São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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ANÁLISE

Debate de fundo real é entre "golpe corretivo" e democracia

Discussão sobre status jurídico de Zelaya eclipsa o que realmente está em jogo na crise regional desencadeada pela deposição do presidente de Honduras

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

A discussão sobre o status jurídico de que goza o presidente hondurenho na Embaixada do Brasil em Honduras é importante, por seus reflexos na diplomacia brasileira e pelo ineditismo da situação. Mas ela tem servido para encobrir um debate que é político e diz respeito ao que cada lado considera o melhor desfecho para a crise iniciada com a prisão e expulsão do país de Manuel Zelaya, em junho.
Até Zelaya voltar, a situação se encaminhava para solução favorável ao governo golpista. A ideia deste era e é esperar o resultado da eleição presidencial do fim de novembro -marcada antes do golpe- e devolver aos países-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos) a decisão de reconhecer ou não o novo governo.
A OEA, coerente com a Carta Democrática Interamericana, exigiu de início a restituição "incondicional" de Zelaya, como presidente eleito. A Carta também estabelece parâmetros para eleições limpas e livres, mas com cláusulas mais abertas a diferentes interpretações do que a violação óbvia ocorrida quando do golpe.
Os golpistas resistiram fortemente às pressões diplomáticas. Sua atitude foi facilitada pela polarização provocada pela aliança de Zelaya com o presidente venezuelano Hugo Chávez e pelo apoio com que contam na cúpula dos dois partidos tradicionais e entre os militares, empresários e meios de comunicação.
Foi propiciada também pela atuação dúbia -ou cautelosa, segundo alguns-do governo americano, que manteve embaixador em Tegucigalpa e só gradualmente foi adotando alguma retaliação econômica.
O cruzamento do risco de desmoralização completa da OEA com os questionamentos nos Estados Unidos ao suposto apoio do governo Barack Obama a um aliado de Chávez levou a Casa Branca a propor o presidente costa-riquenho, Óscar Árias, como mediador.
Pelo chamado Acordo de San José, Zelaya abriria mão de tentar se reeleger -intenção que ele nunca declarara de modo explícito, por ser vetada em cláusula pétrea da atual Carta- e poderia voltar ao poder, legitimando o processo eleitoral de novembro. Os golpistas, no entanto, rejeitaram a volta de Zelaya e a proposta de uma "anistia" mútua.

Impasse
Criado o impasse, não havia muito mais o que os países da região pudessem fazer. Para os que temem sobretudo a influência do chavismo e alegam que ela é mais perniciosa para as instituições do que a deposição à força militar de um presidente eleito, ainda mais quando sua conduta dá motivos a questionamentos legais, o impasse era um bom desfecho.
Como não faz sentido manter indefinidamente sob sanções um país pequeno e pobre, mais cedo ou mais tarde o governo saído das eleições ganharia reconhecimento. Isso coibiria a expansão do populismo de esquerda, mesmo que o processo eleitoral não tivesse o aval de observadores independentes e alienasse a base popular de Zelaya, que hoje parece maior do que se acreditava inicialmente.
Zelaya e seus aliados na região, no entanto, não se conformaram com o exílio forçado. Ao voltar para Honduras e receber abrigo na Embaixada do Brasil, em timing perfeito para coincidir com a Assembleia Geral da ONU, nos EUA, ele quis criar uma nova oportunidade para sua volta ao poder.
Claro que a possibilidade de que isso aconteça será tanto maior quanto for a pressão de seus partidários nas ruas, o que implica o risco de confrontos como os que vêm ocorrendo. Os atos dão margem a que Zelaya seja acusado de irresponsável, mas também, como ele deve ter calculado, a que o governo golpista mostre sua face repressora. De qualquer maneira, manifestações de rua fazem ou deveriam fazer parte da rotina democrática.

Legitimidade do golpe
Os que insistem em que Zelaya deve voltar para cumprir o resto de seu mandato afirmam que o mais importante é que a decisão popular, soberana, que o levou à Presidência seja respeitada, a menos que ele próprio renunciasse ou que fosse afastado por métodos democráticos.
Seu temor é que ganhe terreno e legitimidade na região a ideia do golpismo que se autoproclama "corretivo" -e que, como disse o ex-chanceler argentino Dante Caputo a Andres Oppenheimer, do "Miami Herald", "não pretende manter o poder por muitos anos, mas sim bloquear uma ação presidencial [ilegal]".
Esse é o debate principal.


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