São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 2005

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TERROR EM LONDRES

Para a reputada Gareth Peirce, que assessora família de Jean Menezes, polícia quer provar que morte foi "execução legal"

Havia predisposição a matar, diz advogada

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Embora a polícia britânica queira atestar que a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes foi uma ação legal, tudo leva a crer que havia uma predeterminação a assassinar o eletricista mineiro, que levou oito tiros na sexta-feira passada na estação de metrô de Stockwell, em Londres.
A opinião é da reputada advogada de direitos humanos Gareth Peirce, que está prestando assessoria jurídica à família do eletricista e criticou duramente a atitude das autoridades britânicas em relação ao caso ontem.
"A polícia já está dizendo que foi uma execução legal", afirmou Peirce, em disputada entrevista coletiva com os quatro primos de Jean que vivem em Londres.
No entanto, segundo ela, tudo indica que os policiais -que mataram o brasileiro com sete tiros na cabeça e um no ombro dentro do trem da linha Northern- estavam "predeterminados" a matá-lo. Por isso, não é possível afirmar, diz ela, que a ação foi um erro. Para Peirce, os responsáveis terão de ser processados.
"A execução não foi um erro. Eles atiraram nele oito vezes. Talvez tenha ocorrido um erro em algum outro momento durante o catálogo de desastres que levaram a isso. Mas havia uma predeterminação para matá-lo."
Peirce explicou que, se os argumentos da polícia forem acatados no inquérito e na conclusão da comissão independente que investiga a ação, o caso de Jean poderá terminar sem que ninguém seja acusado. Além disso, isso poderia prejudicar a tentativa da família de obter indenização.
Ela criticou fortemente autoridades britânicas que defenderam o trabalho dos agentes envolvidos na morte de Jean. "Foi lamentável que pessoas em altos postos tenham corrido para justificar a ação da polícia antes que a apuração tenha sido concluída, porque há mil questões pendentes."
O ministro do Interior, Charles Clarke, e o próprio premiê, Tony Blair, deram declarações nessa linha nos últimos dias. De acordo com Peirce, não é verdade o que autoridades britânicas têm dito sobre a quase automaticidade na concessão de uma indenização para a família, uma vez que a polícia admitiu que Jean era inocente.
"Se prevalecer o argumento de que a ação foi legal por conta dessa política de atirar para matar que o governo adotou sem ninguém saber direito, não há garantia nenhuma de indenização para os familiares", afirmou.
Mas a advogada ressaltou que a família no Brasil ainda não decidiu se vai querer entrar com alguma ação legal contra o governo britânico e só decidirá isso após o funeral do eletricista.
Ela, os primos de Jean e ativistas de direitos humanos presentes na coletiva pediram o fim da política de atirar para matar adotada pela polícia britânica para casos de suspeitos de terrorismo.
"A morte do meu primo foi um erro terrível da polícia, e nós não aceitamos as desculpas do governo britânico. Queremos que os responsáveis sejam punidos com o rigor da lei. Também quero que o governo britânico pare já com isso [atirar para matar]", disse Patrícia Armani, 31.

Atirar sem avisar
Reportagem de ontem do jornal "The Guardian" dizia que os policiais britânicos receberam permissão para alvejar suspeitos de terror suicida na cabeça sem adverti-los antes. Não está claro se Jean recebeu algum comando da polícia para que parasse.
O comissário da polícia britânica, Ian Blair, afirmou anteontem à noite que, desde os atentados de 7 de julho, houve 250 casos em que agentes acharam que poderiam estar lidando com terroristas suicidas. Em sete ocasiões, estiveram perto de atirar. O caso de Jean foi o único em que isso ocorreu.
Também causou espécie na coletiva a informação de que um suspeito de ter tentado explodir uma bomba no último dia 21 foi preso, em Birminghan, após receber um choque de uma espécie de revólver elétrico: "Será que a polícia em Londres tem esse tipo de arma nos armários? Se tem, por que não foi usada no caso do Jean?", questionou Peirce.
Há outras questões que têm de ser esclarecidas, segundo a advogada, como quais seriam as informações dos serviços de inteligência que levaram a polícia a perseguir Jean e quem deu a ordem para que ele fosse morto. Ontem o jornal "Daily Mail" disse, com base em fontes anônimas, que uma comandante da Scotland Yard teria autorizado seus agentes a atirar no brasileiro pelo rádio.
Os primos de Jean afirmaram que sua prioridade agora é ver as fitas de vídeo de circuito interno do metrô que mostram o que ocorreu dentro da estação. "Essa é nossa principal demanda agora", afirmou Alex Pereira, 28.
Mas Peirce afirmou que, por ora, não há sinal de que as autoridades responsáveis concederão a autorização para isso. Vivian Figueiredo, outra prima de Jean, afirmou que um policial teria dito a ela que ele não pulou a roleta do metrô e usava jaqueta leve. Isso contraria algumas testemunhas.
Patrícia, Jean, Alex e Vivian embarcaram ontem à noite para São Paulo. Acompanhariam o traslado do corpo de Jean e participariam do funeral no Brasil. Alessandro Pereira, outro primo do eletricista em Londres, foi o único que decidiu ficar na cidade.
As passagens dos três primos e o transporte do corpo foram pagos pelo governo britânico, que também teria manifestado a intenção de arcar com as despesas do funeral. Os parentes de Jean foram acompanhados por Erivaldo da Silva, amigo da família, e Maria Helena Penna, do Consulado do Brasil no Reino Unido.
Após o funeral, Alex -espécie de porta-voz da família em Londres-, conversará com os pais de Jean e seu irmão para saber se vão querer tomar ação legal contra as autoridades britânicas. O escritório de Peirce espera um sinal verde da família para começar a agir. Emocionados, os primos de Jean pediram que as pessoas não esqueçam o caso do eletricista.


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