São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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ELEIÇÃO NA ARGENTINA / O DIA D

Economia favorece projeto continuísta do casal Kirchner

Enrique Marcarian - 25.out.07/Reuters
Kirchner e Cristina sob chuva de papel picado no comício de encerramento da campanha para a Presidência da Argentina


Recuperação pós-crise dá vantagem a Cristina na votação hoje, apesar das denúncias de corrupção e da alta da inflação

Principal adversária é Elisa Carrió; segundo pesquisas, dois terços dos eleitores argentinos votarão em uma mulher para presidente

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

Se forem confiáveis os números das pesquisas -o que a oposição contesta-, a primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner, 54, se tornará hoje a primeira mulher a ser eleita presidente da Argentina, país que é a segunda maior economia do Mercosul e que tem no Brasil seu principal parceiro comercial.
Cristina vencerá as eleições neste primeiro turno se superar 45% dos votos, ou então se passar de 40% e tiver vantagem superior a dez pontos sobre o segundo colocado, que as pesquisas indicam que será a ex-deputada Elisa Carrió, 50.
De qualquer maneira, cerca de dois terços dos eleitores argentinos deve optar hoje por uma mulher para ser a próxima ocupante da Casa Rosada, fato inédito no país.
A Argentina já foi presidida por uma mulher -Maria Estela Martínez de Perón, a Isabelita (1974-1976). Ela era, porém, vice-presidente eleita e assumiu após a morte do marido, Juan Domingo Perón.
Estão registrados para votar mais de 27 milhões de argentinos. O desinteresse eleitoral faz com que seja esperada, porém, cerca de 30% de abstenção, embora o voto seja obrigatório. O desinteresse foi a marca da campanha. Cristina conseguiu instalar a idéia de que já ganhara e a oposição, fragmentada, não cativou os votantes.
"O eleitorado decidiu há muito tempo que não está interessado em mudar e por isso se nega a deixar-se influir por detalhes como uma corrupção galopante, inflação em alta e uma crise energética que com certeza se agravará. Esses e outros temas, em um país normal, seriam mais do que suficientes para garantir a derrota do governo", diz o analista político James Neilson.

Patrimônio
Com todos esses percalços recentes, Cristina tem a seu favor o maior patrimônio do governo do marido, Néstor Kirchner -a incrível recuperação econômica após a crise pela qual o país passou em 2001 e 2002, quando, com uma dívida impagável, foi obrigado a pôr fim à paridade peso/dólar e a decretar moratória.
"Em geral, o critério mais utilizado pelas pessoas na hora de votar é o econômico. Na Argentina é determinante. Da mesma maneira que o "que se vayan todos" esteve diretamente associado à crise de 2001, agora teremos o voto depois do incêndio favorecendo Cristina", afirma Orlando D'Adamo, diretor do Centro de Opinião Pública da Universidade de Belgrano.
Em julho, a estratégia de lançar Cristina no lugar de Kirchner, quando o presidente era bem avaliado e tinha possibilidade legal de se reeleger, pareceu arriscada. Três meses depois, a popularidade de Kirchner baixou pela primeira vez da casa de 50% e o discurso de "continuidade com mudança" de Cristina parece ter atraído à primeira-dama eleitores que não apoiariam seu marido.
Uma pesquisa do instituto Poliarquia, por exemplo, revela que Cristina mantém a liderança mesmo entre os eleitores que consideram que a situação do país é negativa.
Se realmente for eleita hoje, Cristina chegará ao poder com muito mais força do que tinha Kirchner ao assumir em 2003 -em um cenário de instabilidade, ele tomou posse com apenas 22% dos votos, já que o rival dentro do peronismo Carlos Menem, que governara o país de 1989 a 1999, desistiu de disputar o segundo turno. Os jornais da época previram que o governo não duraria seis meses, um dos motivos pelos quais os Kirchner guardam mágoas da imprensa até hoje.

Cenário diferente
Cristina assumirá, se eleita, em um cenário diferente. Com a maioria dos votos, ou quase isso. Com a imensa maioria dos governadores argentinos a seu favor -Kirchner teve que construir uma base, a Frente para a Vitória, a partir de peronistas de outras correntes e mesmo com integrantes da União Cívica Radical, rival histórica do peronismo. Com uma possível maioria absoluta no Congresso, que Kirchner nunca teve.
As urnas serão fechadas às 18h da Argentina (19h do Brasil). A apuração não será simples: algumas cidades votarão para nove cargos -presidente, senador, deputado, governador, deputado e senador provincial, prefeito, vereador e conselheiro escolar.
Na Argentina não existe voto eletrônico. Cada categoria de voto é impressa numa cédula que vem unida a outras cédulas de candidatos da mesma coligação. É permitido, porém, o chamado "corte de cédula", pelo qual o eleitor vota em candidatos de diferentes partidos para diferentes cargos -o que torna a apuração demorada.
A oposição deu sinais de que só aceitará os resultados da apuração definitiva, que termina em 9 de novembro, e não os números provisórios que devem estar totalizados amanhã.

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