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EUROPA
Proposta de lei apresentada ontem permite que pacientes terminais abreviem sofrimento, mas não libera eutanásia
França discute facilitar decisão de morrer
CONSTANÇA TATSCH
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A França começou ontem a debater um projeto de lei que permite que pacientes terminais ou gravemente doentes recusem tratamentos que visem a adiar a sua
morte sem, no entanto, permitir a
eutanásia. Com essa formulação
intermediária, o texto conquistou
o apoio de diversos setores da sociedade e será votado na terça-feira sob a expectativa de ser aprovado por unanimidade.
"Nós queremos conceder o direito de deixar morrer mas não o
direito de fazer morrer", disse à
Folha o autor do projeto, deputado Jean Léonetti, do partido governista majoritário UMP. "Pareceu-nos evidente que não devíamos liberar a eutanásia, que teria
conseqüências graves, mas não
devíamos tampouco continuar
com a legislação vigente, que era
cheia de hipocrisia", afirmou.
O texto condiciona qualquer
medida ao desejo do paciente ou,
caso inconsciente, de um familiar
próximo, sempre sob supervisão
de uma junta médica. As bases do
projeto são: o respeito à vontade
do doente, deixando que escolha
seus tratamentos sob a garantia
de cuidados paliativos; o fim da
obstinação em mantê-lo vivo por
meio de tratamentos artificiais,
preservando sua dignidade e protegendo médicos; e a liberação de
tratamentos que diminuam o sofrimento do paciente, mesmo sob
o risco de adiantar a sua morte.
O projeto de lei foi proposto
pouco mais de um ano após a
morte de Vincent Humbert, 22.
Tetraplégico, surdo e cego após
um acidente de carro, ele emocionou o país em 2003 ao pedir para
morrer. "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu
não vivo. Fazem-me viver. Para
quem, para quê, eu não sei...",
afirmou no livro que escreveu
com a ajuda da mãe "Je vous Demande le Droit de Mourir" (Peço-lhe o direito de morrer). Ele reiterou seu pedido em carta ao presidente Jacques Chirac.
Depois de diversas negativas,
sua mãe, Marie, atendeu ao pedido e lhe deu uma overdose de barbitúricos. "Era muito difícil aceitar essa hipótese, mas eu precisava pensar nele, não em mim", disse ela. Hospitalizado, Humbert,
morreu dois dias depois, quando
os médicos que o atendiam decidiram limitar a "terapia ativa". A
mãe e o médico Frederic Chaussoy passam por investigação, mas
não devem ser julgados.
Com o debate, um novo caso,
semelhante ao de Humbert surgiu
ontem. Michele de Somer também pediu a Chirac que deixe seu
filho tetraplégico, Eddy de Somer,
26, morrer.
Consenso
A proposta de Léonetti conseguiu até mesmo o apoio das igrejas francesas. "Surpreendentemente existe um consenso que ultrapassa partidos políticos, grupos e religiões. O projeto reuniu
muita gente, todos são contra a
obstinação terapêutica", afirmou
Ludovine de la Rocher, responsável pela comunicação da Igreja
Católica na França, à Folha.
O apoio, porém, é restrito ao
texto que foi apresentado. "A
Igreja Católica está atenta porque
com esse debate as palavras podem mudar e o projeto pode ir
além. Estamos prudentes quanto
às evoluções dessa discussão. A
Igreja é totalmente contra a eutanásia", disse De la Roche. Alguns
grupos mantêm a pressão para
que a eutanásia seja permitida, assim como na Holanda e Bélgica.
Segundo Léonetti, o acordo foi
costurado durante nove meses e a
solução pode ser incorporada por
outros países. "Até hoje temos como alternativa ou não fazer nada
ou legalizar a eutanásia. Escolhemos uma via original que corresponde melhor à cultura de respeito à vida e, ao mesmo tempo, de
aceitação da morte."
Com agências internacionais e "Le Monde"
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