São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Aumenta droga boliviana rumo ao Brasil

Sob Morales, apreensão de cocaína sobe nos dois lados da fronteira; EUA e PF vêem aumento da produção, mas La Paz nega

Bolívia, principal fornecedor do Brasil, envia até 90% de sua cocaína ao país; renda é maior do que a da Petrobras com exportação de gás

Fotos: Eduardo Knapp/Folha Imagem
Boliviana caminha com o filho pela mata do Chapare com folhas de coca no rosto; cultivo na região deve chegar a 8 mil hectares

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL AO CHAPARE

HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

O avião Hércules, pilotado por bolivianos, mas de propriedade americana, aterrissa na base militar da pequena cidade de Chimoré, onde está o quartel-general da luta contra o narcotráfico na região cocaleira do Chapare, centro do país. Na pista, uma frota de quatro helicópteros, também emprestada, é outro sinal de que, sem a ajuda de Washington, a Bolívia perderia seu único financiador para frear a produção de cocaína.
E a fonte está secando. Desde que o líder cocaleiro Evo Morales se tornou o presidente da Bolívia, há um ano, os dois países divergem cada vez mais sobre as medidas de incentivo ao plantio de coca, como o recente anúncio do aumento dá área legal dos atuais 12 mil hectares para 20 mil hectares.
Embora não admitida oficialmente, a discordância é um dos motivos que levaram Washington a cortar em 25% a ajuda para este ano, de US$ 45 milhões para US$ 33,8 milhões. Segundo o governo boliviano, 98% do financiamento contra o narcotráfico vem dos EUA.
O combate à cocaína na Bolívia é cada vez menos prioritário para uns EUA sufocados pela escalada de gastos no Iraque e no Afeganistão: nem 1% da droga produzida no país de Morales chega às ruas americanas.
O país mais interessado, mostram os números, deveria ser o Brasil, destino final de praticamente toda a cocaína produzida no vizinho - de 85% a 90%, segundo a embaixada americana e a polícia boliviana.
No Brasil, a Polícia Federal estima que 70% da cocaína consumida seja de origem boliviana. Enquanto o total de cocaína apreendida aqui caiu de 15,78 toneladas para 13,37 toneladas no ano passado, aumentou o volume da droga retirada de circulação em Estados na fronteira com a Bolívia.
Em Mato Grosso do Sul, responsável por 11,7% do volume nacional, foi apreendida 1,57 tonelada em 2006, ou 173 quilos a mais em relação a 2005. Ainda houve aumento de 260% nas apreensões em Rondônia, outro Estado na fronteira.
O volume tirado de circulação subiu de 250 quilos a 653 no ano passado. A PF atribui o crescimento ao aumento da produção da droga no lado boliviano e à melhora das operações.

Mudança de rota
É bastante provável que o narcotráfico Bolívia-Brasil movimente mais dinheiro que a receita da Petrobras com o gás natural. No Chapare, 1kg de pasta-base sai por US$ 1.000 (base), de acordo com a polícia boliviana. Em São Paulo, já vale US$ 7.000, segundo o Denarc (Departamento de Investigações Sobre Narcóticos).
Levando em conta que cerca de 80 toneladas são enviadas ao Brasil, o valor total chega a US$ 560 milhões. É maior do que a receita da Petrobras com a exportação de gás boliviano: US$ 321,8 milhões no ano passado.
A rota da droga também mudou. "A cocaína sempre saía para o norte ou para a Europa, e os países vizinhos praticamente podiam se desligar dos problemas que isso ocasionava nos países industrializados", diz um funcionário do governo americano na Bolívia a uma platéia de jornalistas, entre os quais a reportagem da Folha.
"O mais importante agora é que a coca boliviana vai ao Brasil -e em sua grande, grande maioria fica no Brasil", continua o funcionário americano, com a experiência de mais de uma década de combate ao narcotráfico na Bolívia.
A palestra é a primeira atividade da visita à região do Chapare, berço político do líder cocaleiro Evo Morales. A viagem de um dia, a convite da Embaixada dos EUA na Bolívia, incluiu ainda testemunhar a erradicação de um cultivo de coca e a destruição de uma "fábrica" de refino de cocaína, ambas operações realizadas por militares bolivianos.
Diante da presença dos comandantes bolivianos de unidades antinarcóticos, o funcionário americano faz duras críticas a mudanças feita pelo governo Morales.
"O país, que havia chegado a 53 mil hectares em seu momento alto e diminuiu a uns 6 mil hectares para 2003 e 2004, está se aproximando de 26 mil hectares de coca. Em alguns meses, já praticamente não haverá redução de coca no Chapare, haverá 8 mil hectares, mais do que é permitido", diz.
Morales, baseado na estratégia de que coca não é cocaína, afirma que seu governo enfatizou combater o narcotráfico, aumentando em 14,1% a apreensão da droga no ano passado em relação a 2005. Além disso, o governo cumpriu a meta de erradicar um mínimo de 5.000 hectares de coca.
Um funcionário da embaixada americana confirma os números, mas diz que o aumento da apreensão se deve ao maior volume de droga circulando. Os EUA criticam ainda a expansão para 20 mil hectares, afirmando que apenas 5 mil hectares suprem atualmente o mercado legal da coca na Bolívia.
Localizada na área central da Bolívia, a região cocaleira do Chapare abrange cerca de 2,5 milhões de hectares, área pouco menor do que a do Haiti.
Ao todo, se estima que 28 mil famílias viviam ali em 2004 -número que, segundo o governo americano, vem subindo por causa do incentivo ao plantio de coca .


Os repórteres FABIANO MAISONNAVE e
EDUARDO KNAPP viajaram ao Chapare a convite da Embaixada dos EUA na Bolívia.


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