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A REVOLUÇÃO AOS 50 / A SOMBRA DO COMANDANTE
Afastado, porém ativo, Fidel ainda é freio para Raúl
Irmãos concordam sobre princípios mas divergem quanto aos meios de alcançá-los
Oficialmente fora do comando desde fevereiro, ex-ditador mantém sua influência pública por
meio de artigos e blog
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quase um ano depois de
transferir o poder formalmente
a Raúl em Cuba, o convalescente Fidel Castro não saiu de cena. Escreve quase regularmente nos dois mirrados jornais
oficiais da ilha e "bloga" em sites pró-regime. Com essa influência pública e nos círculos
do Partido Comunista cubano,
ele age como freio aos supostos
ímpetos reformistas do irmão.
Esta é a conclusão a que se inclinam estudiosos da ilha, como os cubanos-americanos
Marifeli Pérez-Stable, vice-presidente do influente Interamerican Dialogue (Washington), Jorge Piñón, professor da
Universidade de Miami, e Mauricio Font, da City University
de Nova York.
Entre eles está Julia Sweig,
autora de "Inside the Cuban
Revolution" (Dentro da revolução cubana). Ela esteve em Havana em outubro e disse à Folha ter ouvido do próprio Raúl:
"As diferenças que eu e Fidel
temos são similares às que se vê
entre os partidos Democrata e
Republicano nos EUA. Concordamos em questões fundamentais, mas discordamos sobre a
forma para chegar lá".
Sweig interpreta: "O que eu
entendo disso é que Fidel continua alérgico aos mercados, e
Raúl não. Raúl soa como Margaret Thatcher [premiê britânica conservadora de 1979 a
1990] quando fala sobre economia. Ele parece ter clareza de
que os custos políticos e sociais
de não fazer as coisas que prometeu -diminuir o tamanho
do Estado, introduzir mais atividade privada - são maiores
do que os custos de fazê-las".
De fato, Raúl assumiu em fevereiro prometendo "mudanças estruturais" e acabar com
"proibições desnecessárias",
logo após elevar expectativas
com debates públicos. Falou
até em rever a "libreta", a caderneta que vende a preços supersubsidiados e em quantidades insuficientes alimentos e
artigos de higiene básica.
O mais significativo feito até
agora foi a distribuição de terras ociosas a quem desejasse
plantar -programa ainda engatinhando que foi desacelerado pela devastação pelos três
furacões que assolaram a ilha
em 2008, provocando escassez
ainda maior de alimentos.
"Obviamente Raúl tem demorado a se fortalecer, as reformas estão demorando, e você
nota que a opinião de Fidel tem
voltado forte ao "Granma" e ao
"Juventud Rebelde" [jornais oficiais]. Não é que as reformas estejam paradas. Mas há um
freio, e esse freio é Fidel", afirma Mauricio Font.
O "freio" Fidel, a ausência
das reformas prometidas e a
forte repressão ao mercado negro que se seguiu aos furacões
levaram a um clima de frustração à capital, como ecoa a publicação "Espacio Laical", ligada à Arquidiocese de Havana.
O editorial da revista do bimestre novembro-dezembro,
cujo título é "Não posterguemos a esperança", faz essas cobranças: "Solicitamos [ao governo] que promova todas as
"mudanças estruturais e de
conceito" para que em Cuba o
lícito, ou seja, tudo aquilo que
deseja a população em geral, seja realmente legal".
Para Marifeli Pérez-Stable,
mais do que grandes passos, como o fim do impasse das duas
moedas, o que começaria a
ajustar as promessas de Raúl às
expectativas de cubanos fora e
dentro da ilha é a legalização de
pequenos negócios. "A permissão aliviaria uma pressão muito
forte. Gente com parentes em
Cuba quer investir lá. Em um
pequeno restaurante, um cabeleireiro. Isso seria um avanço".
Colaborou ANDREA MURTA
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