São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2011

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CLÓVIS ROSSI

O apocalipse, versão europeia


Para um executivo de banco aceitar que calote é parte da solução e não do problema, é porque não há outra saída

SÓ DE passar os olhos pelos títulos dos jornais franceses a respeito da crise europeia e da cúpula de ontem dá vontade de pegar o primeiro avião de volta antes que o continente se acabe.
Para o jornal econômico "Les Echos", é "a cúpula da última chance" (acho que só não usou extrema-unção porque religião e economia não combinam). Para "La Tribune", é "a Europa em pedaços". Para o "Figaro", é a hora do "dobro ou nada para o euro".
Até um governante, o presidente Nicolas Sarkozy, usou uma frase apocalíptica em reunião de gabinete anteontem, segundo a versão de "El País": "Jamais a Europa esteve tão perto da explosão".
Como governantes têm o dever de ofício de ser otimistas (ou pelo menos fingir), a frase de Sarkozy torna as manchetes até amenas.
Mesmo ante esse ambiente de apocalipse, os líderes conseguiram fugir do "dobro ou nada" antevisto pelo "Figaro". De acordo com "El País", não seriam anunciados números na cúpula que entraria pela noite, mas apenas a decisão política de fazer o que já está arqui-anunciado O problema é que, sem números -e números muito gordos-, não se aplaca a voracidade dos mercados. A ver.
Antes que esses reajam, vale apontar algo que não fecha nessa história toda. Recupero informação que já publiquei mais de uma vez, aqui e na Folha.com. Em março, o governo alemão chamou um grupo de jornalistas (a maioria europeus) para um seminário sobre a crise. Um dos encontros foi com Thomas Mayer, economista-chefe do Deutsche Bank. Contou que os programas de ajuda à Grécia (naquele momento o grande foco de inquietação) tinham uma falha grave: não levavam em conta que a Grécia não podia pagar sua dívida integralmente.
Para um executivo de banco aceitar que calote, embora parcial, é parte da solução e não parte do problema, é porque não há mesmo outra saída. Perguntei de imediato quanto de "hair cut" (a expressão então em voga para "reestruturação da dívida") o Deutsche estava preparado para engolir. Trinta por cento, respondeu.
A menos que a turma do Deutsche seja muito mais informada, lúcida e inteligente que os demais executivos dos demais bancos europeus, só dá para concluir que todos eles ou ao menos os principais também trabalhavam com perspectiva idêntica ou parecida.
Posto de outra forma: há pelo menos oito meses que os bancos sabem que acabariam engolindo um pedaço dos papéis gregos que detêm.
Como perder dinheiro não faz parte da bíblia dos banqueiros, só podem ter se preparado, nesse tempo todo, para minimizar as perdas ou até eliminá-las.
Ou seja, dá para desconfiar que a resistência em aceitar um corte na dívida grega é mais jogo de cena do que real ameaça de apocalipse bancário. Tanto que Frédéric Oudéa, principal executivo do francês Société Générale, acaba de dizer que só com o lucro do primeiro semestre do ano (€ 11 bilhões), os bancos franceses cobrem a exposição à Grécia e ainda sobra algum.
Moral da história: dá para desconfiar que o problema da Europa não são os bancos, mas os seus líderes políticos.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Moisés Naím


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