São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

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EUROPA

Proposta de lei apresentada ontem permite que pacientes terminais abreviem sofrimento, mas não libera eutanásia

França discute facilitar decisão de morrer

CONSTANÇA TATSCH
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A França começou ontem a debater um projeto de lei que permite que pacientes terminais ou gravemente doentes recusem tratamentos que visem a adiar a sua morte sem, no entanto, permitir a eutanásia. Com essa formulação intermediária, o texto conquistou o apoio de diversos setores da sociedade e será votado na terça-feira sob a expectativa de ser aprovado por unanimidade.
"Nós queremos conceder o direito de deixar morrer mas não o direito de fazer morrer", disse à Folha o autor do projeto, deputado Jean Léonetti, do partido governista majoritário UMP. "Pareceu-nos evidente que não devíamos liberar a eutanásia, que teria conseqüências graves, mas não devíamos tampouco continuar com a legislação vigente, que era cheia de hipocrisia", afirmou.
O texto condiciona qualquer medida ao desejo do paciente ou, caso inconsciente, de um familiar próximo, sempre sob supervisão de uma junta médica. As bases do projeto são: o respeito à vontade do doente, deixando que escolha seus tratamentos sob a garantia de cuidados paliativos; o fim da obstinação em mantê-lo vivo por meio de tratamentos artificiais, preservando sua dignidade e protegendo médicos; e a liberação de tratamentos que diminuam o sofrimento do paciente, mesmo sob o risco de adiantar a sua morte.
O projeto de lei foi proposto pouco mais de um ano após a morte de Vincent Humbert, 22. Tetraplégico, surdo e cego após um acidente de carro, ele emocionou o país em 2003 ao pedir para morrer. "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para quê, eu não sei...", afirmou no livro que escreveu com a ajuda da mãe "Je vous Demande le Droit de Mourir" (Peço-lhe o direito de morrer). Ele reiterou seu pedido em carta ao presidente Jacques Chirac.
Depois de diversas negativas, sua mãe, Marie, atendeu ao pedido e lhe deu uma overdose de barbitúricos. "Era muito difícil aceitar essa hipótese, mas eu precisava pensar nele, não em mim", disse ela. Hospitalizado, Humbert, morreu dois dias depois, quando os médicos que o atendiam decidiram limitar a "terapia ativa". A mãe e o médico Frederic Chaussoy passam por investigação, mas não devem ser julgados.
Com o debate, um novo caso, semelhante ao de Humbert surgiu ontem. Michele de Somer também pediu a Chirac que deixe seu filho tetraplégico, Eddy de Somer, 26, morrer.

Consenso
A proposta de Léonetti conseguiu até mesmo o apoio das igrejas francesas. "Surpreendentemente existe um consenso que ultrapassa partidos políticos, grupos e religiões. O projeto reuniu muita gente, todos são contra a obstinação terapêutica", afirmou Ludovine de la Rocher, responsável pela comunicação da Igreja Católica na França, à Folha.
O apoio, porém, é restrito ao texto que foi apresentado. "A Igreja Católica está atenta porque com esse debate as palavras podem mudar e o projeto pode ir além. Estamos prudentes quanto às evoluções dessa discussão. A Igreja é totalmente contra a eutanásia", disse De la Roche. Alguns grupos mantêm a pressão para que a eutanásia seja permitida, assim como na Holanda e Bélgica.
Segundo Léonetti, o acordo foi costurado durante nove meses e a solução pode ser incorporada por outros países. "Até hoje temos como alternativa ou não fazer nada ou legalizar a eutanásia. Escolhemos uma via original que corresponde melhor à cultura de respeito à vida e, ao mesmo tempo, de aceitação da morte."


Com agências internacionais e "Le Monde"


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