São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

Próximo Texto | Índice

Premiê de Timor deixa o cargo para frear crise

Após dois meses de impasse e violência, Alkatiri cede aos apelos do presidente

Acusado de armar milícias, dirigente tentou manobra para se manter, mas apoio de seu partido gerou cascata de saídas em outras pastas


Firdia Lisnawati/Associated Press
Timorenses comemoram nas ruas de Dili a renúncia do premiê Alkatiri após quase dois meses de violência e impasse político


DA REDAÇÃO

O premiê de Timor Leste e pivô de mais de dois meses de crise política e caos interno, Mari Alkatiri, 56, entregou ontem sua carta de demissão ao presidente Xanana Gusmão.
Ainda no domingo ele tentara uma última manobra para permanecer no cargo. Pediu que a Fretilin (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente), partido do qual é secretário-geral e que tem a maioria no Parlamento, publicasse uma moção de confiança para prestigiá-lo.
O gesto desencadeou dois rápidos episódios que o fragilizaram. Primeiro foi a decisão de José Ramos Horta, ministro da Defesa e das Relações Exteriores, de deixar o governo.
Horta foi o Nobel da Paz de 1996, por seus esforços diplomáticos para pôr fim à dominação da Indonésia (1975-1999) sobre a pequena ex-colônia portuguesa na Ásia.
O segundo episódio foi a intenção, atribuída ontem de manhã a sete outros ministros, de também deixar o gabinete. Isolado, Alkatiri declarou-se "disposto a renunciar, a dividir a responsabilidade pela crise e a evitar a renúncia do presidente Xanana Gusmão".
Gusmão, um homem também bastante popular, por ter liderado a guerrilha contra os ocupantes indonésios, havia ameaçado deixar a chefia do Estado na semana passada, caso seu premiê não tomasse primeiro a mesma decisão.

Festa
A renúncia de Alkatiri desencadeou um carnaval de rua em Dili, capital do país, que ocupa a metade de uma ilha encravada no arquipélago indonésio.
Cerca de 200 ônibus e peruas circularam pela cidade com suas buzinas disparadas. Grupos com tambores ocuparam as praças públicas e improvisaram danças que prosseguiram até altas horas.
Ramos Horta, num palanque improvisado, disse a seus concidadãos que eles "obtiveram uma grande vitória como resultado da disciplina" e que dentro de três dias terão um novo governo. O chanceler demissionário disse que a Fretilin poderá escolher entre três nomes: Arsénio Bano, até agora ministro do Trabalho e da Reinserção Comunitária, Rui Araújo, ministro da Saúde, e Ana Pessoa, ex-mulher de Ramos Horta e ministra de Estado e da Administração.
A queda de Mari Alkatiri coincide com a abertura de inquérito pelo Ministério Público timorense sobre a acusação -confirmada por seu ex-ministro do Interior, Rogério Lobato- de que ele decidira distribuir armas do Estado a seus partidários, que formariam um misto de milícia e esquadrão da morte contra adversários.
O plano foi revelado por uma emissora de TV da Austrália. Alkatiri deve ser ouvido pelos promotores na sexta-feira. Lobato está em prisão domiciliar.
O primeiro-ministro da Austrália, John Howard, saudou a demissão do premiê e disse que ela permitiria pôr um ponto final à crise. Os australianos têm a maior parte das forças internacionais de 2.700 homens que passaram a garantir a segurança interna de Timor Leste depois do colapso, em abril, de sua polícia e de seu Exército.
A crise surgiu quando quase 600 dos 1.400 militares timorenses se rebelaram e pediram que Alkatiri abrisse negociações para a elaboração de novos critérios de promoção, que não discriminassem originários de regiões suspeitas de simpatizantes da Indonésia.
Mas ele se manteve intransigente e expulsou os rebelados. Estes por sua vez "racharam" a polícia e, sem uma autoridade institucional armada, o país caiu em mãos de saqueadores.
Cerca de 30 civis foram mortos, 40 desapareceram e estimados 145 mil foram obrigados a deixar suas casas, refugiando-se em igrejas, conventos, praças ou acampamentos nas montanhas próximas à capital.


Com agências internacionais

Próximo Texto: Análise: Alkatiri tinha estilo de mando "bolchevista"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.