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ANÁLISE
Mensagem do banho de sangue
ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"
Decifrar a mente -é isso o que
é preciso fazer numa guerra de
guerrilha. Descobrir como ele
funciona, o que está tentando fazer. Ramadã? Um ataque contra o
quartel-general dos EUA em Bagdá e quatro explosões suicidas, tudo isso no início do Ramadã? Dezenas de mortos? Onde foi que eu
ouvi essas estatísticas antes?
E como os ataques puderam ser
tão bem coordenados -talvez
não sofisticados, mas bem cronometrados, segundo por segundo?
E por que a Cruz Vermelha? Eu
conhecia aquele edifício, admirava a maneira pela qual o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha
evitava aproximar-se da ocupação americana -mesmo que isso
significasse colocar a vida em risco, já que os guardas postados
diante de sua sede em Bagdá não
portavam armas.
Aqui vai a resposta à primeira
pergunta: Argélia. Depois que o
governo argelino proibiu, em
1991, as eleições democráticas que
teriam conduzido ao poder a
Frente Islâmica de Salvação, a
crescente revolta muçulmana
transformou-se numa batalha
sangrenta entre o chamado Grupo Islâmico Armado, no qual
muitos integrantes tinham experiência de combate, obtida no
Afeganistão, e um governo com
força policial brutal. Três anos depois, os chamados "islâmicos"
-ao que parece com assistência
de oficiais de inteligência do Exército- cometiam massacres contra os habitantes do chamado
"triângulo de Blida"". Não o
Triângulo Sunita do Iraque de hoje, mas um território triangular
que cerca a cidade islâmica de Blida, perto de Argel.
E as piores de todas as atrocidades -decapitação de crianças, estupro e degola de mulheres, assassinato de policiais- foram cometidos no início do Ramadã.
No Ramadã, que os jornais costumam descrever como "o mês
do jejum sagrado" (o que é exato
apenas até certo ponto), os ânimos muçulmanos se exaltam.
Nesses dias vistos como abençoados, os muçulmanos sentem que
precisam fazer algo importante
para que Deus lhes dê ouvidos.
Não há nada no Alcorão referente
a violências cometidas no Ramadã, tampouco a quem comete
atentados suicidas (assim como
nada no Novo Testamento incentiva cristãos a cometer os genocídios e limpezas étnicas nas quais
se especializaram nos últimos 200
anos), mas os fiéis wahabitas sunitas em várias instâncias já juntaram a guerra santa à "mensagem", ou "dawa", durante o Ramadã.
E qual era essa mensagem? A
mensagem política transmitida
em Bagdá nos últimos dois dias é
simples: ela diz aos iraquianos
que os americanos não são capazes de controlar o Iraque. E, o que
possivelmente seja mais importante, diz aos americanos que os
americanos não podem controlar
o Iraque. Mais importante ainda,
diz aos iraquianos que eles não
devem trabalhar para os EUA.
Quem ainda quer ser policial iraquiano depois de ontem? A mensagem também reconhece as regras de combate anunciadas pelos
EUA: matar os líderes inimigos.
Os EUA mataram os dois filhos (e
um neto) de Saddam e se gabam
de ter matado integrantes da Al
Qaeda no Afeganistão e no Iêmen, da mesma maneira que Israel mata palestinos do Hamas e
do Jihad Islâmico.
Será que foi por acaso que o helicóptero Black Hawk abatido sobre o Iraque foi atingido quando
sobrevoava Tikrit, pouco depois
da passagem de Paul Wolfowitz
pela cidade? O ataque ao hotel
Rashid, uma versão muito mais
eficiente do ataque com foguete
lançado há seis semanas, não matou Wolfowitz por muito pouco.
Consta que ele estava a um cômodo de distância dos locais atingidos pelos mísseis. O arquiteto de
toda a invasão anglo-americana
do Iraque quase foi assassinado
pelos inimigos da América. Será
que eles sabiam em que quarto do
hotel ele dormia? Em vista do número de funcionários iraquianos
do Rashid, é provável que sim.
E há, finalmente, a Cruz Vermelha, a última "interlocutora viável" na visão dos americanos, desde o ataque suicida duplo contra a
sede da ONU a derradeira organização humanitária neutra capaz
de garantir alguma comunicação
entre os EUA e seus antagonistas.
Agora também ela foi atingida
gravemente.
É possível que alguns dos inimigos dos EUA venham de outros
países árabes -e, se é fato que
um dos suicidas de ontem veio da
Síria, também é fato que os muçulmanos sunitas do norte da Síria, na região de Aleppo, estão se
tornando cada vez mais rígidos na
observância religiosa-, mas a
maior parte da oposição militar à
presença americana vem de sunitas iraquianos. Não dos "remanescentes das forças de Saddam"
(esse é o termo usado por Paul
Bremer para encobrir a existência
de uma resistência iraquiana real
e crescente), mas de homens que,
em muitos casos, odiavam Saddam.
Eles não trabalham "para" a Al
Qaeda. Não trabalham para o mulá Omar ou para Osama bin Laden. Mas aprenderam sua versão
própria e singular da história: ataque seus inimigos no mês sagrado
do Ramadã. Aprenda com a guerra na Argélia e com a guerra no
Afeganistão. Aprenda as lições da
"guerra ao terror" americana. Vá
direto à jugular: mate as lideranças. Ou você está do nosso lado ou
está contra nós. Foi essa a mensagem do banho de sangue de ontem em Bagdá.
Tradução de Clara Allain
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