússia), Kyodo (Japão), Al Jazeera (Qatar), KBS (Coréia do Sul), South China Morning Post (Hong Kong), Phoenix TV (Hong Kong) e Agência Central de Notícias (Taiwan)


Texto Anterior: Americanas
Próximo Texto: China diz que 660 revoltosos se entregaram
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.