São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2007

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"Israel já fez acordos com rivais piores"

Para o escritor A. B. Yehoshua, cessar-fogo com o grupo radical Hamas ajudaria a promover avanços no processo de paz

Petição de intelectuais de Israel em defesa da trégua vai na contramão da política do governo, que declarou Gaza "entidade inimiga"

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Um grupo formado por alguns dos intelectuais mais influentes de Israel divulgou nesta semana um documento pedindo ao governo que negocie uma trégua com o movimento islâmico Hamas, que controla a faixa de Gaza desde junho.
A iniciativa, assinada por nomes de peso, como os escritores Amós Oz, A.B. Yehoshua e David Grossman, foi na contramão da política do governo israelense, que na semana passada declarou Gaza "entidade inimiga" e ameaçou bloquear o suprimento de energia, alimentos e combustíveis em retaliação ao disparo contínuo de foguetes contra seu território.
Em entrevista por telefone à Folha, Yehoshua, cujo último romance, "A noiva libertada" (Cia. das Letras), foi lançado recentemente no Brasil, explicou por que acha um equívoco para Israel manter Gaza como território inimigo.

 

FOLHA - Por que Israel deve oferecer uma trégua a um grupo que não reconhece seu direito de existir?
A. B. YEHOSHUA -
A situação em Gaza é muito grave: eles disparam foguetes contra nós e nós respondemos com um cerco que torna a vida por lá cada vez mais difícil. Mas as populações que vivem nos dois lados da fronteira estão condenadas a ser vizinhas. Ao longo de sua história Israel fez acordos de cessar-fogo com seus piores inimigos, países que queriam nos exterminar, como Síria, Egito e Jordânia. Por que não chegar a um cessar-fogo com o Hamas? Se eles rejeitarem, terão que arcar com a reação militar israelense. Mas se aceitarem pelo menos a matança será suspensa. Já fizemos acordos com inimigos piores.

FOLHA - Os opositores dessa idéia dizem que o Hamas aproveitaria a trégua para se armar, sem abandonar o ideal de destruir Israel.
YEHOSHUA -
Israel não tem como destruir o Hamas. Entrar em Gaza tampouco adiantaria -isso já foi tentado e só levou a mais derramamento de sangue. Além disso, a ameaça para Israel do Hamas, fechado em Gaza como está atualmente, não é considerável. Temos que aspirar a uma normalização, mesmo porque em Gaza e na Cisjordânia vive o mesmo povo palestino, não podemos separá-lo. Se em Gaza houver calma, será mais fácil chegar a um acordo de paz com [o presidente palestino] Mahmoud Abbas.

FOLHA - Essa via dupla não alimentaria a divisão entre os palestinos?
YEHOSHUA -
Não concordo. No momento em que houver calma em Gaza haverá mais chance de chegarmos à paz com os palestinos como um todo. Há Hamas na Cisjordânia e Fatah em Gaza, são todos palestinos.

FOLHA - A conferência de paz que os EUA querem organizar em novembro ignora o Hamas. O sr. prevê algum avanço no encontro?
YEHOSHUA -
No momento acho difícil que Abbas tenha força para controlar a Cisjordânia ou que [o premiê de Israel, Ehud] Olmert, tenha força para desocupar assentamentos, que são as condições para que haja um acordo. Para que haja apoio popular em Israel à desocupação de assentamentos, Olmert precisa de calma em Gaza. Por isso há um interesse profundo de Israel em uma trégua com o Hamas. Temos que conviver com os palestinos. O Hamas não é como a Al Qaeda, que se esconde nas montanhas. Gaza fica a meros 70 km de Tel Aviv.

FOLHA - O sr. acha que a opinião pública israelense aprova um diálogo com o Hamas?
YEHOSHUA -
Não se trata propriamente de um diálogo. Já fizemos tréguas sem diálogo. E duvido que o Hamas aceitaria um diálogo, pois seus líderes são fundamentalistas e radicais. Mas, ao mesmo tempo, eles têm problemas sérios, que se agravarão ainda mais se Israel cortar o fornecimento de energia, água e gasolina. O problema não é só a liderança, mas a população. Vivem em Gaza mais de 1,3 milhão de palestinos. Parte deles trabalhou e conviveu conosco. Nós precisamos reduzir o sofrimento deles e dos israelenses que moram perto da fronteira. E às vezes um cessar-fogo leva ao diálogo. Foi o que ocorreu com o Egito.

FOLHA - É possível conseguir avanços com líderes fracos como Olmert, Abbas e Bush?
YEHOSHUA -
A chave, na minha opinião, é a Síria. Se conseguirmos a paz com os sírios, o Hamas e o Hizbollah perderão poder. E é possível chegar a um entendimento com a Síria: seu regime é estável e as condições para um acordo são conhecidas. Se a Síria entrar no círculo da paz o Hamas será forçado a ser mais realista.

FOLHA - Os intelectuais têm poder para mudar a realidade?
YEHOSHUA -
O poder não é imediato. Os intelectuais podem dar legitimidade moral a uma iniciativa, mas é a realidade que obrigará os governos a agir. Muitas dessas iniciativas levam a lugar nenhum, [risos] eu queria ter um shekel por cada petição pela paz que assinei na vida. Mas algumas servem como preparação para que uma idéia seja aceita. Há 25 anos, quando eu apoiei a criação de um Estado palestino, me chamaram de louco. Hoje a maioria dos israelenses não só aceita a idéia, mas a considera do interesse do país. Vamos dizer que os intelectuais não conduzem o carro [das mudanças], mas podem lubrificar suas rodas.

FOLHA - O presidente de Israel, Shimon Peres, comparou nesta semana o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, a Adolf Hitler. O sr. considera o Irã uma ameaça desse tamanho para Israel?
YEHOSHUA -
Ele não pode ser comparado a Hitler, mas é um perigo, pois inflama o mundo islâmico. É preciso uma aliança ampla, com a participação de Israel e de países islâmicos moderados, para isolá-lo.


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