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ANÁLISE
Debate de fundo real é entre "golpe corretivo" e democracia
Discussão sobre status jurídico de Zelaya eclipsa o que realmente está em jogo na crise regional desencadeada pela deposição do presidente de Honduras
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
A discussão sobre o status jurídico de que goza o presidente
hondurenho na Embaixada do
Brasil em Honduras é importante, por seus reflexos na diplomacia brasileira e pelo ineditismo da situação. Mas ela
tem servido para encobrir um
debate que é político e diz respeito ao que cada lado considera o melhor desfecho para a crise iniciada com a prisão e expulsão do país de Manuel Zelaya, em junho.
Até Zelaya voltar, a situação
se encaminhava para solução
favorável ao governo golpista. A
ideia deste era e é esperar o resultado da eleição presidencial
do fim de novembro -marcada
antes do golpe- e devolver aos
países-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos) a decisão de reconhecer
ou não o novo governo.
A OEA, coerente com a Carta
Democrática Interamericana,
exigiu de início a restituição
"incondicional" de Zelaya, como presidente eleito. A Carta
também estabelece parâmetros para eleições limpas e livres, mas com cláusulas mais
abertas a diferentes interpretações do que a violação óbvia
ocorrida quando do golpe.
Os golpistas resistiram fortemente às pressões diplomáticas. Sua atitude foi facilitada
pela polarização provocada pela aliança de Zelaya com o presidente venezuelano Hugo
Chávez e pelo apoio com que
contam na cúpula dos dois partidos tradicionais e entre os militares, empresários e meios de
comunicação.
Foi propiciada também pela
atuação dúbia -ou cautelosa,
segundo alguns-do governo
americano, que manteve embaixador em Tegucigalpa e só
gradualmente foi adotando alguma retaliação econômica.
O cruzamento do risco de
desmoralização completa da
OEA com os questionamentos
nos Estados Unidos ao suposto
apoio do governo Barack Obama a um aliado de Chávez levou
a Casa Branca a propor o presidente costa-riquenho, Óscar
Árias, como mediador.
Pelo chamado Acordo de San
José, Zelaya abriria mão de tentar se reeleger -intenção que
ele nunca declarara de modo
explícito, por ser vetada em
cláusula pétrea da atual Carta-
e poderia voltar ao poder, legitimando o processo eleitoral de
novembro. Os golpistas, no entanto, rejeitaram a volta de Zelaya e a proposta de uma "anistia" mútua.
Impasse
Criado o impasse, não havia
muito mais o que os países da
região pudessem fazer. Para os
que temem sobretudo a influência do chavismo e alegam
que ela é mais perniciosa para
as instituições do que a deposição à força militar de um presidente eleito, ainda mais quando sua conduta dá motivos a
questionamentos legais, o impasse era um bom desfecho.
Como não faz sentido manter indefinidamente sob sanções um país pequeno e pobre,
mais cedo ou mais tarde o governo saído das eleições ganharia reconhecimento. Isso coibiria a expansão do populismo de
esquerda, mesmo que o processo eleitoral não tivesse o aval de
observadores independentes e
alienasse a base popular de Zelaya, que hoje parece maior do
que se acreditava inicialmente.
Zelaya e seus aliados na região, no entanto, não se conformaram com o exílio forçado. Ao
voltar para Honduras e receber
abrigo na Embaixada do Brasil,
em timing perfeito para coincidir com a Assembleia Geral da
ONU, nos EUA, ele quis criar
uma nova oportunidade para
sua volta ao poder.
Claro que a possibilidade de
que isso aconteça será tanto
maior quanto for a pressão de
seus partidários nas ruas, o que
implica o risco de confrontos
como os que vêm ocorrendo.
Os atos dão margem a que Zelaya seja acusado de irresponsável, mas também, como ele deve ter calculado, a que o governo golpista mostre sua face repressora. De qualquer maneira,
manifestações de rua fazem ou
deveriam fazer parte da rotina
democrática.
Legitimidade do golpe
Os que insistem em que Zelaya deve voltar para cumprir o
resto de seu mandato afirmam
que o mais importante é que a
decisão popular, soberana, que
o levou à Presidência seja respeitada, a menos que ele próprio renunciasse ou que fosse
afastado por métodos democráticos.
Seu temor é que ganhe terreno e legitimidade na região a
ideia do golpismo que se autoproclama "corretivo" -e que,
como disse o ex-chanceler argentino Dante Caputo a Andres
Oppenheimer, do "Miami Herald", "não pretende manter o
poder por muitos anos, mas
sim bloquear uma ação presidencial [ilegal]".
Esse é o debate principal.
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