São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2011

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Vingada, Cristina acirra atrito com a imprensa argentina

Casa Rosada interpreta a vitória da presidente em prévia eleitoral como respaldo à sua política para setor de mídia

Governo diz que irá "até o final" em seu plano de combater os monopólios do setor com leis restritivas

LUCAS FERRAZ
SYLVIA COLOMBO

DE BUENOS AIRES

Respaldado pelo apoio de mais de 50% do eleitorado nas votações primárias, o governo de Cristina Kirchner prevê aprofundar as medidas contra o monopólio da mídia.
A Casa Rosada, em guerra declarada contra a imprensa desde 2008, a considera a maior derrotada do pleito de duas semanas atrás, uma espécie de prévia da disputa presidencial, que acontece em outubro. As primárias confirmaram o favoritismo de Cristina à reeleição.
À Folha, Gustavo Bulla, um dos formuladores da lei contra o monopólio da mídia, disse que a "acachapante votação da presidente legitimou a vigência da legislação".
E afirmou: "Não há uma vinculação explícita entre uma coisa e outra, não foi um plebiscito, mas as pessoas votaram também na lei, que é uma das políticas mais importantes do governo".
Bulla, diretor nacional de supervisão e avaliação da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, órgão responsável pelo tema, diz que não há "possibilidade de retrocesso, o governo vai até o final".
Elaborada logo depois do conflito entre produtores do campo e o governo, em 2008, quando o "Clarín" passou de aliado a principal inimigo dos Kirchner, a legislação foi aprovada pelo Congresso em 2009. Ela visa regular o setor de rádio e TV, limitando a participação de empresas privadas nesses mercados.
O Grupo Clarín, maior conglomerado de mídia da Argentina, é o principal afetado. No ano passado, obteve liminar judicial que suspendeu a aplicação da lei.
"Esses poderes concentrados fizeram reféns não só os governos argentinos, mas também o poder judiciário", comenta Bulla. O governo recorre, e o caso será julgado pela Suprema Corte, provavelmente no início de 2012.

PAPEL-JORNAL
Mas há outras medidas.Uma delas é tirar a empresa de papel-jornal Papel Prensa do controle dos jornais "Clarín" e "La Nación", que são sócios do Estado argentino no empreendimento desde a última ditadura militar (1976-83).
O governo argumenta que os jornais se alinharam à ditadura e cometeram crime de lesa-humanidade para controlar a empresa. Relatório recente do Ministério da Economia aponta má gestão dos diários, que se beneficiariam ao comprar papel por valor abaixo do praticado no mercado.
Cristina enviou ao Congresso, neste ano, projeto que considera o papel-jornal um insumo de interesse nacional -ainda não foi votado. Outra medida é fortalecer a TV aberta, atacando por tabela o Grupo Clarín, dono da Cablevisión, a maior operadora de TV a cabo do país.
O primeiro passo foi dado com a estatização do campeonato argentino, exibido atualmente na TV pública -antes os jogos só eram exibidos em um canal pago, pertencente ao Clarín.
Em 2012, o governo multiplicará por sete o número de canais na TV aberta. Foi anunciada a licença de mais 273 canais no sistema de TV digital. Além das frequências, o governo vai abrir uma linha de crédito para financiar a produção de conteúdo. "O objetivo", diz Bulla, "é garantir a multiplicidade de vozes".
Para o "Clarín", "são movimentos que preocupam, sobretudo a necessidade de criar um adversário. Ninguém questiona a legitimidade do governo, mas isso não pode dar margem para atos inconstitucionais", declarou Martín Etchevers, porta-voz do grupo.
Apesar dessas medidas, o sub-diretor do jornal "La Nación", Fernán Saguier, crê que a tensão pode diminuir num próximo governo Cristina. "A população está pedindo moderação, por isso acho que há uma chance de que se amenize o conflito. É essencial para a democracia que a imprensa possa ser exercida livremente", disse.
Para o jornalista Jorge Lanata, fundador do "Página12", o governo deve ampliar a ofensiva ao "Clarín" no sentido de tentar "desmanchar o monopólio".
A Folha apurou que a permanência de algumas figuras no governo Cristina incomoda os meios. É o caso do atual ministro da Economia e candidato a vice-presidente, Amado Boudou da província de Buenos Aires.


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