São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2004

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Arredia, Nova York se torna armadilha para Bush

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

A capa desta semana do principal guia de eventos de Nova York, a revista "Time Out", traz a foto da imensa traseira de um elefante, o animal que simboliza o Partido Republicano do presidente George W. Bush. Mais abaixo, há uma montanha de fezes produzida pelo animal e uma vassoura, que procura limpar a sujeira.
Outra publicação típica de Manhattan, a revista "New York", retrata os republicanos - com Bush e seu vice, Dick Cheney, à frente- como invasores bárbaros de chapéus com chifres cruzando o Hudson, rio que cerca a ilha. No fundo da ilustração, mala em punho, a Estátua da Liberdade desce do pedestal e sai de fininho.
Embora a prefeitura da cidade esteja nas mãos dos republicanos pelo terceiro mandato consecutivo, quatro em cada cinco eleitores de Nova York votaram em Al Gore contra Bush na eleição presidencial de 2000. No Estado, a proporção a favor do democrata foi de três em cada cinco.
O evento foi planejado para coroar a liderança de Bush na guerra contra o terrorismo numa cidade que ficou marcada pelos atentados de 11 de setembro de 2001 -as torres gêmeas do World Trade Center, em Manhattan, foram atingidas e destruídas naquele dia. Mas, quase três anos depois, Nova York se transformou nesta semana em um ímã de protestos contra o presidente e seu partido.
Cerca de 400 mil manifestantes são esperados em protestos a partir de hoje na cidade. Nos últimos dias, pequenas manifestações, com gente pendurada em prédios e pessoas sem roupa em avenidas, anteciparam o que vem por aí.

Fervor nas ruas
A polícia estima que fará 500 detenções ao dia entre hoje e quinta-feira, quando Bush finalmente desembarca na cidade para aceitar a nomeação de seu partido para disputar a reeleição.
A pouco mais de dois meses da eleição, Bush continua tecnicamente empatado com o adversário democrata John Kerry em nível nacional, segundo novas pesquisas divulgadas ontem.
Bush passará apenas algumas horas em uma Nova York tomada por milhares de manifestantes e por 11 mil policiais, envoltos em um esquema de segurança de mais de US$ 80 milhões.
Diferentemente dos democratas, que já fizeram cinco eventos do tipo na cidade, esta será a primeira Convenção Nacional Republicana da história de Nova York.
Tirando os aspectos logísticos, que envolveram mais de US$ 160 milhões, entre a organização e a segurança do evento, nada saiu como planejado.
O longo processo de escolha do local da convenção republicana começou no dia 15 de novembro de 2001, com uma Nova York ainda chocada pelos atentados do 11 de Setembro e com a imagem ainda fresca de Bush ao lado de bombeiros sobre os escombros do World Trade Center.
Michael Bloomberg, atual prefeito da cidade, foi a Washington tentar convencer a Casa Branca da idéia, que, segundo suas previsões, poderia gerar US$ 250 milhões em receitas para Nova York.
Neófito republicano que só entrou para o partido para não ter de disputar prévias com vários candidatos no campo democrata, Bloomberg havia vencido as eleições para a Prefeitura de Nova York nove dias antes. Foi catapultado para o cargo por uma das principais personalidades do 11 de Setembro, o ex-prefeito republicano Rudolph Giuliani.
Ao longo de 2002, a popularidade de Bush se manteve em alta (e em níveis recordes em Nova York) com uma até então bem-sucedida campanha militar no Afeganistão e um forte discurso de segurança interna.
Em dezembro de 2002, o acordo para a realização do evento em Manhattan foi selado e providências irreversíveis começaram a ser postas em prática.

Até bombeiros protestam
As grandes dificuldades do pós-guerra no Iraque, o discurso cada vez mais conservador e a lenta recuperação econômica dos EUA fizeram a popularidade de Bush despencar na cidade. Muitos nova-iorquinos agora vêem na convenção republicana uma oportunidade rara para protestar.
Um entre cada dez habitantes de Manhattan pretende participar de pelo menos um evento anti-Bush, segundo pesquisa divulgada ontem. Mesmo os mais declamados heróis do 11 de Setembro, os bombeiros, protestarão contra corte de verbas e rendimentos.
Os republicanos estão tratando de associar a "intolerância" refletida nas manifestações e as prisões, que já começaram, com o Partido Democrata e Kerry.
Embora simpatizantes dos democratas, os organizadores das duas principais manifestações previstas para hoje e manhã -com estimativas de 75 mil e 250 mil participantes, respectivamente- negam envolvimento do partido de Kerry.
O Partido Democrata montou um quartel-general a poucos metros do Madison Square Garden, palco da convenção republicana, para também se fazer ouvir durante o evento. À frente do grupo, está uma democrata que não tem motivos para lamentar muito uma eventual vitória de Bush para um segundo mandato: a senadora por Nova York, já considerada pré-candidata favorita à Presidência em 2008, Hillary Clinton.


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