São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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Populações deslocadas expõem fraturas de Timor

Seis anos após a independência, governo ainda tenta realojar 100 mil e construir Estado

Em campos insalubres, timorenses se amparam no assistencialismo estatal, que inclui compensação para reconstrução de casas


Lírio da Fonseca - 16.jul.08/Reuters
Deslocados fazem fila para receber ajuda, em Viqueque

LETÍCIA SANDER
ENVIADA ESPECIAL A DÍLI

Aos 46 anos, apenas 6 deles vividos em solo independente, Paulo da Costa Belo simboliza as dificuldades e esperanças dos moradores de Timor Leste, o país mais pobre da Ásia.
No último dia 17, Paulo deixou o campo de deslocados em que vivia com a família na capital, Díli, e hoje está refugiado numa tenda no pátio de sua antiga casa. A família é beneficiária de uma iniciativa lançada pelo governo para tentar pôr fim a uma das principais feridas do período pós-independência: os mais de 100 mil timorenses, de uma população de 1,1 milhão, que acabaram desalojados na própria cidade e vivem em campos insalubres.
Depois de quatro séculos de colonização portuguesa e 24 anos de ocupação indonésia, divisões políticas, étnicas e sociais voltaram à tona em 2006. A origem do problema foi a exoneração de soldados rebelados, mas o conflito se aprofundou, deixou pelo menos 30 mortos, levou parte da já decadente infra-estrutura novamente às chamas e deixou 10% da população sem casa.
Dois anos após a última grande crise, o chefe da ONU no Timor, o indiano Atul Khare, é otimista sobre os rumos no país, mas compara a estabilidade a uma "pedra colocada no topo de uma montanha".
Em fevereiro, o presidente José Ramos-Horta e o primeiro-ministro Xanana Gusmão sofreram um atentado atribuído justamente a descontentes da área militar. A oposição pressiona por eleições antecipadas. E o governo ainda patina na tentativa de tornar o país efetivamente viável.

Sintoma
Os refugiados internos são apenas a face mais visível das dificuldades da ilha. Até o ano passado, eles estavam por toda parte -no aeroporto, no porto, nas igrejas e até no hospital, dividindo espaço com doentes.
Hoje restam 34 campos em Díli, com 20 mil pessoas. Gente como Carlito da Silva, professor, pai de três filhos, instalado num terreno em frente ao aeroporto, vizinho de outras 4.982 pessoas, com quem divide 20 banheiros. Ele também deve voltar para casa em breve.
Para convencer os deslocados a saírem dos campos, onde há distribuição de alimentos pagos pelo Estado e agências internacionais, o governo teve de oferecer compensação financeira. O pacote para que as pessoas reconstruam suas casas varia de US$ 500 a US$ 4.500. O governo também reduziu a quantidade de comida distribuída nos campos.
A iniciativa está mudando a cara da capital, mas alguns vêem nela uma forma de assistencialismo estatal. "O que vai acontecer se as pessoas gastarem esse dinheiro e não construírem as casas?", questiona Alfredo Zamudio, funcionário do grupo humanitário Norwegian Refugee Council.
Belo ilustra o problema. Ao receber a Folha na tarde de terça-feira, o desempregado estava sujo de cimento, ocupado na construção da própria casa, um caixote de quatro cômodos. Sem móveis, com o estoque de arroz no fim, ele se queixa da falta de dinheiro. Questionado sobre o que pretende fazer, imediatamente fala em recorrer -outra vez- ao governo.
Mas, apesar dos problemas visíveis em cada esquina, predomina a opinião de que as coisas evoluíram positivamente num país que há menos de dez anos havia sido transformado em campo de batalha.
Com ajuda internacional -inclusive do Brasil-, Timor tenta reconstruir suas instituições, formar uma polícia eficiente, apaziguar as tensões nas Forças Armadas, fortalecer a Justiça e impulsionar áreas como educação, saúde e, sobretudo, infra-estrutura.
O presidente José Ramos-Horta atribui os percalços à juventude da nação, independente desde 2002. "É difícil construir em seis anos um Estado forte e estável", disse à Folha.
A grande esperança é o petróleo, que desperta crescentes interesses internacionais e já rende ao país cerca de US$ 200 milhões por mês.


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