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ARTIGO
Ocidente não entende a vitória do Hamas
RAMI G. KHOURI
Tem sido extremamente fascinante estar nos EUA nesta semana e observar as reações à dramática vitória do movimento islâmico palestino Hamas nas eleições
parlamentares da quarta-feira.
Os comentários tanto oficiais
quanto da mídia indicam que a
natureza histórica do que acaba
de acontecer na Palestina dificilmente será compreendida nos
EUA e em muitas outras partes do
mundo ocidental, porque o Hamas e o resto do Oriente Médio
continuam a ser julgados segundo o critério último de sua anuência às exigências da segurança israelense.
Isso é uma lástima trágica, porque a vitória do Hamas -que se
deu após vitórias islâmicas semelhantes no Egito, no Líbano e no
Iraque- também oferece uma
potencial oportunidade política,
se se mantiver a cabeça fria, de todos os lados.
Digo uma oportunidade potencial porque a ascensão do Hamas
ao poder permanece cercada de
muitas incógnitas e provoca temores profundos entre muitas
pessoas no Oriente Médio e em
outras partes do mundo. Não é
certo que o Hamas tenha sucesso
como partido no poder.
Com relação à vitória do Hamas, três pontos parecem ser cruciais. O primeiro é que a campanha eleitoral não foi um referendo
sobre guerra ou paz com Israel. O
Hamas não venceu porque prometeu varrer Israel do mapa.
Venceu porque prometeu resolver alguns dos terríveis desequilíbrios e as caóticas distorções que
vêm definindo a sociedade interna palestina nos últimos anos.
Esses problemas incluem a corrupção e incompetência no sistema de governança da Autoridade
Nacional Palestina, a anarquia em
nível local e a humilhante incapacidade de proteger o funcionamento cotidiano das comunidades palestinas contra a contínua e
violenta investida das políticas de
ocupação israelenses.
O Hamas venceu porque os palestinos acham que a organização
pode fazer um trabalho melhor
do que o Fatah ao garantir ordem
e respeito próprios no dia-a-dia
dos palestinos.
No governo é outra coisa
O segundo aspecto importante
do resultado eleitoral é que a partir de agora o Hamas vai sentir a
responsabilidade que acompanha
a situação de ser governista. Na
condição de autoridade governante democraticamente eleita,
quer governe sozinho ou em coalizão com o Fatah ou outros grupos palestinos, o Hamas terá de
agir de maneira que reflita amplamente a visão da maioria dos cidadãos palestinos. Essa maioria
vem manifestando claramente e
de maneira consistente o desejo
de negociar com Israel uma paz
justa e permanente e de conviver
em paz com o Estado judaico, em
lugar de varrê-lo da face da terra.
O terceiro ponto importante relativo à vitória do Hamas é que,
para uma liderança política, ela
representa uma espécie de legitimidade que tem sido rara no
mundo árabe moderno. A vitória
maciça do Hamas é significativa
em si mesma, mas também por
representar uma histórica e pacífica transferência do poder de algo que, na prática, vem sendo um
Estado unipartidário governado
pelo Fatah para uma oposição
que chegou ao poder por meio de
eleições democráticas.
Existem diferenças importantes
entre as causas da vitória do Hamas e suas possíveis conseqüências. Essas diferenças precisam ser
compreendidas se quisermos que
essa notável vitória democrática
tenha resultados positivos para
palestinos, israelenses e o resto da
região e do mundo.
"Brigadas da Histeria"
O que está claro nos EUA é que
as "Brigadas da Histeria" já se puseram em marcha, aqui e, em especial, em Israel.
O Hamas é avaliado quase exclusivamente com base nas chances de a organização depor suas
armas e reconhecer o direito de
Israel à existência -ignorando,
de maneira espantosa, o fato de
que o Hamas só se armou em primeiro lugar para resistir à ocupação israelense.
Seria uma tragédia lamentável e
uma enorme oportunidade perdida se Israel, os EUA e o resto do
mundo civilizado simplesmente
agravassem os erros que cometeram e que foram os responsáveis
iniciais pelo surgimento do Hamas. Sobretudo o nascimento, a
ascensão e o triunfo político do
Hamas refletem a reação palestina sustentada à política governamental israelense, apoiada pelos
EUA, de desprezo colonial pelos
direitos nacionais palestinos.
Israel e os EUA há décadas vêm
se recusando a reconhecer que o
Hamas (como o Hizbollah) nasceu como reação contra a ocupação israelense e o abuso dos direitos e da integridade nacional árabes. As políticas do Hamas precisam ser vistas no contexto da luta
entre israelenses e palestinos.
Exigir que o Hamas desarme
unilateralmente sua ala de resistência ou que reconheça unilateralmente a existência de Israel não
dará em nada, se tal reivindicação
não for acompanhada de medidas
israelenses paralelas para deixar
de assassinar palestinos e colonizar suas terras.
A prioridade urgente agora seria que mediadores terceiros, com
calma, formulassem um processo
que identificasse simultaneamente os direitos e aspirações legítimos de israelenses e palestinos e
que tomassem medidas diplomáticas para assegurar esses direitos.
Rami G. Khouri é editor-chefe do jornal
"Daily Star", de Beirute, publicado em todo o Oriente Médio em conjunto com o
"International Herald Tribune". Copyright Agence Global.
Tradução de Clara Allain
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