São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 2006

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CHOQUE NO ORIENTE MÉDIO

Após vitória do Hamas, EUA e Israel falam em revisar ajuda; UE definirá posição na segunda-feira

Financiamento a palestinos pode ser cortado

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Os EUA, Israel e a comunidade internacional ameaçaram ontem sufocar financeiramente os territórios palestinos, como conseqüência da vitória eleitoral do Hamas, que figura como grupo terrorista na lista do Departamento de Estado norte-americano.
Em entevista à rede de TV CBS, o presidente dos EUA, George W. Bush, disse que, se o Hamas não se desarmar, "não haverá pacote de ajuda". Antes, Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado, disse que os EUA "revisarão todos os aspectos" de sua ajuda aos palestinos.
"Nossa política é muito clara: não damos dinheiro a organizações terroristas", disse McCormack em entrevista coletiva em Washington. Recado muito parecido foi dado em Davos por Joseph Bachar, diretor-geral do Ministério de Finanças de Israel, em debate no âmbito do encontro anual de 2006 do Fórum Econômico Mundial: "Enfrentaremos problemas práticos em relação a lidar com gente que clama pela destruição de Israel".
É uma clara referência ao fato de que Israel é responsável por coletar impostos (aduaneiros e sobre o valor agregado, o IVA) que depois repassa para a Autoridade Nacional Palestina. Trata-se da maior fonte de receita do Orçamento da ANP.
São, pelos cálculos do ministro palestino da Economia, Mazen Sinokrot, presente ao mesmo debate, entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões.
"De onde virão os recursos para pagar os salários de 135 mil funcionários [da ANP]"?, perguntou Sinokrot, já prevendo: "Se os salários não chegarem, será uma mensagem para a violência".
De parte da comunidade internacional, outro aviso de sinal negativo veio, em Davos, da boca de James Wolfensohn, ex-presidente do Banco Mundial e, agora, enviado especial das potências ocidentais para o Oriente Médio: "Os doadores internacionais que sustentam a economia palestina não continuarão a despejar dinheiro se houver incertezas políticas".
Como, segundo Wolfensohn, "os palestinos estão, neste momento, basicamente falidos", a interrupção das doações e das remessas devidas por Israel só poderá causar um grande colapso.
Ainda mais que até o palestino Sinokrot admite que a vitória do Hamas provocou as incertezas assinaladas por Wolfensohn. É verdade que Sinokrot é do Fatah, o grupo derrotado pelo Hamas, o que pode enviesar a sua avaliação, mas a mídia européia reagiu com estupor e choque ao resultado de anteontem.
E é justamente a União Européia a principal fonte de doações para os palestinos, com uma ajuda de US$ 612 milhões no ano passado.

Oportunidade
Os europeus têm reunião segunda-feira de seus ministros das Relações Exteriores, na qual a questão das doações estará no topo da agenda. Mas Jan Petersen, parlamentar norueguês, antecipa que, embora ache que se deve dar ao Hamas uma oportunidade para demonstrar sua ação como governo, "ele não terá o luxo de muito tempo para dar provas de que está disposto a fazer as reformas necessárias".
Por reformas necessárias, entenda-se renunciar à violência e reconhecer o direito de Israel de existir.
Além disso, Petersen cobra "uma política fiscal sadia", alusão clara à necessidade de a ANP controlar seus gastos, pensamento que está perfeitamente alinhado com o de Wolfensohn.
"Não acho que a comunidade internacional esteja disposta a continuar por dois ou três anos mais dando dinheiro para algo que eles não sabem para onde está indo", diz. É clara alusão às acusações de corrupção freqüentemente feitas contra os principais líderes da ANP.
Mas hoje eles são todos do Fatah, ao passo que o Hamas é tido como mais rigoroso com os recursos, embora não tenha tido ainda a chance de administrar dinheiro púbico.
Corrupção, mais que ameaças, é a mesma corda que tocam os Estados Unidos, pela palavra do subsecretário de Estado Robert Zoellick: para ele, o resultado de anteontem foi "a rejeição da corrupção, a rejeição da carência de oportunidades econômicas e de esperança".
Zoellick, como fez McCormack durante sua intervenção ocorrida em Washington, fez questão de enfatizar o fato de que o Hamas é um grupo que figura como terrorista na lista do Departamento de Estado.
Além disso, deu a entender, como o norueguês Petersen, que pôr fim ao conflito com Israel é condição essencial para a manutenção da ajuda aos palestinos: "É difícil haver desenvolvimento econômico em uma zona de guerra".
Mesmo o presidente de um país muçulmano, Hamid Karzai (Afeganistão), diz que "o Hamas tem de aceitar Israel como um Estado. Não acho que haja outro caminho, senão a paz com Israel".
Mas Karzai recomenda o diálogo, não punições, tanto aos Estados Unidos como a Israel. "Seria minha recomendação aos Estados Unidos e a Israel: começar a conversar com o Hamas porque agora eles são eleitos pelos palestinos", afirmou em entrevista coletiva, sempre em Davos.


Colaborou Maria Cristina Frias, enviada especial a Davos

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