São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

comentário

No jogo de cena, ponto para McCain

NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Enquanto deixava no ar se participaria do debate, John McCain treinava, segundo um assessor ao menos. E abriu o programa, de seu lado, com uma frase -ou imagem- desenhada para responder à crise financeira, a maior em quase um século, como ele mesmo apresentou.
Afetando humildade, afirmou que os republicanos chegaram a Washington para mudar o governo, mas "o governo nos mudou". Daí os gastos em excesso, a crise. Que ele vai mudar, pois é diferente.
Barack Obama, de sua parte, apontou antes a "ideologia" contrária à regulação do mercado financeira, de George W. Bush e "sustentada" por McCain, como fonte da crise.
Estava essencialmente correto, porém, debatedor de poucos recursos e aparentemente sem preparo, permitiu que gastos públicos e corte de impostos, bandeiras republicanas, se impusessem no jogo.
O democrata insistiu no esforço de vincular o republicano ao governo Bush, de gastos fartos, e chegou a marcar pontos, como quando McCain, tenso, se disse um "independente". Mas a naturalidade de McCain em debates, já conhecida, aos poucos dominou e não deixou espaço para uma reação maior.
Era um flagrante jogo de cena, pouco significativo quanto aos fatos. Ambos escorregaram da pergunta direta, feita duas vezes pelo âncora Jim Lehrer e certamente aquela que, hoje, mais importa: se apóiam o pacote em negociação no Congresso.
Mas para quem entrou no programa acuado pela crise, quase inteiramente identificada com seu partido e presidente, McCain se defendeu e demonstrou até certa segurança.
E ela só fez aumentar na hora final, quando o programa se voltou ao tema previsto, política externa. (Aliás, até então a desculpa de Lehrer para abordar a crise era uma citação de Eisenhower, tirada ontem do "New York Times", ligando "segurança e solvência". Ou ainda, "a base da força militar" dos EUA "é a força econômica". Com as respostas em fuga, nenhum se mostrou à altura de Eisenhower.)
Sobre política externa, por outro lado, a insistência de McCain em declarar vitória no Iraque e citar soldados americanos mortos como heróis, só fez reafirmar seu militarismo, o que pode não ser a melhor mensagem na crise.
Mas foi também nessa hora final que Obama pareceu entregar os pontos. A segurança com que McCain se pronunciava sobre o Irã ou a Rússia levou o democrata a usar além da conta o recurso de dizer "John está certo".
De sua parte, quando parecia se exceder nas piadas sobre a própria idade, McCain acertou uma em cheio, sobre não ouvir o que Obama dizia, e parou. É o "timing", que permitiu desarmar o democrata até quando ele estava flagrantemente em vantagem. Já Obama mal consegue rir, menos ainda ironizar.


Texto Anterior: Americanas
Próximo Texto: "Supremacia branca ainda reina no campus anfitrião"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.