São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÃO

Presidenciável mais votado no 1º turno, coronel esquerdista que liderou golpe em 2000 considera derrubada de governo legítima

Equatoriano rejeita comparação com Chávez

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Latino-americano, esquerdista, coronel reformado do Exército, preso por golpe de Estado contra presidente acusado de corrupção, tenta chegar à Presidência por meio das urnas.
O "currículo" acima, que muitos poderiam relacionar de pronto ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, é de Lucio Gutiérrez, 45, candidato à Presidência do Equador que surpreendeu no domingo passado ao garantir sua passagem para o segundo turno, no dia 24 de novembro, com a maior votação entre os 11 candidatos -teve 20,4% dos votos.
Gutiérrez tornou-se conhecido ao encabeçar, com o líder indígena Alvaro Vargas (também candidato, teve 0,9% dos votos) e o advogado Carlos Solórzano, o golpe que derrubou o presidente Jamil Mahuad em janeiro de 2000.
Anistiado pouco tempo depois pelo presidente Gustavo Noboa, que assumiu o poder como vice de Mahuad, Gutiérrez deixou a prisão com status de herói.
Para a disputa do segundo turno -contra o milionário Álvaro Noboa (sem parentesco com o atual presidente), 52, que teve 17,4% dos votos-, Gutiérrez vem adotando um discurso conciliador e moderado. Chamado de comunista pelo adversário, Gutiérrez rejeita o rótulo e diz que não tem ideologia política, por ter formação militar.
Ao contrário de Noboa, que rejeita o apoio dos candidatos derrotados no segundo turno, Gutiérrez prometeu diálogo com todas as forças políticas do país para um governo de união nacional.
Uma das marcas dessa "conversão" foi a troca, nesta semana, do uniforme verde-oliva que utilizou na campanha do primeiro turno por um terno. Na segunda-feira à tarde, poucas horas após a confirmação de sua ida ao segundo turno, Gutiérrez falou à Folha, por telefone, de Quito.

Folha - O sr. é um novo Chávez?
Lucio Gutiérrez -
Respeito o presidente Chávez, mas Lucio Gutiérrez será Lucio Gutiérrez no Equador. Não digo o que Chávez deve fazer, porque isso a população venezuelana é que deve fazer. Assim como quando eu for presidente do Equador não gostaria que outros presidentes começassem a me criticar.

Folha - Mas o sr. se considera próximo a Chávez, politicamente e ideologicamente?
Gutiérrez -
Não tenho a sorte de conhecê-lo pessoalmente. Nem sequer falamos por telefone. Espero que possa fazer alguma vez. Em todo caso, nós faremos no Equador nossa própria transformação. Não temos nenhuma proximidade prática ou ideológica de nenhuma natureza com Chávez.
O que acontece é que o jornal "The Miami Herald" publicou há dois anos notícias falsas de que Chávez estaria financiando nosso movimento com US$ 500 mil. São pessoas que defendem os interesses dos bancos corruptos do Equador e tratam de dizer que alguns problemas que podem existir na Venezuela aconteceriam também no Equador. Fazem isso com a finalidade de criar temor em alguns setores da população e evitar que eu seja presidente.

Folha - O sr. participou do levante que provocou a saída do presidente Jamil Mahuad, em 2000. O sr. considera que um golpe possa ser legítimo em algumas ocasiões?
Gutiérrez -
Claro. Na Constituição equatoriana, no artigo 4, parágrafo 6º, está claramente definido que o Equador reconhece o direito que os povos têm de se rebelar contra governos opressivos. E você sabe que a corrupção, a injustiça social e a impunidade são formas de opressão. Além disso, 95% dos equatorianos pediam a saída de Mahuad. O país estava um caos. Os indígenas haviam se rebelado e haviam tomado Quito. Havia 1,6 milhão de equatorianos prejudicados pelos bancos corruptos, porque tiveram seus depósitos congelados, que ameaçavam incendiar as sedes dessas instituições. Os trabalhadores estavam em greve. Falava-se em guerra civil. Então nós, um grupo de militares, que tínhamos ordem de reprimir as manifestações, nos rebelamos e decidimos nos unir ao povo, em vez de disparar contra o povo. Achávamos que o povo tinha razão em se rebelar contra um governo corrupto. O que aconteceu em 21 de janeiro de 2000 não foi um golpe de Estado. Foi uma rebelião civil à qual se uniu um grupo de militares.

Folha - O sr. pretende manter a dolarização da economia, determinada por Mahuad antes de cair?
Gutiérrez -
Vamos manter e fortalecer a dolarização.

Folha - Como é possível manter a competitividade das exportações equatorianas com a dolarização?
Gutiérrez -
É um desafio. Para isso temos de melhorar os bens e serviços, reduzir os trâmites burocráticos, baixar as taxas de juros e eliminar alguns impostos, para que os empresários também tenham um estímulo para melhorar a competitividade. É uma tarefa difícil, mas é o mal menos doloroso para o povo equatoriano.
De outra maneira, poderia haver maxidesvalorizações, que são a pior desgraça para a população pobre do país. A dolarização foi uma medida dolorosa que recebemos, mas não queremos chorar sobre o leite derramado nem maldizer a escuridão. Queremos acender a luz e dizer ao Equador: "Vamos em frente". Não queremos lamentar coisas herdadas do governo anterior.

Folha - O sr. vai buscar agora o apoio dos demais candidatos derrotados no primeiro turno?
Gutiérrez -
Já fiz um convite público a todos os outros candidatos e a toda a sociedade equatoriana para um grande consenso nacional. Sem consensos e acordos, o Equador não é viável. Sempre deixei claro que não tomarei decisões unilaterais. Todas as minhas decisões serão discutidas e aprovadas pela maioria da sociedade.

Folha - Qual sua expectativa sobre a eleição no Brasil?
Gutiérrez -
Receberíamos com muita satisfação a eleição de Lula da Silva. Tive a sorte de conversar com ele quando fui convidado a participar de um fórum no Brasil. Acho que é uma opção diferente para o Brasil. Espero que possa conseguir, por meio de consensos, o que a maioria dos brasileiros quer para seu país.

Folha - E, nessa eventualidade, Brasil e Equador poderiam se unir em uma frente antiglobalização e anti-EUA?
Gutiérrez -
Poderíamos nos unir, mas não contra os EUA. Não pretendo me opor a nenhum país. Por quê? Simplesmente defenderemos nossas posições, de acordo com os interesses do Equador. Os países devem buscar acordos e fortalecer suas relações, não causar problemas uns aos outros. Por meio do diálogo, respeitando os EUA e os EUA respeitando os demais países, podemos viver muito mais tranquilos e pacificamente.


Texto Anterior: Putin pede perdão aos familiares das vítimas
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.