São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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RIVALIDADE
Sobretaxa americana a produtos europeus gera onda de protestos diante de lanchonetes McDonald's
Cidade na França vira símbolo anti-EUA

HAROLDO CERAVOLO SEREZA
enviado especial a Millau e Roquefort

McDonald's da França viraram ponto de encontro -de manifestantes. Desde que os EUA decidiram sobretaxar uma série de produtos europeus, em especial franceses, em 100%, os protestos "antiimperialistas" têm lugar marcado.
A decisão dos Estados Unidos é uma retaliação ao fato de a União Européia impedir a importação de carne norte-americana.
Millau, cidade situada na região que produz o queijo roquefort, um dos produtos da lista, virou a capital anti-McDonald's depois que produtores de leite de ovelha protagonizaram o mais radical protesto contra os EUA.
Organizados pela Confederação Camponesa, gritando palavras de ordem em occitano (língua regional), 250 criadores de ovelha invadiram o "restaurante" (um jornal local, apesar de condenar o ato, coloca a palavra entre aspas) em construção e o desmontaram parcialmente, levando peças para a sede, em Millau, do governo da região do Aveyron (sul).
Cinco sindicalistas foram presos, quatro foram liberados após o pagamento de fiança. Os protestos em frente ao McDonald's em outras cidades (acontecem até três por dia) agora pedem também a liberação do único que continua preso, José Bové.
Bové, com formação em filosofia, é um conhecido militante rural na França, desde os anos 70.
Até a invasão do McDonald's, em 12 de agosto, suas mais recentes ações haviam sido a destruição de plantas de milho transgênico (que lhe valeram uma condenação de oito meses de prisão) e de arroz transgênico, em 98.
Bové também fez parte do grupo que tentou impedir a realização de testes nucleares pela França na Polinésia, em 95.
O prejuízo, segundo o proprietário da franquia, foi de US$ 167 mil. "Um absurdo", disse à Folha Léon Maillé, que passou dois dias na prisão na semana passada. "Todo o custo de construção está estimado em US$ 67 mil." Agora, começa a reforma da lanchonete.
A primeira manifestação anti-McDonald's -tomado como representante ao mesmo tempo da globalização e dos EUA- aconteceu em Paris, no dia 30 de julho, após a decisão da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Jovens militantes do RPR (direita), partido do presidente Jacques Chirac, protestavam em frente a uma lanchonete da rede na avenida Champs Elysées, na capital francesa, com uma degustação de roquefort, o mais tradicional queijo de leite cru (não pasteurizado) francês.
Na opinião dos produtores de leite de ovelha, o McDonald's é símbolo não só do imperialismo "ianque", mas também de uma alimentação não saudável, de uma agricultura destrutiva (com o uso de transgênicos, por exemplo) e de uma relação de trabalho que desrespeita os empregados, mal pagos e não sindicalizados.
Dois partidos governistas (esquerda), o Verde e o MDC (Movimento dos Cidadãos), apoiaram ostensivamente os sindicalistas.
A Attac, associação que prega a cobrança de taxas sobre transações financeiras e luta contra a globalização, também considerou a repressão desmedida para o dano provocado.
Em Millau, que tem 22 mil habitantes, a ação dos sindicalistas é muitas vezes criticada pela destruição provocada. Mas é raro quem não lhes dê razão.
"O McDonald's é a cozinha como negócio. Não é fácil ser camponês", diz a gerente de hotel Françoise Austruy, 33. "É bom que alguém reaja, o problema é que não adianta destruir, porque eles voltam. O que podemos contra os EUA?", completa.
"Sempre como no McDonald's, quando tenho pressa. Mas acho que eles estão certos", diz o estudante Bertrand Marti.
O prefeito de Millau, Jacques Godfrain, não apóia o ato, mas adota o discurso contra os EUA: "A questão da carne com hormônios é de higiene alimentar".
O queijo roquefort é a base da economia de Aveyron. Sua produção envolve 10 mil empregos.
O mercado dos EUA representa apenas 2,5% do total, mas era o único em crescimento -os norte-americanos fazem pizza de roquefort, o que garante lucro e piadas entre os franceses.


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