São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2007

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Chávez põe caso dos reféns na vitrine

Presidente protagoniza outra cerimônia em que recebe parentes de seqüestrados na Colômbia, desta vez norte-americanos

Encontro é transmitido ao vivo pela TV; mediação de conflito colombiano ajuda imagem do venezuelano após controverso caso RCTV

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

A cena é de anteontem à noite, no Palácio Miraflores. Dois irmãos gêmeos de quatro anos descem aos pulos a escada com bolas novas de futebol embaixo do braço. Estão vestidos de bonés vermelhos, estampados com uma caricatura infantilizada de Hugo Chávez. Atrás deles, o próprio presidente venezuelano e outros parentes dos três norte-americanos seqüestrados em 2003 pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
O grupo, que incluía também a senadora colombiana Piedad Córdoba, acabava de sair de mais um encontro promovido por Chávez para "discutir" a troca de 45 reféns das Farc por cerca de 500 guerrilheiros presos. Duas semanas antes, o presidente já havia recebido em Miraflores os familiares dos colombianos seqüestrados pela guerrilha.
O encontro de anteontem se assemelhava a um programa de auditório. Com transmissão ao vivo pela TV estatal, Chávez conversou com os parentes de três norte-americanos seqüestrados há quatro anos e sete meses na Colômbia, quando o avião em que estavam teve de fazer uma aterrissagem forçada. Todos são funcionários da Northrop Grumman, uma empresa de tecnologia militar a serviço do Departamento de Estado dos EUA.
Os irmãos gêmeos são filhos de um deles, Keith Stansell. Ele já estava em cativeiro quando os dois nasceram. Alheias ao drama em que vivem, brincavam com outra criança mais velha. Aparentando dez anos, vestia uma camiseta branca dada pelo governo venezuelano em que se lia, em inglês: "Todos juntos! Com o presidente Chávez! Paz na Colômbia!".

Prioridade
Durante o encontro, a senadora Córdoba, autodeclarada chavista, anunciou a realização de shows musicais em apoio às negociações em Nova York, Paris, Bogotá, Caracas e numa cidade não-especificada do Brasil. "Queremos 100 mil pessoas em cada evento."
Em campanha eleitoral para aprovar sua reforma constitucional em referendo, provavelmente em dezembro, Chávez transformou as negociações em prioridade. "Não vou abandonar essa luta, não vou renunciar a essa empresa nem que vocês me matem", disse, em meio a palavras de agradecimento dos familiares.
O próximo encontro de Chávez já está marcado para o dia 8, quando uma comitiva das Farc estará em Caracas. As negociações, emperradas desde o início do governo Álvaro Uribe, há cinco anos, começam com posições irreconciliáveis. As Farc exigem a desmilitarização de dois municípios, proposta considerada inaceitável pelo governo colombiano.

Uribe também ganha
Até agora, o envolvimento de Chávez com o conflito colombiano tem alavancado a sua imagem no exterior, depois do desgaste provocado pelo não renovação da concessão da emissora oposicionista RCTV, no final de maio. Vários governos, do Brasil de Lula e até mesmo os EUA de Bush, têm apoiado publicamente a iniciativa.
Uribe também tem buscado dividendos políticos, na avaliação da analista colombiana Maria Teresa Ronderos, presidente da Fundação para a Liberdade de Imprensa. Ao escolher a senadora Córdoba como facilitadora das negociações, diz Ronderos, Uribe neutralizou uma feroz crítica sobre seus supostos vínculos com o paramilitarismo de direita.
Anteontem, o colombiano convidou integrantes do Partido Democrata norte-americano a participarem das negociações, em meio às dificuldades para aprovar o Tratado de Livre Comércio entre Colômbia e EUA no Congresso dos EUA. "A Uribe convém envolver os congressistas democratas, na medida em que ajuda a aprovar o TLC", disse Ronderos à Folha.
Para o presidente da ONG Codhes (Consultoria para os Direitos Humanos e para o Refúgio), Jorge Rojas, a espetacularização das negociações é prejudicial ao processo.
"Muitas reuniões públicas e uma agenda que tem muito de show não convêm a um acordo. Prudência, paciência e muita discrição são necessárias para um tema antes de tudo humanitário, ainda que obviamente tenha também conseqüências políticas."


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