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DILEMA PERSA
Jovens iranianos subvertem islã e aproximam ruptura
Com mais de 60% de sua população abaixo dos 30 anos, país testemunha a convivência entre a rigidez religiosa e a transgressão
Nascidos depois da Revolução de 1979, eles ouvem rock, paqueram, vão a shoppings, fazem plástica e usam drogas
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
Eles ouvem rock. Os conjuntos undergrounds O-Hum e
127, com CDs oficiais aprovados pela censura, e faixas alternativas, gravadas em shows
proibidos feitos no subsolo de
prédios velhos de Teerã e distribuídas pela internet. Também rap persa, em geral versões em farsi de sucessos de
Eminem e 50 Cent. Ou viajam
às vizinhas Dubai e Istambul
para shows de Roger Walters,
Ian Anderson e Mark Knopfler.
Eles usam drogas e bebem álcool. O drinque mais popular
mistura a cerveja Delester Golden, a marca mais consumida
do país, sem álcool como manda o islã, à vodca Absolut, entregue em casa por serviços ilegais de delivery que todo mundo sabe que existem. Fumam
maconha, que chamam de
"grass", grama em inglês, quando há mais velhos por perto, ou
"alaf", grama em farsi, quando
entre eles. Plantam a erva em
vasos nos seus quartos, seguindo instruções que pegam de sites de cafés holandeses.
(Ópio, não, ópio é para os
mais simples ou para os mais
velhos. Entre estes, os que ainda usam se reúnem em apartamentos nas quintas-feiras à
noite, véspera do feriado, deitam-se em almofadas jogadas
pelos tapetes em torno de um
fogareiro, fumam e conversam.
O papo de viciados em ópio,
"pamanghali", virou gíria para
"conversa furada".)
Eles fazem sexo. Depois de
um longo processo, mas fazem.
Conhecem as "dawff" (não há
tradução, mas é gíria cujo equivalente em português seria "gatinhas") em chats na rede, marcam encontros num dos dois
shoppings mais freqüentados,
o Millad e o Golestan, e depois
as convidam para comer algo
nos cafés da rua Gandi. A noite
pode acabar na casa de um amigo ou de pais mais liberais.
Antes, passeiam pelos shoppings, fazem compras em lojas
de grifes verdadeiras como Puma e de marcas falsificadas como Gap. Convidam as "dawffs"
para comer um pote de "zorat"
(milho, servido em grãos com
limão e ervas). Ostentam os curativos de operações plásticas
para diminuir o nariz que fizeram em hospitais de luxo.
Majoritários
Num país em que a maioria
da população nasceu no ano da
Revolução Islâmica (1979) ou
depois, os jovens caminham rapida e perigosamente para o
que os mais antigos chamam de
"ocidentalização" dos costumes. "Se continuarmos assim,
logo faremos uma nova revolução para derrubar essa", diz à
Folha Abolfazl M,, 28, que faz
compras pelo Golestan.
Um passeio pelas ruas da cidade freqüentadas pela juventude não-religiosa de Teerã,
que é maioria (nas cidades pequenas, a proporção se inverte), mostra uma imagem diferente do país dos aiatolás.
Tradição e ruptura se misturam de uma forma que os locais
já não percebem mais. Banafsheh Arap, 22, por exemplo. Ela
pinta os cabelos, tira a sobrancelha, mas anda de "rousari", o
véu obrigatório que cobre a cabeça. "Eu mesma me maquio,
porque os salões de beleza são
proibidos aqui", diz ela à Folha,
estranhando a pergunta.
Turmas sobem e descem as
escadas rolantes do Millad
quando o muzak dá lugar ao
"maghreb", a reza do pôr-do-sol, nos alto-falantes. Ninguém
parece reparar. Na fachada do
Golestan, um néon com a figura de uma mulher usando xador avisa: "A mulher coberta
tem a beleza da pérola dentro
da concha". Na porta, duas senhoras pagas pela polícia de
costumes "aconselham" as meninas mais ousadas (com mantôs mais curtos ou "rousari"
berrantes) a irem para a casa e
voltarem "mais decentes".
São chamadas pelos freqüentadores, ironicamente, de "fatwa commando" -"fatwa" é um
pronunciamento de um líder
religioso sobre questões nas
quais a jurisprudência islâmica
não é clara. Dentro, no saguão
principal, retratos dos dois líderes supremos, aiatolás Khomeini (1902-1989) e Khamenei, o atual, olham meninas de
jeans de mãos dadas com rapazes que não são seus maridos.
"Não vejo problema nenhum
nisso", afirma Behrwz Rezai,
23, vendedor que diz não se interessar por política. "Nós deixamos os outros em paz e só
queremos que os outros nos
deixem em paz." Ao seu lado,
Damin Mikaeli, 22, desempregado, fã de heavy metal, concorda. "Não estamos fazendo
nada de mais."
Ainda.
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