São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Pobreza nutre ira antigoverno no Líbano

No sul do país, demora na reconstrução e desemprego entre jovens alimentam protestos incentivados pelo Hizbollah

Região mais devastada na guerra ainda é reduto xiita, mas há críticas ao grupo extremista por explorar o conflito com fins políticos

TARIQ SALEH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BINT JBEIL

No caminho entre Bint Jbeil e Naqoura, cidade no extremo sul do Líbano que abriga a maior base das forças de paz da ONU, há uma estrada ao longo da fronteira com Israel que corta um imenso vale de campos de oliveiras e montes rochosos. Mas a beleza do local logo revela uma realidade menos encantadora. De um lado da estrada, há um campo minado e a cerca eletrificada que separa os países. E é impossível não perceber a presença do Hizbollah na conturbada e devastada região.
Da devastação e pobreza, além do alto índice de desemprego, emerge o poder do grupo xiita. Desde o início de dezembro, o Hizbollah e seus aliados, apoiados por Síria e Irã, vêm organizando protestos para aumentar seu poder no governo.
Quando violentos protestos começaram na última terça-feira pelo país, os xiitas de Bint Jbeil montaram barricadas ainda quando a brisa da manhã soprava um ar gelado. Ao lado deles, o Exército libanês só olhava. Um dos manifestantes, que carregava uma bandeira com a foto do líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah, e que recusou se identificar, disse que o governo era culpado pelo que acontecia no Líbano.
"Este governo é ocidental, aliado de Israel e não está cuidando da gente. Nossas casas estão destruídas, e o governo não nos ajuda", acusou. Enquanto isso, seus companheiros corriam para parar os carros e ordenar que voltassem.
Sua cidade, Bint Jbeil, foi amplamente danificada, tamanha a intensidade dos bombardeios israelenses na guerra de julho e agosto de 2006. O conflito, que matou 1.191 libaneses, deixou um prejuízo de US$ 2,8 bilhões e 30 mil casas destruídas. A população do sul sofre com a falta de assistência e a demora para a reconstrução.
No caso de Bint Jbeil, vários setores da cidade ainda estão destruídos e é impossível não notar o cheiro de esgoto e do lixo que cobre várias ruas. A recuperação da cidade deve demorar de 18 a 24 meses.

Omissão
Numa rua dominada por buracos causados por fragmentos de artilharia israelense, Ahmad Barajneh, 53, dono de uma lanchonete, desabafa. "Toda a ajuda que recebemos vem de fora. O governo se omitiu, como faz há muito tempo", disse.
Qatar prometeu US$ 300 milhões para reconstruir a infra-estrutura e casas de Bint Jbeil e cidades vizinhas, e já começou a liberar US$ 12 mil para famílias afetadas pela guerra.
A força do Hizbollah não reside só no poder de mobilização ideológica que adorna as ruas da região, simbolizada por pôsteres de "mártires" e lojas que vendem de chaveiros a mochilas com imagens de Nasrallah. A força está também na ajuda financeira às vítimas da guerra.
Muitas das famílias têm militantes no grupo xiita, e após a guerra, os mesmos guerrilheiros que combateram Israel voltaram às suas vidas normais. Alguns são comerciantes, uns são fazendeiros, outros estão desempregados. Estes desempenham um papel importante de acordo com um integrante do Hizbollah conhecido como Abu Zeit, homem de 35 anos, barba por fazer e olhar desconfiado.
"Estamos sempre mobilizados, muitos foram para Beirute ajudar nos protestos. Sayed [Nasrallah] disse para irmos às ruas lutar para derrubar este governo corrupto", afirma.
Enquanto isso, homens em pequenas motocicletas patrulham as ruas de Bint Jbeil com walkie-talkies e observavam cada visitante: carros da ONU, de ONGs, de soldados libaneses e jornalistas. Ninguém fala de guerra civil ainda. "No Líbano tudo é imprevisível, e nada é o que parece ser" disse Abu Zeit.
Em Maroun el-Ras, um vilarejo no alto de uma colina ao sul de Bint Jbeil, cuja mesquita pode ser vista de longe e de onde é possível vislumbrar um vale que está localizado parte em Israel, Hassan Aassad Salim, 64, conta como perdeu três casas em conflitos com os israelenses. Em 20 anos de ocupação israelense, a pequena cidade serviu como um posto avançado ao Exército de Israel.
Nesse período, Salim teve duas casas destruídas. No conflito de 2006, uma terceira foi seriamente danificada por mísseis e artilharia de um tanque israelense que, segundo ele, foi destruído por milicianos do Hizbollah alguns segundos após disparar contra sua casa. "Recebi US$ 4.000 do partido [Hizbollah], doados pelo Irã, e US$ 6.000 da Suíça. Mas preciso de US$ 40 mil para arrumar minha casa", disse, sem mostrar tristeza.
Mas o Hizbollah não é unanimidade entre os xiitas. Em Soutaniyeh, cidade que que tem uma comunidade de libaneses com cidadania americana, Hassan, 55, e seu irmão, Ali, 47, contam que o Hizbollah usa o desemprego entre jovens e o desespero das famílias para atrair seguidores.
"Muitas famílias aceitam dinheiro do grupo para apoiá-lo. Alguns de seus filhos entram para suas fileiras atraídos por um salário mensal", diz Hassan. Seu irmão acha que os protestos em Beirute arranharão a imagem do Hizbollah, já abalada após a guerra. "Se querem guerra e sangue, que vão ao Iraque lutar", desabafou. Temendo represálias, os irmãos pediram que seus sobrenomes fossem omitidos.


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