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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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Disputa envolverá peronistas com propostas distintas de governo

MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES

As eleições presidenciais argentinas serão decididas, pela primeira vez na história do país, no segundo turno. Disputarão a Presidência Carlos Menem, 72, e Néstor Kirchner, 53, ambos peronistas -membros do PJ (Partido Justicialista).
O segundo turno ocorre em 18 de maio. Os argentinos deverão escolher entre dois modelos econômicos praticamente opostos.
Menem é o candidato preferido do mercado financeiro, das empresas estrangeiras que participaram das privatizações e dos economistas liberais que, em maior ou menor grau, ditaram a política econômica adotada pelo país durante toda a década de 90. "Temos a missão de tirar a Argentina do desastre. E vamos conseguir, como conseguimos em 1989", disse Menem.
O ex-presidente propõe uma plataforma de governo não muito distinta da que seguiu quando foi presidente, entre os anos de 1989 e 1999. Seu único erro, admitiu faz poucas semanas, teria sido o descontrole do gasto público. Seu programa prevê abertura econômica, continuidade das privatizações, negociação da dívida sem abatimento do valor dos títulos e um estreitamento das relações do país com os EUA.
Kirchner é o candidato dos chamados desenvolvimentistas. Seu ministro da Economia será, caso eleito, Roberto Lavagna, que dirige o ministério desde abril do ano passado e, para os liberais, foi demasiadamente intransigente nas negociações com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e com as empresas de serviços públicos. "Os argentinos votaram pela mudança. A Argentina quer voltar a sonhar e a ter esperança", disse o candidato.
Proteção à indústria nacional, incentivos para as exportações, subsídios para pequenas e médias empresas, abatimento do valor principal e dos juros da dívida externa são a base do programa econômico do candidato. A diplomacia do presidente Kirchner tenderia ao alinhamento ao Brasil e ao fortalecimento do Mercosul.
O resultado não mostra exatamente uma completa renovação política no país, como pedia a população quando saiu às ruas e obrigou o ex-presidente Fernando de la Rúa a renunciar em dezembro de 2001. Tanto Kirchner quanto Menem são peronistas, ainda que representem tendências opostas dentro do PJ. Kirchner é o candidato de centro-esquerda do peronismo. Menem, de centro-direita.
O peronismo continuará sendo o principal partido político argentinos nos próximos anos, mas os resultados de ontem mostram que pelo menos duas novas forças políticas emergiram da crise política e econômica na qual o país está imerso desde 2001. Tanto Elisa Carrió, 47, quanto Ricardo López Murphy, 52, obtiveram boas votações. Ambos eram políticos da UCR (União Cívica Radical), partido de De la Rúa, e a abandonaram para fundar suas próprias agrupações.
Carrió fez a campanha mais barata destas eleições -se estima que gastou R$ 0,06 por voto, enquanto Menem gastou mais de R$ 1,50. Diz que não apoiará nenhum candidato no segundo turno mas que "é claro que não votaremos no Menem". Seu partido, o ARI (Argentina por uma República de Iguais) deverá se transformar na principal força política de centro-esquerda na Argentina.
À direita, a novidade é López Murphy, economista ortodoxo que, depois de amargar uma quinta colocação nas pesquisas durante muitos meses, conquistou parte do eleitorado conservador e independente e o apoio de parte do establishment financeiro argentino.

Calma
A calma e a apatia dos eleitores só foi interrompida em poucos e isolados momentos. O ex-presidente Fernando de la Rúa (1999-2001) teve que esperar que agentes de segurança abrissem caminho para que ele pudesse passar por um grupo de pouco mais de 20 manifestantes. Aos gritos, eles o acusavam de trair a população.
López Murphy também teve que enfrentar um pequeno grupo de manifestantes que, entre outros insultos, o chamavam de "entrega pátria".
Um último pequeno protesto ocorreu quando Daniel Scioli, candidato a vice de Kirchner saiu da escola onde havia votado. Um grupo de pouco mais de cinco pessoas protestava contra o candidato que, sem seguranças, voltou para casa caminhando.
Foram todos pequenos incidentes. O presidente Eduardo Duhalde declarou que os repudiava mas, no final do dia, Alfredo Atanasof, chefe do gabinete de Ministros, sequer os comentou quando disse que "o governo está mais que satisfeito pela demonstração de vocação democrática" da população argentina.


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