São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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ELEIÇÃO NA ARGENTINA / ARTIGO

Kirchner e o peronismo renovado

TORCUATO S. DI TELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O sistema político argentino pode considerar-se "incompleto" devido à ausência, como jogadores da primeira divisão, de um movimento social-democrata e também de uma direita aceitável, ambos capazes de obter uma representação eleitoral importante.
Existe uma série de razões históricas para que isso seja assim, razões essas cuja análise exaustiva seria demasiado demorada. Mas, a meu ver, existem forças sociais que vão levar o sistema político-partidário argentino a alinhar-se com o de países de desenvolvimento equivalente ou superior.
Isso implica a força de uma direita renovada, a fraqueza terminal de um centro que não se alie com um dos pólos, e a existência de um partido popular, que pode ser do tipo social-democrata, ou, talvez mais provavelmente, do tipo norte-americano, pelo menos numa primeira etapa. Esse partido popular é o peronista -renovado, é claro.
A variante argentina do nacionalismo popular difere bastante da brasileira, onde o varguismo nunca teve um componente sindical equivalente. Por outro lado, a consolidação de um partido como o PT de Lula é um fenômeno novo, que não tem equivalente na Argentina e que reflete o grau maior de industrialização no Brasil.
Diferentemente da aliança bifrontal do varguismo (PTB sindicalista e PSD dos notáveis regionais), o peronismo sempre esteve unificado em um só partido. Contudo, sempre teve muitas correntes internas, que podem ser caracterizadas da seguinte maneira:
1. O peronismo sindical,dos setores operários urbanos da parte mais industrializada do país, muito mobilizados.
2. O peronismo das Províncias do interior, mais caudilhista e com base numa população pobre e pouco mobilizada
3. O peronismo das elites, minorias significativas embora não bem integradas em suas classes de origem, nas Forças Armadas, no clero, entre os industriais, os intelectuais de direita e outros círculos mais personalistas.
A corrente sindical é semelhante à do clássico PTB brasileiro, mas se diferencia pelo fato de ter sido muito mais influente, devido ao maior desenvolvimento urbano e industrial da Argentina naquela época, embora a estagnação econômica mais recente lhe tenha roubado parte de seu destaque.
A corrente das Províncias do interior é semelhante ao PSD, mas com menos peso. Quanto ao peronismo das elites, era bastante heterogêneo e mais minoritário que seu equivalente brasileiro, pois o varguismo, de modo geral, encontrou um consenso muito maior que o peronismo entre certos setores das classes altas, sem por isso ter sido majoritário entre elas.
O peronismo renovado, que está no governo atualmente, eliminou a maior parte dos elementos arcaicos de sua estrutura de poder. Também já deixou de lado os elementos neoliberais que o influenciaram durante a Presidência de Carlos Menem. Sob a Presidência de Cristina Kirchner, esse processo, já iniciado, deve seguir adiante, sendo bastante provável a formação de uma coalizão com algumas das forças da esquerda reciclada.
Em outras palavras, uma social-democratização, uma evolução "à chilena", para dar apenas um exemplo tirado de nossa própria área geopolítica.


TORCUATO S. DI TELLA é professor emérito da Universidade de Buenos Aires, autor de "Historia de los Partidos Políticos en America Latina" e foi secretário de Cultura da Argentina (2003-2004)

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