São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 2002

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Brasil é contra ruptura, diz chanceler de Lula

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O futuro chanceler do Brasil, Celso Amorim, 60, defendeu ontem o envio de gasolina à Venezuela e respondeu às críticas da oposição venezuelana, que vê "ingerência indevida" nessa ajuda: "O Brasil tem compromisso com o governo constitucional, eleito democraticamente", disse ele.
Embaixador em Londres, com experiência tanto em negociações políticas quanto econômicas, ele explica que a relação Brasil-Venezuela é estratégica: "É impossível imaginar um Brasil estável sem uma região totalmente estável".
Falando à Folha por telefone ele resumiu o sentido da política externa do futuro governo: "Pretendemos um sentido humanista nas nossas relações, que vá além da ótica fria dos mercados. Eles [os mercados] também são importantes, mas não são tudo. São instrumentos de uma política mais global de justiça social".
 

Folha - O sr. acha correto enviar gasolina à Venezuela e "furar a greve" contra o governo Hugo Chávez? A oposição venezuelana acusa o Brasil de interferência em assuntos políticos internos.
Amorim -
Existe uma crise, uma situação realmente difícil, mas o importante é que o Brasil mantém relações cordiais e respeitosas com o governo constitucional da Venezuela, um governo eleito democraticamente. Essas relações implicam cooperação mútua.
Não é interferência defender o diálogo e o entendimento e manter boas relações com o governo constitucional. Isso vale para hoje como valerá no futuro. O que não se pode é tentar impor uma solução de cima para baixo. Aliás, nem de baixo para cima, nem do lado para o lado. Uma política de ruptura não convém nem para a Venezuela nem para a região.

Folha - O Brasil, o México e o Peru têm tido uma posição diferenciada na crise venezuelana em relação aos EUA, que são claramente anti-Chávez. Isso pode criar ruídos nas relações do Brasil com os EUA?
Amorim -
Não vou comentar a posição americana porque seria leviano da minha parte. Tenho falado sempre com o embaixador [em Caracas] Rui Nogueira e com o Marco Aurélio Garcia [assessor do PT para a área internacional], mas acompanho a crise venezuelana, por enquanto, à distância.

Folha - Lula e Garcia sempre dizem que a prioridade da política externa será, nesta ordem, a América do Sul, a América Latina e as Américas. Nesse sentido, a Venezuela não é a prioridade das prioridades, mesmo em relação aos EUA?
Amorim -
A Venezuela é um parceiro muito importante, porque tem muitas afinidades com o Brasil. São afinidades culturais, de clima, até o povo é muito parecido com o nosso. Também tem uma larga fronteira com o Brasil e é um país rico em fontes de energia. O Brasil, portanto, tem interesse em manter relações próximas e produtivas com a Venezuela. O nosso partido é o da constitucionalidade e da democracia.

Folha - Mas o risco de golpe é ainda muito real na Venezuela.
Amorim -
Golpes são inaceitáveis em qualquer hipótese. No caso da Venezuela, temos de contribuir efetivamente para reduzir esse risco. E isso não é interferência em assuntos internos, mas uma posição de defesa da democracia e da constitucionalidade. A intenção, desde o início, não era o Brasil se sobrepor, mas contribuir para uma solução negociada.

Folha - Há dúvidas quanto à sua convivência com o Marco Aurélio Garcia. O sr. não teme uma interferência externa no Itamaraty?
Amorim -
Nós nos conhecemos há muitos anos e agora estamos descobrindo até pontos de contato que nem lembrávamos mais. Além do mais, o Brasil tem de se acostumar com essas coisas tão normais, como o presidente eleito enviar um emissário a outro país. Isso acontece a toda hora nos EUA e não é coisa para chanceler.


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