|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Supremacia branca ainda reina no campus anfitrião"
"Supremacistas brancos usarão todas as armas contra Obama", diz ativista veterano, que não iria ao debate para evitar polêmica
CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO
Primeiro aluno negro da Universidade do Mississippi, James Meredith entrou no campus, em 1962, sob escolta da
maior operação militar montada em território americano
desde a Guerra de Secessão
(1861-1865). Missão: derrotar o
motim racista, apoiado pelo governador, contra a matrícula de
Meredith, determinada pela
Justiça. Saldo: dois mortos,
centenas de feridos e o fim da
segregação na tradicional "Ole
Miss", fundada em 1848.
Meredith, hoje aos 75 anos,
diz que ganhou "uma batalha
contra a supremacia branca",
mas que "pouca coisa" mudou
no campus.
Anfitriã do debate entre
John McCain e Barack Obama,
o primeiro negro a disputar a
Presidência dos EUA com
chances de vitória, a universidade tem hoje 14% de alunos
negros -a proporção na população do Estado é de 40%.
Polemista, Meredith disse
que não iria ao debate "para
não desviar a atenção", mas
torce pela vitória de Obama. De
sua casa, no Mississippi, ele falou com a Folha, por telefone.
FOLHA - A universidade que insurgiu-se contra o fim da segregação dá
hoje boas-vindas ao primeiro candidato negro com chance de virar presidente. Como o sr. e os eventos de
1962 mudaram a "Ole Miss"?
JAMES MEREDITH - Não muito. A
supremacia branca ainda comanda. Era assim no Mississippi quando eu nasci, é assim hoje. E, se nada for feito, será assim amanhã.
FOLHA - A Ole Mississippi ergueu
um memorial ao sr. no campus. Isso
não representa alguma mudança?
MEREDITH - Ainda não fui capaz
de entender o que aquilo significa. Acho que eles tampouco.
FOLHA - O sr. concorreu às prévias
da Câmara pelo Partido Republicano
e apoiou figuras controvertidas como David Duke [ex-membro da Ku
Klux Klan e candidato ao governo da
Louisiana em 1991]...
MEREDITH - [Interrompendo]
Não tenho partido ou grupo.
Também disputei pelo Partido
Democrata e até venci a nomeação para o Congresso uma
vez, mas retirei a candidatura
no dia seguinte. Nunca concorri a um cargo que eu aceitaria. A
única razão de ter me candidatado é porque o sistema político é o melhor palco para passar
uma mensagem às pessoas.
FOLHA - Mas o sr. já acusou a elite
progressista de ser a maior inimiga
dos negros americanos. Obama representa essa elite?
MEREDITH - Não acho que possa
ter uma opinião formada antes
das eleições. Espero que Obama vença, isso definitivamente
seria um marco na civilização
cristã ocidental. Uma coisa está
clara para mim: Obama é o homem mais calmo do mundo, o
menos incendiário sobre a civilização cristã ocidental. Se alguém é capaz de promover essa
mudança, é ele. Mas a supremacia branca tem raízes profundas nos EUA, e no Brasil, e
não desistirá facilmente.
FOLHA - O sr. é uma figura central
da luta pelos direitos civis nos EUA,
mas rejeita associação com o movimento organizado. Por quê?
MEREDITH - Sou cidadão americano e, pela Constituição, todo
cidadão tem os mesmos direitos. Eles [os ativistas] só exigiam três desses direitos [integração das escolas, desagregação dos espaços públicos e direito ao voto]. Era um insulto
para mim. Não eram objetivos
pelos quais valesse a pena lutar.
FOLHA - E por quais objetivos valeria a pena lutar?
MEREDITH - Por direitos iguais a
todos os cidadãos.
FOLHA - O senhor não crê que isso
aconteça agora?
MEREDITH - De modo algum. É
como no esporte. O futebol
americano tem aqui a mesma
força que o britânico tem para
vocês. Há 40 anos, um negro jamais poderia ser quarterback
(principal lançador e líder do time) profissional. Hoje, qualquer um que leve o time à vitória pode ser o quarterback.
Se Obama vencer, mostrará
que a América mudou a tal ponto que qualquer um, branco ou
não, pode ser o quarterback do
país. Isso não ocorreu ainda,
nem sei se ocorrerá. Os supremacistas brancos usarão todas
as armadilhas para fazer com
que todos os brancos do país
votem no candidato branco.
Texto Anterior: Comentário: No jogo de cena, ponto para McCain Próximo Texto: Equador anuncia retomada de diálogo com a Odebrecht Índice
|