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ENTREVISTA
JULIA SWEIG
Honduras expõe tensão recente entre governos de Brasil e EUA
Para especialista, diplomacia brasileira pode ter "atenção mais positiva" da Casa Branca com tom mais firme sobre o Irã
O "SURPREENDENTE" protagonismo que o
Brasil adquiriu na crise em Honduras, em
contraste com a posição vacilante dos
EUA, expõe a tensão recente entre os dois
países, depois de um início que parecia promissor
após a posse de Barack Obama, em janeiro. O Brasil vê
sua expectativa de ser a ponte para uma relação renovada entre a Casa Branca e a região frustrada pelo novo governo, "incrivelmente vulnerável" à oposição
conservadora no Congresso e até agora sem porta-voz
para a política hemisférica. Mas é possível que os EUA
esperem posição mais firme do Brasil numa questão
que consideram vital, o programa nuclear do Irã.
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Este é, em resumo, o diagnóstico feito por Julia Sweig,
diretora para a América Latina
do Council on Foreign Relations, que reúne parte da elite
dos estudiosos da política externa americana. Sweig conversou com a Folha por telefone e e-mail no fim de semana.
Abaixo, trechos da entrevista.
FOLHA - A Casa Branca parecia satisfeita com a situação que havia antes da volta do presidente deposto
Manual Zelaya a Honduras, de esperar para ver o que fazer depois das
eleições lá. Qual a sua opinião?
SWEIG - Não sei. Se você pensar
que a estratégia do Departamento de Estado e da Casa
Branca sempre foi se mover vagarosamente, até que houvesse
eleições que eles pudessem
descrever como legítimas, pode-se dizer que estavam satisfeitos.
Mas na semana retrasada
veio o anúncio de que eles [do
governo americano] finalmente imporiam sanções adicionais
[ao governo golpista]. Portanto,
ainda havia dúvidas sobre se as
eleições poderiam ser reconhecidas. E agora a ONU anunciou
que vai retirar sua assistência
eleitoral. Acho, francamente,
que ninguém sabe o que fazer.
FOLHA - Por que os EUA se moveram tão devagar?
SWEIG - O fator importante é
que este governo, pelo menos
no que diz respeito à América
Latina, tem tentado excessivamente acomodar a oposição no
Congresso, fantasmas da Guerra Fria que saíram do armário
com esse evento [o golpe hondurenho].
Depois que Obama e [a secretária de Estado] Hillary Clinton
disseram as coisas certas sobre
restaurar o governo legítimo,
foram alvo de uma chuva de críticas por supostamente facilitar a aliança chavista na região.
E se mostraram incrivelmente
vulneráveis.
Claro que o oposto é verdadeiro. Ao se moverem com
mais força para restaurar Zelaya, eles teriam esvaziado a retórica de [o presidente da Venezuela, Hugo] Chávez.
Essas forças no Congresso
ainda seguram a confirmação
do novo secretário de Estado
assistente para a região [Arturo
Valenzuela] e do novo embaixador no Brasil [Thomas Shannon, ex-responsável pelo hemisfério no Departamento de
Estado].
FOLHA - Qual o impacto regional
de o Brasil ter recebido Zelaya na
embaixada?
SWEIG - É cedo para dizer. Mas
acho que isso surpreendeu,
porque o Brasil não tem tradicionalmente esse ativismo em
sua política externa. É muito
ativo nos bastidores, na resolução de conflitos na América do
Sul etc. Mas Honduras é o último lugar na América Latina onde você esperaria que o Brasil
assumisse um papel ativo.
Acho que a frustração foi
crescendo, o compromisso verbal dos EUA com a democracia
não foi apoiado por fatos. E isso, claro, dá ao Brasil uma oportunidade para elevar sua posição na região.
FOLHA - Mas o governo brasileiro
também é acusado de intromissão
nos assuntos internos hondurenhos. Qual o limite entre intervenção indevida e a defesa da democracia?
SWEIG - Esse é um longo debate. A Carta Democrática da
OEA (Organização dos Estados
Americanos) não é um documento intervencionista. Há
uma grande diferença entre tomar medidas para corrigir violações de princípios articulados
na Carta e intervir em assuntos
internos de outro Estado.
Mas o risco de ser uma potência nesta região ou globalmente é que você fica vulnerável à acusação de intervenção,
seja por ação ou seja por omissão.
Do meu ponto de vista, a disposição do Brasil em enfatizar a
legitimidade do pleito de Zelaya pela volta à Presidência não
deve ser confundida com intervenção no sentido clássico. Dito isso, pode ser que ir da retórica à prática, permitindo que
Zelaya se estabeleça na embaixada, seja um passo ambicioso
demais mesmo para o compromisso do governo Lula em restaurar a ordem democrática.
FOLHA - E o que isso significa na relação do Brasil com os EUA?
SWEIG - Não vi os EUA dizerem
nada publicamente sobre a decisão do Brasil de permitir a entrada de Zelaya na embaixada.
Você viu?
FOLHA - O chanceler Celso Amorim
e a embaixadora americana na ONU
tiveram uma discussão [na sexta-feira]. A embaixadora disse que o
Brasil recorrera ao fórum errado para tratar de Honduras.
SWEIG - Lembre-se de que hoje
não há nenhuma liderança respondendo pela América Latina
no governo americano. Temos
o Afeganistão, a questão nuclear no Irã. O último lugar em
que este governo quer pôr sua
energia é na região.
O que eu diria é que há tensões entre EUA e Brasil, como
essa conversa sobre Honduras
sugere. Mas isso pode forçar
uma atenção [ao Brasil] em nível superior, porque os dois governos, seja no G20, no tema da
mudança climática, em Cuba,
precisam um do outro. Ambos
têm a ganhar com relações
mais fortes e menos polarizadas.
FOLHA - O acordo para o uso pelos
EUA de bases na Colômbia contribuiu para essa tensão?
SWEIG - Nos primeiros nove
meses deste ano, o Brasil queria
ser visto como a potência na
América do Sul que poderia
ajudar Washington a recuperar
sua posição na região. Mas
ocorreu que, primeiro, do ponto de vista brasileiro os EUA
não se moveram com a rapidez
esperada na questão de Cuba [o
governo brasileiro tem insistido no fim do embargo].
Depois, vieram as bases.
Acho que falhas da diplomacia
americana levaram a uma batalha desnecessária. Se a consulta
à região tivesse sido mais séria,
a tensão poderia ter sido evitada.
FOLHA - Quem está no comando
da diplomacia para a região nos
EUA?
SWEIG - Ninguém sabe. Thomas Shannon submergiu, porque não quer pôr em risco sua
confirmação para a embaixada
em Brasília. Não acho que isso
[a disputa sobre as bases] teria
acontecido se ele e Valenzuela
não tivessem sido tão enfraquecidos pelo caso de Honduras. E aí é que tudo se junta.
FOLHA - Há preocupação nos EUA
com o acordo militar entre Brasil e
França?
SWEIG - Diria que há alguma
preocupação, não porque seja a
França, que é aliada dos EUA,
mas porque reflete a redução
da influência dos EUA na região. Mas há algo importante
sobre o Irã.
FOLHA - O que é?
SWEIG - Com o aumento do foco sobre o Irã, haverá uma expectativa em Washington de
que uma potência como o Brasil deve se juntar a França, Reino Unido, EUA, Alemanha,
China e Rússia [o grupo que iniciará negociações com Teerã na
próxima quinta-feira] na advertência ao Irã de que haverá
um preço a pagar por não cumprir as regras da AIEA (Agência
Internacional de Energia Atômica) ou enganá-la.
A percepção de que o presidente Lula se preocupa pouco
com as pretensões nucleares do
Irã ou com a anormalidade extrema das últimas eleições [iranianas] pode alimentar a sensação em Washington de que o
problema brasileiro em Honduras poderia ter uma atenção
mais positiva dos EUA se o Brasil expressasse posição mais
dura sobre o Irã.
Proliferação nuclear e Irã são
questões vitais para os EUA, e a
impressão de que Lula tenta ficar acima disso pode diminuir a
posição brasileira em temas
mais perto de casa. O Brasil pode condenar as instalações secretas iranianas [denunciadas
por EUA, França e Reino Unido
na semana passada] sem sacrificar suas prioridades nas relações Sul-Sul.
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