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ARTIGO
A estrutura das instituições internacionais precisa mudar
Premiê britânico defende reformas, como a do Conselho de Segurança, diante
da interdependência e da necessidade de enfrentar conjuntamente os desafios
TONY BLAIR
É consenso que o mundo hoje se caracteriza pela interdependência. Mas ainda não tivemos tempo de pensar nas conseqüências, ou de compreender
que o "livro de regras internacionais" tornou-se obsoleto.
A interdependência, ou o fato
de uma crise num ponto isolado tornar-se generalizada, faz
escárnio da visão tradicional de
interesse nacional. As nações,
mesmo as grandes e poderosas
como os Estados Unidos, são
afetadas profundamente e em
velocidade recorde pelo que
ocorre além de suas fronteiras.
Por que a imigração é hoje a
pauta principal de políticas na
Europa e nos Estados Unidos?
Porque a globalização torna as
migrações em massa uma realidade, e apenas o desenvolvimento global fará com que tal
realidade seja manejável.
Por que a política energética
também subiu rapidamente na
lista de prioridades nacionais?
Porque países como China e Índia têm que abastecer seu rápido desenvolvimento e devido à
ameaça de mudanças climáticas. A solução é um arcabouço
negociado internacionalmente
para que as nações em desenvolvimento possam continuar
crescendo, os países ricos,
mantendo seu padrão de vida, e
o meio ambiente, protegido.
Assim, não se pode hoje ter
uma visão coerente dos interesses nacionais, sem uma visão coerente da comunidade
internacional. Os desafios afetam todos, podendo ser combatidos efetivamente apenas de
forma conjunta. Não podemos
mais esperar para ver como os
desafios globais evoluirão. Eles
requerem resposta preventiva
e não apenas reativa, baseada
na precaução, não na certeza, e
muitas vezes idealizada fora de
nosso próprio território.
O terror combatido hoje no
Reino Unido não se originou no
país, embora em 7 de julho de
2005 tenham sido terroristas
nascidos no país os responsáveis. A solução está em escolas e
campos de treinamento e doutrinação a milhares de quilômetros de nosso país, assim como nas cidades do Reino Unido. A solução para as migrações
em massa encontra-se em sua
origem, e não nas nações que
sentem as conseqüências.
Entretanto, uma ação conjunta não será acordada a menos que esteja baseada em valores comuns de liberdade, democracia, tolerância e justiça.
Tais valores são universalmente reconhecidos por todas as
nações, crenças e raças, embora
não o sejam por todos os indivíduos. São valores que podem
inspirar e unir. Precisamos de
uma comunidade internacional que incorpore e aja para disseminar esses valores globais.
A agenda à nossa frente é
enorme. E cada vez mais, há
disparidade entre os desafios
globais e os organismos internacionais para confrontá-los.
Após a Segunda Guerra, percebeu-se que uma nova estrutura
institucional internacional era
necessária. Na nova era, no século 21, precisamos renová-la.
Em discurso na sexta-feira,
apresentei sugestões para a necessária renovação. Em primeiro lugar, o secretário-geral da
ONU, Kofi Annan, tem feito um
trabalho extraordinário, sob
circunstâncias quase impossíveis, merecendo apoio quanto a
seu programa de reforma. No
entanto, um Conselho de Segurança que tenha a França como
membro permanente, mas não
a Alemanha, o Reino Unido e
não o Japão, a China e não a Índia, para não mencionar a ausência de representante da
América Latina ou da África,
não pode ser considerado legítimo hoje. Se preciso, busquemos um modelo para uma solução temporária que possa levar
ao futuro arranjo permanente.
Deveríamos reforçar os poderes do secretário-geral da
ONU de propor ações ao Conselho de Segurança para resolver antigas disputas e encorajá-lo a tomar tais iniciativas.
Em segundo lugar, há o Banco Mundial e o FMI. Como outros já disseram, existem argumentos em favor da fusão. O
certo é que há fortes justificativas para a reforma, incluindo
uma melhora radical do relacionamento com os países em
desenvolvimento e maior representação dos emergentes.
Em terceiro lugar, há fortes
argumentos para criar um sistema multilateral de "enriquecimento seguro" para a energia
nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica supervisionaria um banco para garantir fonte segura de urânio
aos países que usam energia
nuclear, sem a necessidade de
cada um ter seu ciclo.
Em quarto lugar, as reuniões
do G8 têm sido feitas no formato G8 + 5. Isso deveria ser a norma. E, finalmente, é necessário
criar um órgão da ONU para o
ambiente à altura da importância desse assunto hoje.
Não subestimo a tarefa que é
realizar tais mudanças. A criação de instituições multilaterais mais eficientes requer a renúncia por cada nação de parte
da sua independência. As nações mais poderosas querem
instituições multilaterais mais
eficientes, mas apenas quando
acham que tais instituições farão suas vontades. O que elas
temem são instituições multilaterais eficientes que ajam de
acordo com sua própria vontade. Mas se houver uma base
compartilhada, com objetivos e
propósitos comuns, os países,
não importa quão poderosos, se
beneficiarão de poder delegar
problemas que não conseguem
resolver sozinhos. Seus interesses nacionais serão alcançados pela ação comum eficiente.
Hoje, após os tumultos e desacordos dos últimos anos, há a
oportunidade real de união visando o combate ao terrorismo,
a garantia de um sistema financeiro global saudável, o fornecimento de energia limpa e segura e a resolução de antigas disputas. Entre estas, incluo o crucial progresso rumo à solução
para o conflito entre Israel e
palestinos baseado em dois Estados que convivam em paz.
Acredito também que todos
se interessem em apoiar a democracia no Iraque. Não busco
justificar a decisão original ou
reiniciar antigas discussões,
quero advogar por novo acordo
que encerre a antiga disputa.
Três anos passaram desde
que Saddam foi destituído,
anos de discórdia e derramamento de sangue. Mas apesar
do terror, um processo político
democrático ganhou força. Visitei o novo governo em Bagdá,
escolhido livremente pelos iraquianos. O que ouvi dos líderes
não foram mensagens de discordância entre facções rivais,
mas um discurso simples e unificado. Eles querem que o Iraque se torne um país democrático, que seu povo seja livre;
querem aceitar as diferenças e
celebrar a diversidade e que o
Estado de Direito, não a violência, determine seu destino.
A guerra dividiu o mundo,
mas a luta dos iraquianos em
busca da democracia deveria
uni-lo. Pode-se discordar da
decisão original, pode-se acreditar que foram cometidos erros, mas se os iraquianos podem demonstrar sua fé na democracia ao votarem, não deveríamos demonstrar que também acreditamos apoiando-os?
Este deveria ser um momento de reconciliação não só para
o Iraque como para toda a comunidade internacional, pois
sua luta é uma luta mais abrangente. O objetivo do terrorismo
no Iraque é destruir a democracia não só no próprio Iraque,
mas os valores democráticos.
No momento em que afegãos
votaram na primeira eleição de
sua história, o mito de que a democracia era um conceito ocidental foi destruído. Nem todos
os governos acreditam na liberdade, mas os povos, sim.
Em meus nove anos como
primeiro-ministro, não me tornei mais cético sobre o idealismo. Simplesmente fiquei mais
convencido de que a distinção
entre uma política externa baseada em valores e uma baseada em interesses está errada. A
globalização gera interdependência, e a interdependência
cria a necessidade de valores
comuns que a façam funcionar.
Em outras palavras, o idealismo se converte na real politik.
Nossos valores são o que nos
guiam, entretanto precisamos
estar dispostos a pensar e agir
de forma mais rápida em defesa
desses valores. Preempção progressiva, se preferirem. Há uma
agenda com tal objetivo, esperando para ser definida, capaz
de unificar um mundo anteriormente dividido. E não haveria melhor hora para isso.
Nada disso eliminará os retrocessos, as frustrações, as inconsistências e hipocrisias que
acompanham as tomadas de
decisão no mundo real. Mas demonstra que o melhor do espírito humano, que sempre encorajou o progresso da humanidade, é também a maior esperança para o futuro mundial.
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