São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 2006

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CHOQUE NO ORIENTE MÉDIO

Diante da casa do presidente palestino, milhares protestam contra corrupção e negociação com Hamas

Membros do Fatah pedem renúncia de Abbas

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GAZA

Inconformados com a devastadora derrota sofrida pelo partido na eleição legislativa palestina de quarta-feira, a qual deu ampla maioria ao grupo terrorista Hamas, milhares de militantes do Fatah foram às ruas de Gaza ontem, dando tiros para o alto e incendiando carros, para exigir a demissão do presidente, Mahmoud Abbas, e dos funcionários corruptos do governo.
A corrupção e a ineficiência do governo palestino foram apontadas por analistas e eleitores como as principais causas da surpreendente vitória do Hamas.
Cerca de mil ativistas do Fatah, muitos armados, circularam em carros com alto-falantes nas proximidades da residência do presidente Mahmoud Abbas em Gaza, conclamando-o a não aceitar uma coalizão com o Hamas. Alguns o acusaram de ser "colaborador" de Israel. No momento do protesto, Abbas estava em Ramallah, na Cisjordânia.
Desde as primeiras horas da sexta-feira, a sensação em Gaza era a da perplexidade que anuncia o fim de uma era. Com o comércio fechado para o feriado muçulmano de sexta-feira, pequenos grupos se formavam nas ruas, cartazes de propaganda eleitoral começavam a ser retirados e a conversa girava em torno de um só assunto: como será a vida sem o Fatah no poder, movimento que dominou a política palestina desde que foi fundado por Iasser Arafat, mais de quatro décadas atrás?
Como o Hamas assumirá uma engrenagem muitas vezes usada pelo rival para reprimi-lo, sem criar o risco de uma guerra civil?

Confronto
Não demorou muito para que as conversas se transformassem em violência. No primeiro enfrentamento armado entre os dois grupos desde a eleição, três pessoas ficaram feridas em uma troca de tiros em Khan Yunes, sul de Gaza. O incidente teve origem no sermão de um pregador muçulmano apontado pelo Fatah, que irritou membros do Hamas, durante as preces de sexta-feira.
À noite foi a vez dos protestos do Fatah. "Não queremos entrar em um governo do Hamas. Não queremos um governo corrupto. Queremos reforma e a demissão dos corruptos", gritaram os manifestantes em frente a um prédio do governo no centro de Gaza, ao som dos tiros disparados por militantes. Cerca de 15 mil membros do Fatah protestaram em vários pontos de Gaza.

Proposta
Em um gesto de conciliação, o líder do Hamas Ismail Haniya, cotado para ser o próximo premiê palestino, telefonou a Abbas para propor uma "parceria política". Abbas deve ir a Gaza nos próximos dias para conversar com o Hamas sobre a formação do novo governo. Mas as chances de um governo Hamas-Fatah são mínimas. "Estamos em consultas com todos os grupos palestinos e, definitivamente, no momento apropriado, o maior partido formará o gabinete", disse Abbas.
Em conversas por telefone com o presidente do Egito, Hosni Mubarak, e com o rei Abdullah, da Jordânia, o premiê de Israel, Ehud Olmert, repetiu que não negociará com o Hamas se o grupo continuar armado. A ministra do Exterior de Israel, Tzipi Livni, manifestou pessimismo. "Na retirada de Gaza, Israel abriu uma janela de oportunidade. Com essas eleições, os palestinos a fecharam", disse.
Na oração de meio-dia em um dos principais pontos de encontro do Hamas na cidade de Gaza, a mesquita Palestina, não havia preocupação com Israel, mas um clima de festa pela chegada do grupo terrorista ao poder e pela quebra da hegemonia do Fatah. O dentista Bassel Taba, eleitor do Hamas, chegou à mesquita com um exemplar do jornal "Al-Quds", o principal diário palestino, que ostentava a manchete: "Terremoto político sacode a região". "Acho que teremos problemas para dividir o poder com o presidente Abbas", disse o dentista, formado em Moscou. "Mas o Fatah terá que se acostumar à idéia de que seu monopólio acabou. E fazer isso sem usar a violência, o que não lhe será fácil."


Com agências internacionais

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