São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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Putin evoca crise de mísseis de 62

Em reunião com a UE, presidente russo compara episódio a escudo antimíssil americano na Europa

Encontro em Portugal teve desacordos; não se renovou tratado comercial e atritos persistiram sobre os direitos humanos e sanções ao Irã

DA REDAÇÃO

O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou ontem que a tensão gerada pela possível instalação do escudo americano antimísseis na Polônia e na República Tcheca cria uma situação parecida à crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962.
"Para nós, há muita semelhança tecnológica. Retiramos nossas armas do Vietnã e de Cuba, enquanto está sendo criada uma ameaça perto de nossas fronteiras", afirmou.
Putin se referia a um dos momentos mais agudos da Guerra Fria, quando há 45 anos as duas então superpotências correram o risco de desencadear uma guerra nuclear.
Ele participou ontem em Mafra, cidade 50 km ao sul de de Lisboa, da reunião semestral de seu país com a União Européia. O escudo americano foi evocado porque pertencem ao bloco os dois países europeus em que ele seria instalado.
Mas o próprio Putin disse que as condições de negociação são hoje bem melhores, porque os Estados Unidos "procuram entender" suas razões. Referiu-se ao presidente americano como "meu amigo".
Washington tem argumentado que o escudo procura proteger a Europa de eventuais mísseis iranianos ou norte-coreanos, sem visar armas que partam do território russo.
Enquanto Putin estava em Mafra, e não foi coincidência, o general russo Nikolai Solovtsov, comandante da força nuclear, afirmou que seu país estava capacitado a retomar imediatamente a produção de mísseis de curto e médio alcance.
O escudo antimísseis foi uma das muitas questões tensas abordadas por Putin e por seus interlocutores locais, o primeiro-ministro José Sócrates e o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso. Assessores portugueses qualificaram o encontro de "aberto, franco e produtivo" -eufemismo para definir profundos desacordos.
Em termos comerciais, a UE e a Rússia não renovaram o acordo de parceria e cooperação que expira em dezembro, em razão do veto da Polônia. Há dois anos o Kremlin embargou a importação de carne polonesa. O governo polonês que sucederá o do primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski, recentemente derrotado, anunciou que autorizaria a inspeção de seus frigoríficos por sanitaristas russos.
Putin queria que a UE suspendesse as restrições aos investimentos russos no mercado energético europeu. A Europa só concordará que a Gazprom compre usinas e dutos se garantir a não-quebra de fornecimento e se a questão for arbitrada pela Organização Mundial do Comércio.
Irritado, Putin disse que os europeus têm investidos na Rússia 30 bilhões, dez vezes mais que os investimentos russos na economia européia.

Direitos humanos
Para evitar que a questão dos direitos humanos envenenasse novamente o diálogo bilateral -a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, insistiu no tema quando em nome da Europa se reuniu com Putin-, o presidente sugeriu criar em Bruxelas um instituto para estudar o tema. Mesmo assim, Barroso afirmou que "direitos humanos são inegociáveis" e citou o sintomático não-esclarecimento do assassinato da jornalista Anna Politovskaya.
Putin disse ainda que autorizaria observadores europeus a testemunharem as duas próximas eleições de seu país (a legislativa será em dezembro).
A UE e o Kremlin tampouco chegaram a um acordo sobre o Irã -os russos se opõem a novas sanções do Conselho de Segurança- e Kosovo. Putin reafirmou que só aceitará a independência do território sérvio se o governo de Belgrado estiver de acordo. Como isso não acontecerá, Kosovo se prepara para sua independência unilateral em 10 de dezembro.
O "Financial Times" cita documento interno da UE em que a Rússia é vista como aliada, mas também, em muitas questões, como "adversária", palavra que obviamente não foi utilizada em Portugal.


Com agências internacionais


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