São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2004

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"Kerry deve se orgulhar de seu histórico"

LM Otero - 26.ago.2004/Associated Press
Em Albuquerque (Novo México), o presidente dos EUA, George W. Bush, cumprimenta simpatizantes durante evento de campanha


Leia a seguir mais trechos da entrevista do presidente dos EUA, George W. Bush, ao jornal "The New York Times".

A CONVENÇÃO

Bush - Apenas duas coisinhas, rápidas. Uma, estou ansioso pelas convenção. Temos um discurso que conta o que realizamos e, mais importante, o que realizaremos. É um discurso no qual dizemos que acreditamos na capacidade que a liberdade tem de mudar o mundo e de nos tornarmos mais seguros. Falarei sobre isso.
É um discurso que diz, também, que o país está mudando e a política precisa refletir esse fato, a fim de ajudar as pessoas nesta hora de mudança. E falarei sobre diversas questões no discurso. É um discurso otimista, que trata do futuro. Estou ansioso por fazê-lo.

KERRY, HERÓI?

Pergunta - O sr. acredita que o senador Kerry tenha mentido sobre seu histórico de guerra?
Bush -
Creio que o senador Kerry deveria se orgulhar de seu histórico.

Pergunta - Mas o sr. acredita que ele tenha mentido?
Bush -
Não, não acredito que ele tenha mentido e acho que ele deveria se orgulhar de seu histórico. Permita-me tratar de uma questão maior, que é a dos 527 [comitês de arrecadação ilimitada de fundos para campanhas políticas, sem ligação formal com os partidos; um deles está por trás de um anúncio de veteranos de guerra contra Kerry]. Acho que eles deveriam ser proibidos. Acho que deveriam ter sido proibidos um ano atrás. Creio que sejam ruins para o sistema. E aí temos pessoas, você sabe, bilionários assinando cheques, cheques vultosos, tentando influenciar o resultado da eleição. Por isso eu...

Pergunta - Mas, sr. presidente, se o sr. não acredita que ele tenha mentido, por que o sr. não fala sobre o anúncio em questão, por que não o denuncia?
Bush -
Os 527, os 527, essa é a grande questão, os 527.

Pergunta - Estamos falando sobre a questão menor, do ataque contra Kerry por uma organização de veteranos de guerra...
Bush
Bem, compreendo como o senador Kerry se sente -eu também fui atacado pelos 527. Creio que a questão seja. É esse o ponto que deveríamos tratar, é sobre isso que o debate deveria girar: como pôr fim ao dinheiro que entra no sistema.

Pergunta - Podemos tentar uma vez mais? O sr. não quer tratar do anúncio contra Kerry? O sr. vai condená-lo?
Bush -
Todos esses anúncios têm de ser eliminados, cada um deles, inclusive os que foram publicados contra mim. Milhões de dólares foram despejados no sistema de maneira descontrolada. E, por 12 meses, houve silêncio. Agora, de repente, as pessoas começam a se incomodar com as contribuições não regulamentadas para campanhas. E vamos tentar pôr fim à prática, não só para o dinheiro que vai para a TV, mas para o dinheiro que financia outras coisas. E espero que vocês [a mídia] se unam a nós.

TORTURA EM ABU GHRAIB

Pergunta - O sr. disse acreditar que o escândalo dos abusos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, tenha sido responsabilidade de uns poucos indivíduos. E agora o sr. recebeu dois relatórios que descrevem um problema muito mais sistêmico, cuja causa eles atribuem a recursos insuficientes, e que pode ser traçado até o comando do Pentágono, o gabinete do secretário da Defesa. O sr. concorda com essas conclusões e com as recomendações para a reforma do tratamento aos presos?
Bush -
Creio que devamos estudar todas as recomendações com seriedade. E acredito que esse relatório seja útil, para que sejamos capazes, no futuro, de lidar com questões de prisão relativas às Forças Armadas. Por isso, vejo o relatório como muito construtivo. E acredito que haja...

Pergunta - O sr. concorda que o problema vai além de alguns indivíduos, ao contrário do que sr. afirmou no jardim da Casa Branca?
Bush
Bem, creio que devamos estudar todas as recomendações com muita seriedade.

CORÉIA DO NORTE E IRÃ

Pergunta - O sr. disse que passa grande parte do tempo em que não está em campanha tratando dos desafios de segurança nacional. Gostaríamos de tratar de um que ainda não foi mencionado.
Há algumas semanas, o senador Kerry disse que, a despeito de toda a diplomacia que o sr. conduziu na Coréia do Norte e no Irã, o fato é que, durante o seu governo, o arsenal norte-coreano provavelmente cresceu para seis ou oito armas, ou ela tem ao menos o material para produzi-las, se acreditarmos em nossos serviços de inteligência; talvez o Irã também tenha feito progressos, embora eles ainda não disponham de uma arma.
Em outras palavras, esses dois países fizeram exatamente o que o preocupava caso Saddam Hussein tivesse um programa de armas mais avançado. E o sr. declarou diversas vezes que não toleraria uma Coréia do Norte ou um Irã armados com bombas nucleares. Não estamos certos de que o sr. tenha definido o termo. "Tolerar" quer dizer que o sr. não aceitará o fato ou que imporá um prazo para que as armas sejam destruídas?
Bush -
Significa que tentaremos a diplomacia como primeiro recurso.

Pergunta - E quanto tempo isso duraria?
Bush -
Significa que tentaremos a diplomacia como primeiro recurso.

Pergunta - E quanto tempo isso duraria?
Bush -
Bem, não acredito que se devam conceder prazos a ditadores e tiranos. Creio que seja importante, para nós, continuarmos a liderar coalizões firmes e fortes, no envio de mensagens tanto aos norte-coreanos quanto aos iranianos.
Permita-me tratar rapidamente da Coréia do Norte. Você se lembra de que havia uma relação bilateral com a Coréia do Norte que permitia que eles mascarassem seu programa nuclear. Nós desmascaramos o programa que, por algum tempo, eles diziam não existir, e, portanto, chegamos à conclusão de que a melhor coisa seria convocar outros interessados para a arena -dado o fracasso do formato bilateral-, e foi o que fizemos.
Você acompanha a questão de perto e sabe do que estou falando. Os chineses e o governo dos Estados Unidos forjaram um elo, começando com um acordo após o qual Jiang Zemin disse que compartilhávamos de um objetivo comum: livrar a península coreana de armas nucleares.
A seguir, expandimos o grupo para incluir a Coréia do Sul, o Japão e a Rússia, para continuar pressionando Kim Jong-il a mudar de comportamento.

Pergunta - Mas resta o fato de que, no período, parece que ele expandiu seu arsenal. E a questão é: em que momento o sr. diz que as alternativas foram tentadas e...
Bush
Bem, persistiremos pela rota diplomática. Estou confiante que, com o tempo, ela funcionará. E certamente espero que o faça. É por isso que defini a estratégia que adotamos.
Quanto ao Irã, é uma questão semelhante. Trabalhamos com os alemães, com os franceses e os britânicos para dizer aos mulás que comandam o país que seu programa de armas nucleares deveria ser desmantelado. E continuaremos a pressionar diplomaticamente.
Lembre-se, a diferença entre o Iraque e a Coréia do Norte, por exemplo, é de 11 anos. A diplomacia fracassou por 11 anos no Iraque. E esse novo esforço diplomático começou há apenas um ano.

Pergunta - Não sei, estamos tentando abordagens diplomáticas em relação à Coréia do Norte desde o governo de seu pai.
Bush -
Mas não dessa maneira, não com as partes envolvidas agora, sentadas juntas à mesa, especialmente não com a China como principal mensageiro para a Coréia do Norte, explicando aos norte-coreanos que compartilha do objetivo norte-americano. Essa é uma nova dinâmica.

Pergunta - O sr. mencionou a ameaça que Saddam representava. Usando essa norma quanto à Coréia do Norte e ao Irã, o sr. não acredita que as ameaças nesses casos sejam igualmente urgentes, que esses países poderiam repassar armas nucleares à Al Qaeda ou outro grupo terrorista, ou ainda...
Bush -
Bem, por isso criamos a Iniciativa de Segurança contra a Proliferação -60 países assinaram até agora, acredito, para tentar interditar e deter a difusão de tecnologias e suprimentos. E estamos observando com cuidado.

Pergunta - A difusão é uma ameaça igualmente urgente, em sua opinião, ou o sr. acha que seja menos provável em relação à Coréia do Norte e ao Irã?
Bush -
Não vou qualificar minha declaração. É uma questão que estamos observando com muito cuidado.

AQUECIMENTO GLOBAL

Pergunta - Por que seu governo mudou de posição quanto às causas do aquecimento global?
Bush -
Mudei? Não creio que isso tenha acontecido.

Pergunta - De acordo com...
Bush -
Discordo.

Pergunta - O sr. disse que quase certamente a causa seja o monóxido de carbono, ao contrário do que dizia no passado [que não era possível afirmar qual a causa exata do aquecimento global].
Bush -
Creio que essa tenha sido minha posição durante a campanha, se não me engano.

Mas houve uma mudança...
[O porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan, intervém.]

Scott McClellan - Você está falando do relatório da Academia Nacional de Ciências?

Pergunta - Sim, sim.
McClellan -
Sempre comentamos, a esse respeito, que seríamos orientados pela visão científica, e é por isso que o presidente fez muito quanto à alteração climática, pelo avanço da ciência das alterações no clima, e também promovendo mais pesquisas...

Bush - Permita-me conversar com você [a repórter] mais tarde a esse respeito, porque acho que você talvez... Não sei por que você disse o que disse.

Pergunta - Bem, havia uma reportagem no jornal hoje de manhã dizendo que o sr. autorizara a divulgação de um relatório [sobre as causas do aquecimento global] afirmando que...
Bush -
Oh, está bem, então deve ser verdade.

ERROS PRESIDENCIAIS

Pergunta - Na sua última grande coletiva de imprensa, o sr. disse que não se recordava de erros em seu governo. Isso aconteceu três ou quatro meses atrás. O sr. se lembra de algum, agora? Já passou um bom tempo.
Bush -
Você quer dizer, além de estar concedendo esta entrevista?


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