São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

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Impelidos pela ausência estatal, garimpeiros sofrem preconceito

THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora a falta de controle estatal tenha tornado relativamente fácil a entrada de brasileiros na mineração de pequena escala no Suriname, a integração à multiétnica sociedade local se revela uma tarefa bem mais difícil, como mostrou o ataque do último dia 24.
Na capital, Paramaribo, é comum ouvir comentários negativos sobre os imigrantes brasileiros. Os garimpeiros são criticados por não pagarem impostos e por não falarem holandês (língua oficial) nem sranantongo (dialeto local). Surinameses criticam as roupas das brasileiras como "indecentes" e setores da mídia ajudam a construir essa imagem, rotulando brasileiros de ilegais e criminosos.
Quem descreve esse cenário são as antropólogas holandesas Marieke Heemskerk e Marjo de Theije, que entrevistaram 175 garimpeiros brasileiros no Suriname em estudo publicado em outubro deste ano.
Apesar de haver registros de garimpeiros brasileiros no país desde os anos 1970, esse fluxo cresceu a partir de 1992, após o fim da guerra civil de sete anos que opôs o então governo militar a insurgentes maroons (ou "marrons", na forma aportuguesada), descendentes de escravos africanos fugidos que formam o grupo étnico que atacou os brasileiros em Albina.
Foi inclusive um líder maroon que, após a guerra, convidou brasileiros a minerar ouro em áreas tomadas do governo no conflito, afirmam Heemskerk e Theije. Apesar de não terem posse formal sobre as terras que usam há séculos, acreditam ser os donos das áreas.
Como a lei de mineração local, de 1986, autoriza a atividade apenas a quem tem concessão, e só surinameses podem receber essas licenças, toda a atividade mineira dos brasileiros é praticamente ilegal.

Ausência estatal
Mas a lei historicamente é pouco aplicada, diz o estudo, sobretudo pela presença limitada do governo no interior do país. Um exemplo é a região do rio Marowijne, onde fica Albina, tomada pela extração artesanal de ouro e que divide o país com a Guiana Francesa.
"Quase não há polícia, militares ou representantes do governo em áreas de mineração. Ninguém pede documentos quando estrangeiros vendem ouro ou entram em um avião para uma área de extração", afirmam Heemskerk e Theije. Mesmo sem visto ou passaporte, dizem, garimpeiros brasileiros não encontram problemas.
A avaliação é reforçada pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que visitou o Suriname em novembro na primeira missão parlamentar brasileira ao país. "A venda de ouro e de equipamentos para garimpo é livre. Falta ação pública efetiva", disse à Folha.
Ainda que brasileiros tenham levado disciplina e tecnologia ao garimpo, e o relativo isolamento na selva diminua as diferenças com os maroons, há conflito de interesses. O estudo relata dois casos semelhantes ao ataque de Albina, ocorridos em 1999 e em 2000, quando garimpeiros brasileiros foram expulsos com violência por maroons após incidentes isolados entre os grupos.


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