São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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AMÉRICA LATINA

Ex-ditador do Chile não terá imunidade em acusação sobre Operação Condor; defesa deve alegar insanidade

Corte abre caminho para julgar Pinochet

Santiago Llanquin/Associated Press
Luis Fuenzalida, parente de dissidente desaparecido nos anos Pinochet, comemora em Santiago


DA REDAÇÃO

Em decisão apertada, a Suprema Corte do Chile ratificou ontem a retirada da imunidade do ex-ditador Augusto Pinochet, 88, em processo no qual é acusado de envolvimento no desaparecimento de 19 ativistas de esquerda em meados dos anos 1970, durante a Operação Condor.
Para tentar evitar o julgamento, à defesa do ex-ditador resta alegar que ele não possui condições de saúde mental suficientes para enfrentar o processo.
A decisão aumentou em ativistas de direitos humanos a esperança de que Pinochet seja julgado por abusos cometidos sob seu governo (1973-1990), no qual ao menos 3.000 pessoas foram assassinadas ou desapareceram.
Em maio, um tribunal de instância inferior havia retirado a imunidade dada a Pinochet como ex-chefe de Estado. A decisão foi mantida ontem por 9 votos a 8.
Nos últimos seis anos, houve uma série de decisões judiciais favoráveis e contrárias em processos que acusam Pinochet de seqüestrar, torturar e matar dissidentes de esquerda, a maioria ligada ao regime de Salvador Allende, deposto em 1973.
Advogados de direitos humanos consideram que Pinochet perdeu apoio na opinião pública. Citam como fator de desgaste a recente descoberta de contas bancárias secretas e milionárias.
Em julho, relatório do Senado americano disse que Pinochet manteve até US$ 8 milhões em contas em paraísos fiscais.
"Há uma sensação de que Pinochet não é tão intocável quanto antes. A mentalidade chilena é curiosa. Uma pessoa pode assassinar e, às vezes, nada acontece. Mas, se ela é pega com problemas financeiros, sua reputação cai muito mais do que se matar 3.000 pessoas", disse Juan Subercaseaux, advogado de acusação.
"Estamos contentes e vamos continuar pressionando", disse Lorena Pizarro, da Associação dos Parentes dos Desaparecidos.

Leve demência
Em 2001, a Suprema Corte já havia retirado a imunidade de Pinochet, mas seus advogados conseguiram convencer os juízes de que uma leve demência impossibilitava o ex-ditador de participar de um julgamento. É provável que a defesa volte a apresentar o mesmo argumento desta feita.
"É uma verdade inquestionável que há relatórios médicos que mostram que ele é incapaz de orientar uma defesa e, portanto, não seria um julgamento justo", disse à agência Reuters o general aposentado Guillermo Garín, um dos amigos mais próximos e porta-voz do ex-ditador.
Para os advogados de defesa, esse argumento será mais difícil de ser aceito porque Pinochet concedeu uma entrevista, em que respondia lucidamente a questões, a uma rede de TV de Miami, em dezembro do ano passado. Análise da entrevista feita por psiquiatras a pedido dos advogados de acusação concluiu que o ex-ditador dispõe de bom estado mental.

Repercussão
Enquanto a família de Pinochet chamou a decisão de "humilhante", entidades internacionais de direitos humanos comemoraram a derrota do ex-ditador.
Lucía Pinochet Hiriart, a filha mais velha do ex-ditador, criticou a resolução da Suprema Corte: "Senti muita pena, porque meu pai é realmente um idoso. Isso é uma humilhação, vão levá-lo de um lado para o outro".
Já a Anistia Internacional disse, em nota, que foi dado um "grande passo": "A decisão demonstra que Pinochet pode e deve responder diante da Justiça como qualquer outro cidadão. É um passo valioso, que devolve a confiança ao Poder Judiciário após duas décadas de espera". Outras entidades internacionais também comemoraram a notícia.
No Brasil, o PT se manifestou: "A Justiça chilena está dando um exemplo para toda a região, pois demonstra que não pode haver impunidade para os crimes de direitos humanos e que ninguém pode escapar eternamente da Justiça", disse à agência EFE o secretário de Relações Exteriores petista, Paulo Delgado.

Com agências internacionais


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