São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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A REVOLUÇÃO AOS 50 / A SOMBRA DO COMANDANTE

Afastado, porém ativo, Fidel ainda é freio para Raúl

Irmãos concordam sobre princípios mas divergem quanto aos meios de alcançá-los

Oficialmente fora do comando desde fevereiro, ex-ditador mantém sua influência pública por meio de artigos e blog


FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quase um ano depois de transferir o poder formalmente a Raúl em Cuba, o convalescente Fidel Castro não saiu de cena. Escreve quase regularmente nos dois mirrados jornais oficiais da ilha e "bloga" em sites pró-regime. Com essa influência pública e nos círculos do Partido Comunista cubano, ele age como freio aos supostos ímpetos reformistas do irmão.
Esta é a conclusão a que se inclinam estudiosos da ilha, como os cubanos-americanos Marifeli Pérez-Stable, vice-presidente do influente Interamerican Dialogue (Washington), Jorge Piñón, professor da Universidade de Miami, e Mauricio Font, da City University de Nova York.
Entre eles está Julia Sweig, autora de "Inside the Cuban Revolution" (Dentro da revolução cubana). Ela esteve em Havana em outubro e disse à Folha ter ouvido do próprio Raúl: "As diferenças que eu e Fidel temos são similares às que se vê entre os partidos Democrata e Republicano nos EUA. Concordamos em questões fundamentais, mas discordamos sobre a forma para chegar lá".
Sweig interpreta: "O que eu entendo disso é que Fidel continua alérgico aos mercados, e Raúl não. Raúl soa como Margaret Thatcher [premiê britânica conservadora de 1979 a 1990] quando fala sobre economia. Ele parece ter clareza de que os custos políticos e sociais de não fazer as coisas que prometeu -diminuir o tamanho do Estado, introduzir mais atividade privada - são maiores do que os custos de fazê-las".
De fato, Raúl assumiu em fevereiro prometendo "mudanças estruturais" e acabar com "proibições desnecessárias", logo após elevar expectativas com debates públicos. Falou até em rever a "libreta", a caderneta que vende a preços supersubsidiados e em quantidades insuficientes alimentos e artigos de higiene básica.
O mais significativo feito até agora foi a distribuição de terras ociosas a quem desejasse plantar -programa ainda engatinhando que foi desacelerado pela devastação pelos três furacões que assolaram a ilha em 2008, provocando escassez ainda maior de alimentos.
"Obviamente Raúl tem demorado a se fortalecer, as reformas estão demorando, e você nota que a opinião de Fidel tem voltado forte ao "Granma" e ao "Juventud Rebelde" [jornais oficiais]. Não é que as reformas estejam paradas. Mas há um freio, e esse freio é Fidel", afirma Mauricio Font.
O "freio" Fidel, a ausência das reformas prometidas e a forte repressão ao mercado negro que se seguiu aos furacões levaram a um clima de frustração à capital, como ecoa a publicação "Espacio Laical", ligada à Arquidiocese de Havana.
O editorial da revista do bimestre novembro-dezembro, cujo título é "Não posterguemos a esperança", faz essas cobranças: "Solicitamos [ao governo] que promova todas as "mudanças estruturais e de conceito" para que em Cuba o lícito, ou seja, tudo aquilo que deseja a população em geral, seja realmente legal".
Para Marifeli Pérez-Stable, mais do que grandes passos, como o fim do impasse das duas moedas, o que começaria a ajustar as promessas de Raúl às expectativas de cubanos fora e dentro da ilha é a legalização de pequenos negócios. "A permissão aliviaria uma pressão muito forte. Gente com parentes em Cuba quer investir lá. Em um pequeno restaurante, um cabeleireiro. Isso seria um avanço".


Colaborou ANDREA MURTA


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