São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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VENEZUELA
Diante do Congresso, manifestantes pró e contra o governo se enfrentam pela primeira vez na era Chávez
Choque em Caracas deixa 35 feridos

Associated Press
Partidário da oposição (dir.) entra em choque com manifestante pró-Chávez, ontem, em frente ao Congresso, em Caracas


ELIANE CANTANHÊDE
enviada especial a Caracas

Pela primeira vez desde a posse do presidente Hugo Chávez, em fevereiro, houve tumultos de rua ontem em Caracas. A Guarda Nacional e a Polícia Metropolitana usaram gás lacrimogêneo e jatos d'água para desfazer choques entre manifestantes pró e contra Chávez, diante do Congresso. Pelo menos 35 pessoas teriam ficado feridas.
Cerca de 200 policiais cercaram o prédio a partir das 5h, para impedir que deputados e senadores de oposição entrassem no Congresso e tentassem abrir uma sessão extraordinária. O Congresso está proibido de se reunir pela Assembléia Constituinte.
Apesar da polícia, vários parlamentares, inclusive três mulheres, conseguiram entrar no prédio. Eles pularam as grades de ferro e protagonizaram cenas fortes, gravadas, fotografadas e distribuídas por todo o mundo, passando uma idéia de fragilidade do regime.
A crise política se alastra rapidamente na Venezuela. A sensação éque o presidente Hugo Chávez começa a perder o controle da situação, apesar da alta popularidade (quase 80%) e do sólido apoio das Forças Armadas.
O presidente da Assembléia Constituinte, Luis Miquelena, cumpriu o que dissera na véspera à Folha: não economizou meios para tentar impedir a entrada dos oposicionistas ontem. Ele, porém, errou na previsão: "Aqui eles não entrarão", dissera. Alguns conseguiram entrar.
Entre os parlamentares que pularam o portão e entraram no Congresso estavam Sergio Urdanuta (Copei) e Mireia Rodriguez e Maria Izabel Canales (ambas do Projeto Venezuela).
Os agentes de segurança do Congresso, que se postavam ao longo da cerca, pelo lado de dentro, permaneceram impassíveis. Não tentaram em nenhum momento impedi-los fisicamente.
A confusão era intensa, com policiais, parlamentares, manifestantes e repórteres correndo de um lado para outro. Nem o chefe da operação policial, Egmidio Salgado, fardado e com capacete, escapou de um jato d'água.
Entre os feridos, a repórter Natalie Salas, da Globovision (canal 13), atingida por gás lacrimogêo.
Os canais de televisão conclamavam a população a usar o metrô ou desistir de ir ao centro da cidade, para evitar agravar ainda mais o já congestionado tráfego da capital venezuelana.
Os tumultos, porém, concentraram-se apenas na região do Congresso.
O prefeito de Caracas, Antonio Ledezma (da oposicionista Ação Democrática), foi ao local e aproveitou bem os holofotes: "Não podemos permitir isso, nem que me custe o cargo ou a vida".
Enquanto polícia e parlamentares se enfrentavam diante do Palácio Legislativo, ou Capitólio, prosseguia a tentativa de entendimento iniciada na noite de quinta-feira entre Miquelena e os dois principais líderes de oposição, César Perez Vivas (Copei) e Pedro Tabata Guzmán (Ação Democrática), sob a mediação da Igreja Católica.

Início do confronto
Há duas versões para o início do confronto entre manifestantes pró e contra Chávez em frente ao prédio do Congresso.
A primeira dizia que um grupo de extremistas da oposição decidiu não aguardar as negociações de cúpula e queria forçar de qualquer jeito a realização da proibida sessão extraordinária.
A outra versão: a intenção dos oposicionistas era simplesmente entrar no prédio do Congresso e aguardar as negociações intermediadas pela Igreja. Só depois do desfecho decidiriam partir ou não para o confronto, tentando a abrir a sessão.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados Ramón Aveledo (Copei), que participou das manifestações mas não conseguiu entrar no Congresso, disse à Folha que a intenção dos parlamentares de oposição era apenas entrar no prédio e aguardar as negociações.
"Agora, a nossa decisão é firme: faremos a sessão de qualquer jeito, nem que seja no meio da rua", ameaçou, por volta das 12h (13h de Brasília).
"No Brasil, a constituinte funcionou sem suspender as instituições e as leis. Por que na Venezuela não pode ser assim?", indagou Aveledo.


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