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"Israel já fez acordos com rivais piores"
Para o escritor A. B. Yehoshua, cessar-fogo com o grupo radical Hamas ajudaria a promover avanços no processo de paz
Petição de intelectuais de Israel em defesa da trégua vai na contramão da política do governo, que declarou Gaza "entidade inimiga"
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Um grupo formado por alguns dos intelectuais mais influentes de Israel divulgou nesta semana um documento pedindo ao governo que negocie
uma trégua com o movimento
islâmico Hamas, que controla a
faixa de Gaza desde junho.
A iniciativa, assinada por nomes de peso, como os escritores
Amós Oz, A.B. Yehoshua e David Grossman, foi na contramão da política do governo israelense, que na semana passada declarou Gaza "entidade inimiga" e ameaçou bloquear o suprimento de energia, alimentos
e combustíveis em retaliação
ao disparo contínuo de foguetes contra seu território.
Em entrevista por telefone à
Folha, Yehoshua, cujo último
romance, "A noiva libertada"
(Cia. das Letras), foi lançado recentemente no Brasil, explicou
por que acha um equívoco para
Israel manter Gaza como território inimigo.
FOLHA - Por que Israel deve oferecer uma trégua a um grupo que não
reconhece seu direito de existir?
A. B. YEHOSHUA - A situação em
Gaza é muito grave: eles disparam foguetes contra nós e nós
respondemos com um cerco
que torna a vida por lá cada vez
mais difícil. Mas as populações
que vivem nos dois lados da
fronteira estão condenadas a
ser vizinhas. Ao longo de sua
história Israel fez acordos de
cessar-fogo com seus piores
inimigos, países que queriam
nos exterminar, como Síria,
Egito e Jordânia. Por que não
chegar a um cessar-fogo com o
Hamas? Se eles rejeitarem, terão que arcar com a reação militar israelense. Mas se aceitarem pelo menos a matança será
suspensa. Já fizemos acordos
com inimigos piores.
FOLHA - Os opositores dessa idéia
dizem que o Hamas aproveitaria a
trégua para se armar, sem abandonar o ideal de destruir Israel.
YEHOSHUA - Israel não tem como destruir o Hamas. Entrar
em Gaza tampouco adiantaria
-isso já foi tentado e só levou a
mais derramamento de sangue.
Além disso, a ameaça para Israel do Hamas, fechado em Gaza como está atualmente, não é
considerável. Temos que aspirar a uma normalização, mesmo porque em Gaza e na Cisjordânia vive o mesmo povo palestino, não podemos separá-lo. Se em Gaza houver calma,
será mais fácil chegar a um
acordo de paz com [o presidente palestino] Mahmoud Abbas.
FOLHA - Essa via dupla não alimentaria a divisão entre os palestinos?
YEHOSHUA - Não concordo. No
momento em que houver calma em Gaza haverá mais chance de chegarmos à paz com os
palestinos como um todo. Há
Hamas na Cisjordânia e Fatah
em Gaza, são todos palestinos.
FOLHA - A conferência de paz que
os EUA querem organizar em novembro ignora o Hamas. O sr. prevê
algum avanço no encontro?
YEHOSHUA - No momento acho
difícil que Abbas tenha força
para controlar a Cisjordânia ou
que [o premiê de Israel, Ehud]
Olmert, tenha força para desocupar assentamentos, que são
as condições para que haja um
acordo. Para que haja apoio popular em Israel à desocupação
de assentamentos, Olmert precisa de calma em Gaza. Por isso
há um interesse profundo de
Israel em uma trégua com o
Hamas. Temos que conviver
com os palestinos. O Hamas
não é como a Al Qaeda, que se
esconde nas montanhas. Gaza
fica a meros 70 km de Tel Aviv.
FOLHA - O sr. acha que a opinião
pública israelense aprova um diálogo com o Hamas?
YEHOSHUA - Não se trata propriamente de um diálogo. Já fizemos tréguas sem diálogo. E
duvido que o Hamas aceitaria
um diálogo, pois seus líderes
são fundamentalistas e radicais. Mas, ao mesmo tempo,
eles têm problemas sérios, que
se agravarão ainda mais se Israel cortar o fornecimento de
energia, água e gasolina. O problema não é só a liderança, mas
a população. Vivem em Gaza
mais de 1,3 milhão de palestinos. Parte deles trabalhou e
conviveu conosco. Nós precisamos reduzir o sofrimento deles
e dos israelenses que moram
perto da fronteira. E às vezes
um cessar-fogo leva ao diálogo.
Foi o que ocorreu com o Egito.
FOLHA - É possível conseguir avanços com líderes fracos como Olmert,
Abbas e Bush?
YEHOSHUA - A chave, na minha
opinião, é a Síria. Se conseguirmos a paz com os sírios, o Hamas e o Hizbollah perderão poder. E é possível chegar a um
entendimento com a Síria: seu
regime é estável e as condições
para um acordo são conhecidas. Se a Síria entrar no círculo
da paz o Hamas será forçado a
ser mais realista.
FOLHA - Os intelectuais têm poder
para mudar a realidade?
YEHOSHUA - O poder não é imediato. Os intelectuais podem
dar legitimidade moral a uma
iniciativa, mas é a realidade que
obrigará os governos a agir.
Muitas dessas iniciativas levam
a lugar nenhum, [risos] eu queria ter um shekel por cada petição pela paz que assinei na vida.
Mas algumas servem como preparação para que uma idéia seja
aceita. Há 25 anos, quando eu
apoiei a criação de um Estado
palestino, me chamaram de
louco. Hoje a maioria dos israelenses não só aceita a idéia, mas
a considera do interesse do
país. Vamos dizer que os intelectuais não conduzem o carro
[das mudanças], mas podem lubrificar suas rodas.
FOLHA - O presidente de Israel, Shimon Peres, comparou nesta semana
o presidente iraniano, Mahmoud
Ahmadinejad, a Adolf Hitler. O sr.
considera o Irã uma ameaça desse
tamanho para Israel?
YEHOSHUA - Ele não pode ser
comparado a Hitler, mas é um
perigo, pois inflama o mundo
islâmico. É preciso uma aliança
ampla, com a participação de
Israel e de países islâmicos moderados, para isolá-lo.
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