São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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GUERRA SEM LIMITES

Investigação sobre os ataques em Madri revelam falhas de inteligência e de integração do continente

Medo do terror leva Europa à paranóia

Paco Serinelli-25.mar.04/France Presse
Policiais italianos vistoriam plataforma em Milão, onde o trem TGV francês se prepara para partir


CLÓVIS ROSSI
Colunista da Folha, em Madri

Na semana passada, a polícia britânica fechou a estação de metrô de Knightsbridge, a mais próxima da célebre loja de departamentos Harrods, em Londres. Uma sacola com inscrições em árabe fora encontrada na plataforma.
Minutos depois, o dono da sacola, irritadíssimo, ligou da estação seguinte para reclamar da perda ou roubo de seu pertence. Tudo leva a crer que um passageiro entrou em pânico ao ver inscrições em árabe e jogou o pacote pela janela.
Parece comédia de pastelão. Mas é um retrato acabado da paranóia que tomou conta da Europa depois dos atentados de 11 de março em Madri (190 mortos, mais de 1.800 feridos).
A paranóia já está medida em pesquisas: quase todos os britânicos (exatos 95%) acham que muito provavelmente haverá um ataque terrorista, e 1 de cada 50 pesquisados acredita que haja uma chance muito alta de que morrerá alguém de sua família ou algum amigo.

Prioridade
É fácil entender, nesse ambiente, porque a cúpula de primavera da União Européia, encerrada na sexta-feira, teve como tema central o terrorismo e como combatê-lo.
No encontro, foi escolhido o ex-vice-ministro do Interior holandês Gijs de Vries para coordenar as ações européias contra o terror.
"Há um sentimento de unidade muito forte na Europa neste momento por conta do que ocorreu em Madri", afirmou o premiê britânico, Tony Blair, no último dia da reunião, em Bruxelas.
O problema é saber se as medidas anunciadas serão de fato eficazes. Ao que tudo indica, faltou um elemento essencial: uma integração entre os serviços de inteligência que permita uma troca fluida de informações e busca e/ ou neutralização de terroristas.
Sem isso, é razoável supor que tende a se repetir o que aconteceu em Madri. O jornal espanhol "El País" informa que ao menos um dos três detidos mais recentes pelos atentados "estava fichado como extremista islâmico pelas autoridades da Alemanha, onde vivia". Completa o jornal: "Se forem certas essas informações, os muçulmanos agora detidos na Espanha seriam velhos conhecidos para as autoridades alemãs".
Ainda assim, puderam movimentar-se livremente até o dia do atentado.
Aliás, o principal acusado pelos atentados, o marroquino Jamil Zougam, pôde movimentar-se livremente na própria Espanha, apesar de ter sido interrogado pelo juiz Baltasar Garzón em 2001, logo após os atentados terroristas do 11 de Setembro, nos Estados Unidos.
Garzón investigava uma suposta célula da rede terrorista Al Qaeda, do saudita Osama bin Laden, na Espanha, o que acabou por levar à prisão cerca de 40 pessoas. Zougam não estava entre elas, por falta de provas.
Continuou tranqüilamente com seu negócio de telefones celulares no bairro de Lavapiés, o mais multirracial de Madri, no coração da cidade.
Mais: há informações de que Zougam esteve no Reino Unido pelo menos uma vez, acompanhado de Imad Barakat Yarkas, mais conhecido como Abu Dahdah, agora preso na Espanha, acusado pelos atentados de maio do ano passado em Casablanca (Marrocos).
Os dois visitantes teriam se encontrado em Londres com Abu Qatada, religioso muçulmano radical, agora preso em Londres.
Rastros, portanto, sobram. Mas eles só surgem depois de algum atentado.
A célula da Al Qaeda na Espanha, por exemplo, era tratada como "célula adormecida" no jargão policial. Como não havia entrado em ação, a polícia preferia vigiá-los em vez de prendê-los, alegando que é a melhor maneira de obter informação sobre o grupo e, principalmente, sobre seus contatos.
O argumento faria sentido não fosse o fato de que, quando a célula "acorda", como ocorreu no dia 11 em Madri, não há ninguém vigiando-os.
O caso Zougam, aliás, permite uma indagação: um terrorista que já foi investigado, que põe bombas em trens, que deixa um telefone celular em uma bomba que não explodiu, ficaria tranqüilamente vendendo celulares no centro da cidade em que cometeu o crime, até que a polícia o prendesse dois dias depois?

Finanças do terror
Outra lacuna na inteligência antiterrorismo é na área financeira. Em recente palestra em Barcelona, Loretta Napoleoni, colaboradora da London School of Economics e estudiosa da economia do terror, avaliou em torno de 1,23 bilhão por ano o movimento de recursos pelo terrorismo internacional.
Uma terça parte (cerca de 400 milhões) "procede de atividades perfeitamente legais em sua origem", calcula Napoleoni.
Após os atentados nos Estados Unidos, bem que o governo norte-americano tentou seguir a trilha do dinheiro, além dos próprios terroristas. Cerca de 3.500 suspeitos de pertencerem à Al Qaeda já foram presos em cem países e os norte-americanos garantem que foram inabilitados dois terços dos líderes principais conhecidos da rede, responsável pelo 11 de Setembro.
Tudo isso sem que, "até esta data, se tenha produzido um êxito decisivo que inviabilize a capacidade de ação da rede terrorista", como escreveu para "El País" Gilles Kepel, professor de Ciências Políticas da Universidade de Paris.
Nesse cenário, é razoável supor que outras maletas suspeitas continuarão a provocar cenas patéticas em algum metrô, ônibus ou trem europeu.



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