|
Próximo Texto | Índice
EUROPA
Com cenas de saque e violência, manifestação contra lei trabalhista deixa premiê isolado; greve pára transportes e escolas
Protesto atrai ao menos 1 milhão na França
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
A maior manifestação dos franceses contra uma nova lei trabalhista, e a primeira acompanhada
de greve, reuniu ontem mais de
um milhão de pessoas pelo país,
gerou novamente cenas assombrosas de violência e aumentou a
pressão sobre o primeiro-ministro Dominique de Villepin para a
retirada do CPE (Contrato do Primeiro Emprego).
Transportes públicos, companhias aéreas, escolas públicas e
privadas, correios e veículos da
mídia pararam parcialmente. Até
parte da indústria de turismo de
Paris, a cidade mais visitada do
mundo, foi afetada. Atrações como a torre Eiffel e o museu D'Orsay fecharam em razão da greve.
Trens e metrôs funcionaram em
operação tartaruga, com vagões
superlotados e confusão nos horários de pico.
O mais vultoso sinal da rejeição
nacional ao CPE não produziu
afrouxamento do governo, que
admite no máximo alterar alguns
pontos do texto, mas jamais retirar a lei, como pedem os manifestantes. O CPE, planejado para diminuir o enorme desemprego entre os jovens na França (22,2%) e
previsto para entrar em vigor em
abril, permite que os empregadores demitam um funcionário sem
justa causa até dois anos após a
contratação, ponto que, na visão
dos críticos, produzirá uma legião
de empregos precários.
A polícia calculou em 1,05 milhão os participantes das marchas
em toda a França, recorde dos
dois meses de crise e o dobro do
que anunciara no sábado retrasado, até ali a maior jornada. Os organizadores (sindicalistas e estudantes) estimaram o total em 2,68
milhões, contra o 1,5 milhão divulgado em 18 de março.
Pelos números da organização,
foi a maior manifestação da história recente da França. Pelos da polícia, ficou abaixo dos 2,2 milhões
que, segundo o jornal "Le Monde", se reuniram em 1995 contra a
reforma de financiamento da seguridade social do então premiê
Alain Juppé.
Garrafas e pedras
Enquanto em outras cidades o
movimento cresceu, a manifestação de Paris foi menor que a de 11
dias atrás (92 mil, para a polícia, e
700 mil, no cálculo dos organizadores, contra 350 mil e 800 mil).
Mas um conflito entre vândalos
e a polícia afetou a marcha antes
mesmo do seu final. Ao contrário
dos últimos protestos, quando a
pancadaria costumava ocorrer à
noite, após a dispersão, ontem ela
começou às 17h locais (12h em
Brasília), quando as primeiras levas de manifestantes chegavam à
Place de la République, ponto final da passeata.
A reportagem da Folha acompanhou os conflitos na rua de
Fauborg du Temple, um dos acessos à praça e maior foco da violência no local. Um cordão da tropa
de choque da Polícia Nacional fechava a via, enquanto os "casseurs" (bagunceiros), muitos encapuzados e mascarados e quase
todos nitidamente alheios ao protesto contra o CPE, se aglomeravam no centro da praça, aos pés
da enorme estátua com a representação da República.
Atiravam garrafas, pedras,
bombas caseiras e qualquer objeto que lhes surgisse à frente, como
guarda-chuvas e uma roda de bicicleta. Chamavam a polícia para
o confronto e gritavam ofensas
contra o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que implantou
uma política linha-dura de combate à delinqüência nas periferias
e no ano passado se referiu aos
adolescentes suburbanos que
queimaram milhares de carros
como "escória".
Eram esses mesmos jovens que
ontem desafiavam a polícia. A
tropa, superequipada, ficava postada em posição de combate e, de
repente, corria em pequenas células em direção à turba, onde distribuía pancada e prendia um ou
outro. Nos momentos mais agudos, atirava balas de borracha e
bombas de gás lacrimogêneo.
Só em Paris, 4.000 policiais foram mobilizados. Segundo a polícia, 488 pessoas foram presas e 51
ficaram feridas -cinco policiais.
Prisões
Sarkozy, que é rival político de
Villepin no governo e tenta tirar
proveito da crise, ordenara à polícia que protegesse os manifestantes, "especialmente os mais jovens", e que prendesse "o máximo possível" de vândalos.
Guardas à paisana e seguranças
contratados por centrais sindicais
se infiltraram na multidão e também efetuaram prisões.
Dezenas de jornalistas na praça
usavam capacete de motoqueiro,
e alguns, máscaras para gás. Isso
não impediu, porém, que um fotógrafo que usava capacete fosse
atingido por uma pedra no rosto,
que ficou banhado de sangue.
"É uma vergonha. Não há nada
por trás disso -uma mensagem,
uma ideologia, nada. Fazem só
para quebrar a regra. Nem mostram o rosto, só o dedo [médio]
levantado, o que revela o que pensam", comentou Jean-Luc Lechemia, um consultor de recursos
humanos de 45 anos que assistia
às manifestações.
Ainda no início da tarde, durante a concentração na Place D'Italie, os "casseurs" promoveram diversos pequenos saques. A reportagem viu dois, um deles numa
barraca de sanduíche e bebidas.
Num arrastão, avançaram e levaram várias latas de cerveja.
A dona da banca, Aicha Boyer,
lamentou. "Você viu? Não estão
com fome, fazem para depredar.
Isso não representa a juventude
francesa." Como mais de 70% da
população, ela é contra o CPE, por
avaliar que a lei foi imposta sem
discussão e que viola garantias sociais básicas.
É uma idéia bem diferente da do
aposentado Jacques Cadiot, 66,
que não foi ao protesto, mas se
queixava dos seus efeitos num café de Paris. "A lei não é o ideal,
mas é claro que é muito melhor
do que o que temos. Esse país não
é mais uma democracia, virou
uma ditadura dos sindicatos. A
França não admite copiar os outros países, quer ser diferente, e
assim está indo para o buraco."
Próximo Texto: Universitários brasileiros são afetados por revolta estudantil Índice
|