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TERROR EM LONDRES
Para a reputada Gareth Peirce, que assessora família de Jean Menezes, polícia quer provar que morte foi "execução legal"
Havia predisposição a matar, diz advogada
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Embora a polícia britânica queira atestar que a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes foi
uma ação legal, tudo leva a crer
que havia uma predeterminação a
assassinar o eletricista mineiro,
que levou oito tiros na sexta-feira
passada na estação de metrô de
Stockwell, em Londres.
A opinião é da reputada advogada de direitos humanos Gareth
Peirce, que está prestando assessoria jurídica à família do eletricista e criticou duramente a atitude das autoridades britânicas em
relação ao caso ontem.
"A polícia já está dizendo que
foi uma execução legal", afirmou
Peirce, em disputada entrevista
coletiva com os quatro primos de
Jean que vivem em Londres.
No entanto, segundo ela, tudo
indica que os policiais -que mataram o brasileiro com sete tiros
na cabeça e um no ombro dentro
do trem da linha Northern- estavam "predeterminados" a matá-lo. Por isso, não é possível afirmar, diz ela, que a ação foi um erro. Para Peirce, os responsáveis
terão de ser processados.
"A execução não foi um erro.
Eles atiraram nele oito vezes. Talvez tenha ocorrido um erro em algum outro momento durante o
catálogo de desastres que levaram
a isso. Mas havia uma predeterminação para matá-lo."
Peirce explicou que, se os argumentos da polícia forem acatados
no inquérito e na conclusão da comissão independente que investiga a ação, o caso de Jean poderá
terminar sem que ninguém seja
acusado. Além disso, isso poderia
prejudicar a tentativa da família
de obter indenização.
Ela criticou fortemente autoridades britânicas que defenderam
o trabalho dos agentes envolvidos
na morte de Jean. "Foi lamentável
que pessoas em altos postos tenham corrido para justificar a
ação da polícia antes que a apuração tenha sido concluída, porque
há mil questões pendentes."
O ministro do Interior, Charles
Clarke, e o próprio premiê, Tony
Blair, deram declarações nessa linha nos últimos dias. De acordo
com Peirce, não é verdade o que
autoridades britânicas têm dito
sobre a quase automaticidade na
concessão de uma indenização
para a família, uma vez que a polícia admitiu que Jean era inocente.
"Se prevalecer o argumento de
que a ação foi legal por conta dessa política de atirar para matar
que o governo adotou sem ninguém saber direito, não há garantia nenhuma de indenização para
os familiares", afirmou.
Mas a advogada ressaltou que a
família no Brasil ainda não decidiu se vai querer entrar com alguma ação legal contra o governo
britânico e só decidirá isso após o
funeral do eletricista.
Ela, os primos de Jean e ativistas
de direitos humanos presentes na
coletiva pediram o fim da política
de atirar para matar adotada pela
polícia britânica para casos de
suspeitos de terrorismo.
"A morte do meu primo foi um
erro terrível da polícia, e nós não
aceitamos as desculpas do governo britânico. Queremos que os
responsáveis sejam punidos com
o rigor da lei. Também quero que
o governo britânico pare já com
isso [atirar para matar]", disse Patrícia Armani, 31.
Atirar sem avisar
Reportagem de ontem do jornal
"The Guardian" dizia que os policiais britânicos receberam permissão para alvejar suspeitos de
terror suicida na cabeça sem adverti-los antes. Não está claro se
Jean recebeu algum comando da
polícia para que parasse.
O comissário da polícia britânica, Ian Blair, afirmou anteontem à
noite que, desde os atentados de 7
de julho, houve 250 casos em que
agentes acharam que poderiam
estar lidando com terroristas suicidas. Em sete ocasiões, estiveram
perto de atirar. O caso de Jean foi
o único em que isso ocorreu.
Também causou espécie na coletiva a informação de que um
suspeito de ter tentado explodir
uma bomba no último dia 21 foi
preso, em Birminghan, após receber um choque de uma espécie de
revólver elétrico: "Será que a polícia em Londres tem esse tipo de
arma nos armários? Se tem, por
que não foi usada no caso do
Jean?", questionou Peirce.
Há outras questões que têm de
ser esclarecidas, segundo a advogada, como quais seriam as informações dos serviços de inteligência que levaram a polícia a perseguir Jean e quem deu a ordem para que ele fosse morto. Ontem o
jornal "Daily Mail" disse, com base em fontes anônimas, que uma
comandante da Scotland Yard teria autorizado seus agentes a atirar no brasileiro pelo rádio.
Os primos de Jean afirmaram
que sua prioridade agora é ver as
fitas de vídeo de circuito interno
do metrô que mostram o que
ocorreu dentro da estação. "Essa é
nossa principal demanda agora",
afirmou Alex Pereira, 28.
Mas Peirce afirmou que, por
ora, não há sinal de que as autoridades responsáveis concederão a
autorização para isso. Vivian Figueiredo, outra prima de Jean,
afirmou que um policial teria dito
a ela que ele não pulou a roleta do
metrô e usava jaqueta leve. Isso
contraria algumas testemunhas.
Patrícia, Jean, Alex e Vivian embarcaram ontem à noite para São
Paulo. Acompanhariam o traslado do corpo de Jean e participariam do funeral no Brasil. Alessandro Pereira, outro primo do
eletricista em Londres, foi o único
que decidiu ficar na cidade.
As passagens dos três primos e o
transporte do corpo foram pagos
pelo governo britânico, que também teria manifestado a intenção
de arcar com as despesas do funeral. Os parentes de Jean foram
acompanhados por Erivaldo da
Silva, amigo da família, e Maria
Helena Penna, do Consulado do
Brasil no Reino Unido.
Após o funeral, Alex -espécie
de porta-voz da família em Londres-, conversará com os pais de
Jean e seu irmão para saber se vão
querer tomar ação legal contra as
autoridades britânicas. O escritório de Peirce espera um sinal verde da família para começar a agir.
Emocionados, os primos de Jean
pediram que as pessoas não esqueçam o caso do eletricista.
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