São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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EUA

Segundo o jornalista Thomas Frank, Clinton foi um dos principais responsáveis pela guinada ao centro do Partido Democrata

Não há mais esquerda americana, diz analista

LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK

Enquanto muitos analistas tentam juntar os cacos do Partido Democrata após a reeleição de George W. Bush e a expansão do controle republicano sobre o Congresso, o jornalista e analista político Thomas Frank é enfático: os democratas estão perdidos. A conclusão vai além: "Não há mais esquerda nos EUA".
Em conversa por telefone com a Folha na última semana, Frank fez um quase-atestado de óbito para o partido do casal Clinton, de John Kerry e de Jimmy Carter -para ele, o último democrata a vencer uma eleição por mérito do partido, em 1976.
"Os conservadores hoje têm sua narrativa para explicar como o mundo funciona, e os liberais, não. Aliás, os liberais não têm nada. Eles nem são liberais mais, não querem ser chamados assim. Não sabem o que são e em que acreditam", resume. "Liberal", nos EUA, é sinônimo de simpatizante da esquerda.
Frank é o autor de "Deus no Céu e o Mercado na Terra" (ed. Record) e do recém-lançado "What's the Matter with Kansas" (qual é o problema com o Kansas, ainda não lançado no Brasil), no qual discorre sobre as razões que levaram os americanos dos Estados mais pobres, como aquele em que ele nasceu, a votar nos republicanos e a trair seus próprios interesses econômicos.
Para ele, a perda de identidade democrata já vem transcorrendo nos últimos 30 anos, mas tornou-se mais evidente recentemente. Um dos culpados, aponta, é o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), que, para Frank, só se elegeu em 1992 porque o independente Ross Perot dividiu o eleitorado republicano. "Clinton ia privatizar a Previdência Social. Ele cedeu aos republicanos no Nafta [bloco comercial do Atlântico Norte], na lei antitruste e fez coisas que estavam na agenda de [Ronald] Reagan (1981-1989)."
Um dia antes da entrevista, Clinton discursara a favor da chamada Terceira Via, defendendo a combinação das políticas econômicas republicanas às políticas sociais democratas. "É a estratégia democrata, é o que o Clinton fez e o que eles querem continuar fazendo. O que não entendem é que é preciso confrontar o populismo falso com o verdadeiro."
Para Frank, a única chance de o partido reconquistar o eleitorado perdido é retomar o que ele define como "verdadeiro populismo", baseado em políticas econômicas de esquerda, que beneficiam as camadas mais pobres. "Mas não vejo ninguém no partido que seja capaz de fazer isso agora."
Enquanto isso, os republicanos seguem ganhando espaço com o "populismo falso", apoiado em valores morais. "O discurso deles é todo baseado em alucinações, teorias da conspiração e erros. Em cada assunto -aborto, controle de armas, casamento gay- há um erro flagrante", diz.
Mas, para Frank, o problema vai além da tão proclamada guerra cultural. Sob a bem-sucedida estratégia, afirma, há a distorção do conceito da lutas de classes. "É a noção de que não se trata de classes econômicas, mas culturais. Fala-se em autenticidade. Que a verdadeira luta de classes nos EUA não é de empregados e patrões, mas contra os americanos comuns e a elite liberal." E liberal, para boa parte da população, virou sinônimo de esnobe.
Por sua vez, os democratas não só vestem o estereótipo como deixam a história correr sem oposição. "Eles não querem falar em classe. As pessoas nos EUA odeiam falar em classes sociais. Você vai ouvir muitas vezes que os EUA são uma sociedade sem classes. Isso é ridículo."
Já a mídia, proclamada como "liberal", se tornou refém das críticas republicanas. "Toda vez que eu vou à TV ou ao rádio falar, é preciso ter alguém do outro lado para balancear. Mas, quando o convidado é conservador, não tem problema ele estar sozinho."
Mas por que ninguém diz nada? Frank é sucinto: "Não há crítica porque não há mais esquerda nos EUA. Há indivíduos, mas não instituições".


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