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EUA
Segundo o jornalista Thomas Frank, Clinton foi um dos principais responsáveis pela guinada ao centro do Partido Democrata
Não há mais esquerda americana, diz analista
LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK
Enquanto muitos analistas tentam juntar os cacos do Partido
Democrata após a reeleição de
George W. Bush e a expansão do
controle republicano sobre o
Congresso, o jornalista e analista
político Thomas Frank é enfático:
os democratas estão perdidos. A
conclusão vai além: "Não há mais
esquerda nos EUA".
Em conversa por telefone com a
Folha na última semana, Frank
fez um quase-atestado de óbito
para o partido do casal Clinton, de
John Kerry e de Jimmy Carter
-para ele, o último democrata a
vencer uma eleição por mérito do
partido, em 1976.
"Os conservadores hoje têm sua
narrativa para explicar como o
mundo funciona, e os liberais,
não. Aliás, os liberais não têm nada. Eles nem são liberais mais,
não querem ser chamados assim.
Não sabem o que são e em que
acreditam", resume. "Liberal",
nos EUA, é sinônimo de simpatizante da esquerda.
Frank é o autor de "Deus no Céu
e o Mercado na Terra" (ed. Record) e do recém-lançado
"What's the Matter with Kansas"
(qual é o problema com o Kansas,
ainda não lançado no Brasil), no
qual discorre sobre as razões que
levaram os americanos dos Estados mais pobres, como aquele em
que ele nasceu, a votar nos republicanos e a trair seus próprios interesses econômicos.
Para ele, a perda de identidade
democrata já vem transcorrendo
nos últimos 30 anos, mas tornou-se mais evidente recentemente.
Um dos culpados, aponta, é o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), que, para Frank, só se elegeu em 1992 porque o independente Ross Perot dividiu o eleitorado republicano. "Clinton ia privatizar a Previdência Social. Ele
cedeu aos republicanos no Nafta
[bloco comercial do Atlântico
Norte], na lei antitruste e fez coisas que estavam na agenda de
[Ronald] Reagan (1981-1989)."
Um dia antes da entrevista,
Clinton discursara a favor da chamada Terceira Via, defendendo a
combinação das políticas econômicas republicanas às políticas
sociais democratas. "É a estratégia democrata, é o que o Clinton
fez e o que eles querem continuar
fazendo. O que não entendem é
que é preciso confrontar o populismo falso com o verdadeiro."
Para Frank, a única chance de o
partido reconquistar o eleitorado
perdido é retomar o que ele define
como "verdadeiro populismo",
baseado em políticas econômicas
de esquerda, que beneficiam as
camadas mais pobres. "Mas não
vejo ninguém no partido que seja
capaz de fazer isso agora."
Enquanto isso, os republicanos
seguem ganhando espaço com o
"populismo falso", apoiado em
valores morais. "O discurso deles
é todo baseado em alucinações,
teorias da conspiração e erros. Em
cada assunto -aborto, controle
de armas, casamento gay- há
um erro flagrante", diz.
Mas, para Frank, o problema vai
além da tão proclamada guerra
cultural. Sob a bem-sucedida estratégia, afirma, há a distorção do
conceito da lutas de classes. "É a
noção de que não se trata de classes econômicas, mas culturais.
Fala-se em autenticidade. Que a
verdadeira luta de classes nos
EUA não é de empregados e patrões, mas contra os americanos
comuns e a elite liberal." E liberal,
para boa parte da população, virou sinônimo de esnobe.
Por sua vez, os democratas não
só vestem o estereótipo como deixam a história correr sem oposição. "Eles não querem falar em
classe. As pessoas nos EUA
odeiam falar em classes sociais.
Você vai ouvir muitas vezes que
os EUA são uma sociedade sem
classes. Isso é ridículo."
Já a mídia, proclamada como
"liberal", se tornou refém das críticas republicanas. "Toda vez que
eu vou à TV ou ao rádio falar, é
preciso ter alguém do outro lado
para balancear. Mas, quando o
convidado é conservador, não
tem problema ele estar sozinho."
Mas por que ninguém diz nada?
Frank é sucinto: "Não há crítica
porque não há mais esquerda nos
EUA. Há indivíduos, mas não instituições".
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