São Paulo, terça-feira, 28 de julho de 2009

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Sob tensão, Honduras analisa acordo

Congresso, porém, adia votação de plano de mediador Arias, enquanto clima de incerteza na fronteira com a Nicarágua cresce

Caminhões com destino a porto hondurenho são barrados na divisa; comércio em zona fronteiriça também sofre com baixa na procura

Eduardo Verdugo/Associated Press
Soldado hondurenho observa ciclista na região da cidade de El Paraíso, próxima à militarizada fronteira do país com a Nicarágua

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A OCOTAL (NICARÁGUA)

O Congresso hondurenho adiou ontem a votação sobre a proposta da Costa Rica para restituir ao cargo Manuel Zelaya, deposto há um mês, cuja presença na região fronteiriça nicaraguense já afeta a economia local e provoca temores de uma guerra civil.
Em sessão iniciada à tarde e que avançou noite adentro, o Congresso decidiu formar uma comissão para analisar o chamado Acordo de San José, que, além da volta de Zelaya, prevê, entre outros pontos, que o líder deposto desista de convocar uma Assembleia Constituinte, principal justificativa dos Poderes Legislativo e Judiciário para sua deposição. O parecer deve ficar pronto até quinta.
O principal assunto em análise entre os congressistas envolve a concessão de anistia política a Zelaya -o que não significa necessariamente a sua volta ao poder. Ele é acusado de "traição à pátria" por tentar convocar uma Constituinte apesar do veto dos demais Poderes.
No debate, alguns deputados argumentaram que a proposta de Arias não deveria ser levada à votação porque Zelaya declarou na semana passada que as negociações mediadas pelo presidente da Costa Rica, Óscar Arias, estavam encerradas.
Na Nicarágua, Zelaya disse que o Congresso está "perdendo tempo": "Como não aceitam minha restituição, essa proposta do mediador não tem valor".
Outros pontos do Plano de San José também devem ser analisados pela Corte Suprema de Justiça, pelo Tribunal Supremo Eleitoral e pelo Ministério Público. Todos têm apoiado até agora o presidente interino Roberto Micheletti.
No fim de semana, as Forças Armadas emitiram um comunicado no qual afirmam que não se oporiam ao retorno negociado de Zelaya.
A insólita presença de Zelaya em Ocotal, pacata cidade do norte da Nicarágua, já provoca uma onda de reclamações por causa da fronteira paralisada, além de trazer temores de uma nova guerra civil.
Nas ruas coloniais da cidade de apenas 40 mil habitantes e com a economia baseada no café e no tabaco, as lojas estão mais vazias por causa do sumiço de clientes hondurenhos, que cruzam a fronteira para comprar tecidos e sapatos.
Em compensação, é comum ver nas ruas simpatizantes de Zelaya. Segundo o coordenador de recepção dos apoiadores, Carlos Reina, o número saltou de 500 para 1.250 pessoas entre anteontem e ontem.
Entre os ocotalenhos, a tensão política trouxe de volta a memória da sangrenta guerra civil dos anos 1970 e 1980 na Nicarágua, que deixou dezenas de milhares de mortos.
"Acho que pode começar uma guerra civil porque, se um grupo é atacado, o outro vai reagir. De uma faísca pode haver um incêndio enorme", disse a comerciante Auxiliadora Vallealba, 42, que viu o movimento em sua loja de roupas diminuir em 20% desde quinta, quando a fronteira foi fechada.
Na fronteira, a 25 km de Ocotal, uma fila de três quilômetros e 107 caminhões se formava de manhã do lado nicaraguense. A maioria dos caminhões tem como destino Puerto Cortés, em Honduras, o segundo mais importante da América Central.
"Para ser franco, não entendo isso", disse o caminhoneiro nicaraguense Marlo Mendoza, 40, ex-guerrilheiro sandinista e na fila há cinco dias. "Por que não pegam em armas e acabam com isso de uma vez?"

"Jefe de los jefes"
Ontem, Zelaya passou o dia visitando albergues para falar com os recém-chegados. O presidente deposto está na fronteira desde a sexta-feira, quando chegou a dar alguns passos em território hondurenho, mas em seguida regressou à Nicarágua.
Numa das visitas, cantou, de microfone em punho, a música "El Jefe de Jefes", do grupo sertanejo mexicano "Los Tigres del Norte", que diz: "Sou chefe dos chefes, senhores/me respeitam em todos os níveis".


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