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ONU abre caminho no Líbano para solução sem barbárie
O Hizbollah provou sua resistência e poderia voltar a se agrupar, mas uma nova
guerra transformaria o país em terra arrasada e cenário de desolação bíblica
RAMI G. KHOURI
EM BEIRUTE
Visitei os subúrbios da zona
sul de Beirute nesta semana,
pela primeira vez desde que Israel os bombardeou impiedosamente. Era impressionante
observar o trabalho de limpeza
e reconstrução que estava em
execução pelo Hizbollah, pelo
governo e por dezenas de organizações não-governamentais
tanto libanesas quanto estrangeiras. Dezenas de milhares de
pessoas caminhavam entre os
destroços exibindo orgulho e
um senso de realização por terem resistido aos ataques e pelo
Hizbollah ter conseguido impor ao menos um empate em
seu confronto com Israel.
Mas nem todos os meus sentimentos eram positivos, enquanto eu via o Hizbollah distribuir pagamentos em dinheiro no valor de US$ 10 mil ou
mais para permitir que as famílias cujas casas foram destruídas sobrevivessem ao longo do
próximo ano. Eu não pude deixar de imaginar como seria se a
guerra não tivesse acontecido e
o Hizbollah tivesse dado às cerca de 15 mil famílias elegíveis
US$ 10 mil para outros fins, como comprar computadores,
enciclopédias e livros de poesia
ou propiciar educação universitária a milhares de estudantes
merecedores.
Mas o mundo não gosta disso. O ataque maciço de Israel
contra objetivos civis e alvos
militares do Hizbollah em todo
o território do Líbano é um sinal da irracionalidade acompanhada por certa dose de barbárie -que freqüentemente define as decisões políticas nessa
parte do mundo.
A resposta do Hizbollah foi
desenvolvida com base na experiência de um quarto de século que a organização adquiriu no combate aos ataques, à
ocupação e às ameaças israelenses. Os 3.000 mísseis e foguetes disparados contra o norte de Israel causaram certos danos materiais e humanos, mas
enviaram uma poderosa mensagem política que ressoou por
toda a região: Israel não é invencível e pode ser contido por
meio de planejamento determinado e resistência corajosa.
Perspectivas
Isso é correto, mas o que
acontece a seguir? Outra guerra? Abrigos contra bombas melhores? Mísseis mais precisos?
Mais 25 mil casas destruídas no
Líbano e em Israel? Enquanto a
batalha prosseguia no Líbano, a
opinião pública no mundo árabe e entre os governos da Síria,
Irã e de alguns outros países estava preparada para lutar contra Israel até a morte. Israel,
com apoio diplomático explícito de Washington e linhas de
reabastecimento militar abertas junto aos arsenais norte-americanos, está preparado para destruir o Líbano. Ponto final. São duas perspectivas nada
convidativas. Merecemos opções melhores.
Esta foi uma guerra que o
Hizbollah só podia travar uma
vez, para provar sua capacidade
e sua determinação política, o
que a organização fez de maneira bastante enfática. Caso o
conflito venha a se repetir, no
entanto, o Líbano será devastado, literalmente incendiado pelo fogo israelense.
O Hizbollah não seria destruído, e poderia se reagrupar e
voltar a lutar, talvez com poder
destrutivo ainda maior e capacidade de penetração mais profunda em território israelense.
Mas o Líbano se tornará uma
terra arrasada, um panorama
de desolação bíblica. Como Sodoma e Gomorra no livro do
Gênese, o Líbano seria queimado e suas ruínas calcinadas se
tornariam um eterno lembrete
para as futuras gerações sobre a
devastação que povos ou Estados devem esperar caso desafiem a ira divina ao ameaçar a
segurança de Israel ou desafiar
a vontade de Washington com
muita freqüência.
Israel acredita que pode viver
em um cenário como esse como
preço por sua segurança e sobrevivência. O país está disposto a travar esse tipo de guerra
tantas vezes quanto forem necessárias, contra a Síria e talvez
contra o Irã, possivelmente em
acordo com os Estados Unidos.
Algumas pessoas em Washington apreciam esse caos e destruição nas terras árabes e islâmicas, acreditando que apenas
um ataque frontal dessa monta
contra a cultura política prevalecente entre os árabes poderia
romper o molde que definiu
muitas de nossas violentas nações na era moderna.
O Afeganistão e o Iraque são
exemplos dessa abordagem. Os
territórios palestinos estão a
meio caminho dela. O Líbano é
candidato ao esquecimento político e acaba de receber seu último aviso. A mensagem do ataque e do cerco israelense a Beirute é simples: aqueles que
acreditavam que poderiam
transformar a Paris do Oriente
Médio em sua Hanói terminarão por vê-la transformada em
Mogadício, a capital devastada
de um Estado somali fracassado e desorientado, eterno foco
de disputa entre gangues e senhores da guerra rivais.
Avanços
O Hizbollah não pode travar
de novo a mesma guerra e deve
agora se concentrar em explorar os avanços que conquistou,
por meio de trabalho político
no Líbano e em toda a região. A
organização não sinalizou a direção ou tom de seus planos políticos, mas os sinais das três últimas semanas indicam que vai
redirecionar sua energia para a
política interna libanesa caso
Líbano, Israel e Estados Unidos
permitam que o faça.
Não consigo ver outra interpretação para as quatro significativas decisões que o Hizbollah tomou desde o começo de
agosto: aceitar o plano de paz
de sete pontos do primeiro-ministro Fouad Siniora; aceitar a
decisão do governo libanês de
enviar tropas do Exército para
a região fronteiriça no sul do
país; aceitar a resolução 1.701
do Conselho de Segurança das
ONU e o pedido por uma força
de paz internacional com efetivos maiores no sul do Líbano; e
trabalhar energicamente para
repovoar e reconstruir as áreas
civis ocupadas principalmente
por xiitas que foram bombardeadas e esvaziadas durante a
guerra.
Processo político
O Hizbollah alegará, com alguma credibilidade, que forçou
Israel e a comunidade internacional a tratarem das questões
que importam ao Líbano, como
a região das Fazendas de Shebaa, os prisioneiros e os ataques que atravessam fronteiras. O processo político imposto pela ONU nos termos da resolução 1.701 oferece um caminho para solucionar essas questões. Caso obtenha sucesso, poderia até revigorar um processo
de solução regional de conflitos
baseado na lei e impulsionado
por negociações, em lugar de irracionalismo, barbárie e desolação.
Logo descobriremos se aqueles que combateram com tamanha ferocidade, de ambos os lados, são igualmente capazes de
aprender as lições do combate e
nos levar a um futuro que se assemelhe mais a Paris do que a
Mogadício.
RAMI G. KHOURI é colunista publicado internacionalmente e editor do jornal "Daily Star", de
Beirute
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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