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ELEIÇÃO NA ARGENTINA / ARTIGO
Kirchner e o peronismo renovado
TORCUATO S. DI TELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O sistema político argentino
pode considerar-se "incompleto" devido à ausência, como jogadores da primeira divisão, de
um movimento social-democrata e também de uma direita
aceitável, ambos capazes de obter uma representação eleitoral
importante.
Existe uma série de razões
históricas para que isso seja assim, razões essas cuja análise
exaustiva seria demasiado demorada. Mas, a meu ver, existem forças sociais que vão levar
o sistema político-partidário
argentino a alinhar-se com o de
países de desenvolvimento
equivalente ou superior.
Isso implica a força de uma
direita renovada, a fraqueza
terminal de um centro que não
se alie com um dos pólos, e a
existência de um partido popular, que pode ser do tipo social-democrata, ou, talvez mais provavelmente, do tipo norte-americano, pelo menos numa
primeira etapa. Esse partido
popular é o peronista -renovado, é claro.
A variante argentina do nacionalismo popular difere bastante da brasileira, onde o varguismo nunca teve um componente sindical equivalente. Por
outro lado, a consolidação de
um partido como o PT de Lula é
um fenômeno novo, que não
tem equivalente na Argentina e
que reflete o grau maior de industrialização no Brasil.
Diferentemente da aliança
bifrontal do varguismo (PTB
sindicalista e PSD dos notáveis
regionais), o peronismo sempre esteve unificado em um só
partido. Contudo, sempre teve
muitas correntes internas, que
podem ser caracterizadas da
seguinte maneira:
1. O peronismo sindical,dos
setores operários urbanos da
parte mais industrializada do
país, muito mobilizados.
2. O peronismo das Províncias do interior, mais caudilhista e com base numa população
pobre e pouco mobilizada
3. O peronismo das elites, minorias significativas embora
não bem integradas em suas
classes de origem, nas Forças
Armadas, no clero, entre os industriais, os intelectuais de direita e outros círculos mais personalistas.
A corrente sindical é semelhante à do clássico PTB brasileiro, mas se diferencia pelo fato de ter sido muito mais influente, devido ao maior desenvolvimento urbano e industrial
da Argentina naquela época,
embora a estagnação econômica mais recente lhe tenha roubado parte de seu destaque.
A corrente das Províncias do
interior é semelhante ao PSD,
mas com menos peso. Quanto
ao peronismo das elites, era
bastante heterogêneo e mais
minoritário que seu equivalente brasileiro, pois o varguismo,
de modo geral, encontrou um
consenso muito maior que o
peronismo entre certos setores
das classes altas, sem por isso
ter sido majoritário entre elas.
O peronismo renovado, que
está no governo atualmente,
eliminou a maior parte dos elementos arcaicos de sua estrutura de poder. Também já deixou de lado os elementos neoliberais que o influenciaram durante a Presidência de Carlos
Menem. Sob a Presidência de
Cristina Kirchner, esse processo, já iniciado, deve seguir
adiante, sendo bastante provável a formação de uma coalizão
com algumas das forças da esquerda reciclada.
Em outras palavras, uma social-democratização, uma evolução "à chilena", para dar apenas um exemplo tirado de nossa própria área geopolítica.
TORCUATO S. DI TELLA é professor emérito da
Universidade de Buenos Aires, autor de "Historia de los Partidos Políticos en America Latina" e
foi secretário de Cultura da Argentina (2003-2004)
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