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Pobreza nutre ira antigoverno no Líbano
No sul do país, demora na reconstrução e desemprego entre jovens alimentam protestos incentivados pelo Hizbollah
Região mais devastada na guerra ainda é reduto xiita, mas há críticas ao grupo extremista por explorar o conflito com fins políticos
TARIQ SALEH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BINT JBEIL
No caminho entre Bint Jbeil
e Naqoura, cidade no extremo
sul do Líbano que abriga a
maior base das forças de paz da
ONU, há uma estrada ao longo
da fronteira com Israel que corta um imenso vale de campos
de oliveiras e montes rochosos.
Mas a beleza do local logo revela uma realidade menos encantadora. De um lado da estrada,
há um campo minado e a cerca
eletrificada que separa os países. E é impossível não perceber a presença do Hizbollah na
conturbada e devastada região.
Da devastação e pobreza,
além do alto índice de desemprego, emerge o poder do grupo
xiita. Desde o início de dezembro, o Hizbollah e seus aliados,
apoiados por Síria e Irã, vêm organizando protestos para aumentar seu poder no governo.
Quando violentos protestos
começaram na última terça-feira pelo país, os xiitas de Bint
Jbeil montaram barricadas
ainda quando a brisa da manhã
soprava um ar gelado. Ao lado
deles, o Exército libanês só
olhava. Um dos manifestantes,
que carregava uma bandeira
com a foto do líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah, e que
recusou se identificar, disse
que o governo era culpado pelo
que acontecia no Líbano.
"Este governo é ocidental,
aliado de Israel e não está cuidando da gente. Nossas casas
estão destruídas, e o governo
não nos ajuda", acusou. Enquanto isso, seus companheiros corriam para parar os carros e ordenar que voltassem.
Sua cidade, Bint Jbeil, foi amplamente danificada, tamanha
a intensidade dos bombardeios
israelenses na guerra de julho e
agosto de 2006. O conflito, que
matou 1.191 libaneses, deixou
um prejuízo de US$ 2,8 bilhões
e 30 mil casas destruídas. A população do sul sofre com a falta
de assistência e a demora para a
reconstrução.
No caso de Bint Jbeil, vários
setores da cidade ainda estão
destruídos e é impossível não
notar o cheiro de esgoto e do lixo que cobre várias ruas. A recuperação da cidade deve demorar de 18 a 24 meses.
Omissão
Numa rua dominada por buracos causados por fragmentos
de artilharia israelense, Ahmad
Barajneh, 53, dono de uma lanchonete, desabafa. "Toda a ajuda que recebemos vem de fora.
O governo se omitiu, como faz
há muito tempo", disse.
Qatar prometeu US$ 300 milhões para reconstruir a infra-estrutura e casas de Bint Jbeil e
cidades vizinhas, e já começou
a liberar US$ 12 mil para famílias afetadas pela guerra.
A força do Hizbollah não reside só no poder de mobilização
ideológica que adorna as ruas
da região, simbolizada por pôsteres de "mártires" e lojas que
vendem de chaveiros a mochilas com imagens de Nasrallah.
A força está também na ajuda
financeira às vítimas da guerra.
Muitas das famílias têm militantes no grupo xiita, e após a
guerra, os mesmos guerrilheiros que combateram Israel voltaram às suas vidas normais.
Alguns são comerciantes, uns
são fazendeiros, outros estão
desempregados. Estes desempenham um papel importante
de acordo com um integrante
do Hizbollah conhecido como
Abu Zeit, homem de 35 anos,
barba por fazer e olhar desconfiado.
"Estamos sempre mobilizados, muitos foram para Beirute
ajudar nos protestos. Sayed
[Nasrallah] disse para irmos às
ruas lutar para derrubar este
governo corrupto", afirma.
Enquanto isso, homens em
pequenas motocicletas patrulham as ruas de Bint Jbeil com
walkie-talkies e observavam
cada visitante: carros da ONU,
de ONGs, de soldados libaneses
e jornalistas. Ninguém fala de
guerra civil ainda. "No Líbano
tudo é imprevisível, e nada é o
que parece ser" disse Abu Zeit.
Em Maroun el-Ras, um vilarejo no alto de uma colina ao
sul de Bint Jbeil, cuja mesquita
pode ser vista de longe e de onde é possível vislumbrar um vale que está localizado parte em
Israel, Hassan Aassad Salim,
64, conta como perdeu três casas em conflitos com os israelenses. Em 20 anos de ocupação israelense, a pequena cidade serviu como um posto avançado ao Exército de Israel.
Nesse período, Salim teve
duas casas destruídas. No conflito de 2006, uma terceira foi
seriamente danificada por mísseis e artilharia de um tanque
israelense que, segundo ele, foi
destruído por milicianos do
Hizbollah alguns segundos
após disparar contra sua casa.
"Recebi US$ 4.000 do partido
[Hizbollah], doados pelo Irã, e
US$ 6.000 da Suíça. Mas preciso de US$ 40 mil para arrumar
minha casa", disse, sem mostrar tristeza.
Mas o Hizbollah não é unanimidade entre os xiitas. Em
Soutaniyeh, cidade que que
tem uma comunidade de libaneses com cidadania americana, Hassan, 55, e seu irmão, Ali,
47, contam que o Hizbollah usa
o desemprego entre jovens e o
desespero das famílias para
atrair seguidores.
"Muitas famílias aceitam dinheiro do grupo para apoiá-lo.
Alguns de seus filhos entram
para suas fileiras atraídos por
um salário mensal", diz Hassan. Seu irmão acha que os protestos em Beirute arranharão a
imagem do Hizbollah, já abalada após a guerra. "Se querem
guerra e sangue, que vão ao Iraque lutar", desabafou. Temendo represálias, os irmãos pediram que seus sobrenomes fossem omitidos.
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