São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

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Sob Calderón, México pode "pausar" a Alca

Arturo Sarukhán, cotado para chanceler se conservador vencer, critica EUA e ação unilateral do Brasil

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

A defesa que o México faz da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) deve sofrer uma "pausa" enquanto os EUA não modificarem seus subsídios agrícolas. Essa será uma das maiores mudanças na política externa do país, caso vença o candidato Felipe Calderón.
Quem diz é o favorito para assumir a Chancelaria mexicana caso vença o conservador, o diplomata Arturo Sarukhán Casamitjana. Sarukhán foi cônsul mexicano em Nova York nos últimos três anos e chefe dos assessores do ex-chanceler Jorge Castañeda. Leia trechos da entrevista que ele deu a Folha no comitê central da campanha de Calderón.

 

FOLHA - Uma das maiores diferenças entre Brasil e México é a defesa mexicana da Alca. Não dá para conciliar os interesses dos dois países?
ARTURO SARUKHÁN -
Se Calderón chegar à Presidência, faremos uma pausa em relação à Alca. Não estamos convictos de que sua construção seja o melhor para os interesses da região enquanto não houver uma resolução de um tema crítico para nós, o dos subsídios agrícolas.

FOLHA - E em relação ao Brasil? Setores do Itamaraty não consideram o México como parte da América Latina, e sim como apêndice dos EUA.
SARUKHÁN -
É um falso mito. Setores do Itamaraty pensam assim e se dedicaram a empurrar essa idéia para tirar o México de temas fundamentais do debate latino-americano. Nossa intensidade na relação com os EUA não impede que nos relacionemos com a AL. Como se o Brasil, por culpa do Mercosul, não jogasse em outras áreas de ação. Há uma tentativa de deixar o México fora do jogo.

FOLHA - Os dois países continuarão a se tratar como rivais sob Calderón?
SARUKHÁN -
É falácia que devemos ser sócios naturais. Temos que buscar temas comuns e convergências. Os dois países têm problemas muito sérios, como redes de tráfico de drogas e de pessoas, que atingem a trama social de ambos. Temos que gerar debate no mundo já que as políticas contra o narcotráfico nas duas últimas décadas têm se revelado ineficientes.

FOLHA - E em relação ao Conselho de Segurança da ONU?
SARUKHÁN -
Estamos convencidos de que o melhor para o México é um assento não-permanente. E defendemos que o melhor esquema seria um assento regional, rotativo, para a AL. Se entrarmos em uma disputa contra Brasil para ver quem é o representante da AL, perderemos os dois. Nem vocês conseguiriam o assento permanente, nem nós o lugar para a região.

FOLHA - O presidente Vicente Fox não apostou demais na amizade com Bush e obteve pouco em troca?
SARUKHAN -
Temos que exigir projetos de longo prazo. O bem-estar das duas sociedades depende de que exista uma regulação dos fluxos imigratórios e do mercado de trabalho. Nossa diáspora precisa de mais poder político. É bom que eles mantenham contatos e laços com o México. Os mexicanos devem aprender inglês, tirar título de eleitor, candidatar-se às eleições. Em dez anos, o diálogo e o entendimento aumentarão. O mercado de trabalho ficou de fora da negociação do Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte). Abrir os mercados, que as empresas possam contratar nos três países, sem barreiras. Isso já acontece, mas está nas sombras, com 400 mortos mexicanos por ano na fronteira. É um terrível efeito colateral do crime organizado, que trafica seres humanos.

FOLHA - Como o México não conseguiu arrancar uma lei imigratória mais generosa dos EUA?
SARUKHÁN -
Temos 46 consulados mexicanos nos EUA, a maior rede consular do mundo em um país. Defendemos os imigrantes. Mas, em negociação e convencimento, erramos. Depois do 11 de Setembro, compramos a tese do governo Bush de não pressionar, não negociar, porque ele faria a reforma imigratória. Deixamos brechas que os grupos ultraconservadores ocuparam. O governo mexicano deveria ser mais agressivo para negociar.

FOLHA - Quando haveria um plano dos EUA para ajudar as regiões mais pobres no México?
SARUKHÁN -
Nunca estivemos tão perto de algo assim, mas é necessário convencer a sociedade americana. Talvez eles concordem em canalizar investimento produtivo para regiões com maiores índices de expulsão de mão-de-obra. Investir no sul e no centro, que não se desenvolveram como o norte.

FOLHA - E se a esquerda vencer?
SARUKHÁN -
[O candidato Andrés Manuel] López Obrador diz que a melhor política externa é a política interna e que só visitaria uma vez os EUA. O México iria se tornar irrelevante na cena internacional.


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