São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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UE silencia diante da extrema direita

Participação nos governos da Polônia e da Eslováquia de partidos ultranacionalistas não provocou reação dos vizinhos

Enquanto as regras do jogo democrático sigam sendo respeitadas, nenhum país do bloco se sente autorizado a interferir nos demais

THOMAS FERENCZI
DO "LE MONDE"

Dois dos 25 governos atuais da União Européia têm representantes de partidos de extrema direita em suas fileiras, sem que essa situação pareça incomodar muito a seus parceiros. Os protestos são fracos ou inexistentes, não há nenhuma ameaça de sanção e, aparentemente, nada mudou nas relações entre os Estados-membros. Cada um deles faz como se não houvesse nada. Entretanto, o que aconteceu há algumas semanas na Polônia e na Eslováquia, que entraram na UE em 2004, chama a atenção.
Em Varsóvia, o governo de Kazimierz Marcinkiewicz, primeiramente, e depois o de Jaroslaw Kaczynski, que o sucedeu, não hesitaram em acolher dois representantes da Liga das Famílias Polonesas, cujo presidente, Roman Giertych, ultracatólico fortemente homófobo nomeado ministro da Educação, recentemente saudou a memória do general espanhol Francisco Franco (1939-1975).
Em Bratislava, o novo premiê, o social-democrata Robert Fico, entregou três pastas a membros do Partido Nacional eslovaco, cujo líder, o ultranacionalista Jan Slota, se destacou por fazer declarações racistas contra húngaros e ciganos, além de render homenagem ao ditador pró-nazista Jozef Tiso (1939-1945).
Essas indicações não suscitaram tanta comoção na Europa quanto o fez a entrada da extrema direita austríaca no governo do chanceler Wolfgang Schüssel, em 2000. Apenas o Parlamento Europeu apresentou uma reação inequívoca: em junho, aprovou uma resolução na qual se disse "profundamente preocupado com a ascensão geral da intolerância racista, xenófoba, anti-semita e homófoba na Polônia".
Apesar disso, os governos europeus se abstiveram de aplicar à Polônia e à Eslováquia o boicote diplomático que impuseram à Áustria seis anos atrás. A que se deve essa moderação? Em parte, sem dúvida, ao fato de que a punição infligida à Áustria teve de ser cancelada ao cabo de alguns meses, depois de ter se revelado ineficaz ou mesmo contraproducente.
É possível, também, que, após reflexão sobre o assunto, a UE não acredite no perigo representado pelos movimentos de extrema direita, pelo exemplo austríaco mostrar que eles podem perder força tão rapidamente quanto a ganharam.
Mas o silêncio constrangido das capitais européias é característico, sobretudo, de um certo enfraquecimento dos laços de interdependência e solidariedade entre os Estados membros. Hoje cada um segue seu próprio caminho, sem preocupar-se demais em saber se os outros avançam no mesmo rumo. É verdade que as idéias da extrema direita não correspondem aos valores europeus, mas, enquanto as regras democráticas continuarem a ser respeitadas, nenhum país do bloco se sente autorizado a abrir um processo contra seus vizinhos. Afinal, nenhum deles está livre do perigo dessas febres repentinas.


Tradução de CLARA ALLAIN


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