São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2006

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EUROPA

Com cenas de saque e violência, manifestação contra lei trabalhista deixa premiê isolado; greve pára transportes e escolas

Protesto atrai ao menos 1 milhão na França

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

A maior manifestação dos franceses contra uma nova lei trabalhista, e a primeira acompanhada de greve, reuniu ontem mais de um milhão de pessoas pelo país, gerou novamente cenas assombrosas de violência e aumentou a pressão sobre o primeiro-ministro Dominique de Villepin para a retirada do CPE (Contrato do Primeiro Emprego).
Transportes públicos, companhias aéreas, escolas públicas e privadas, correios e veículos da mídia pararam parcialmente. Até parte da indústria de turismo de Paris, a cidade mais visitada do mundo, foi afetada. Atrações como a torre Eiffel e o museu D'Orsay fecharam em razão da greve.
Trens e metrôs funcionaram em operação tartaruga, com vagões superlotados e confusão nos horários de pico.
O mais vultoso sinal da rejeição nacional ao CPE não produziu afrouxamento do governo, que admite no máximo alterar alguns pontos do texto, mas jamais retirar a lei, como pedem os manifestantes. O CPE, planejado para diminuir o enorme desemprego entre os jovens na França (22,2%) e previsto para entrar em vigor em abril, permite que os empregadores demitam um funcionário sem justa causa até dois anos após a contratação, ponto que, na visão dos críticos, produzirá uma legião de empregos precários.
A polícia calculou em 1,05 milhão os participantes das marchas em toda a França, recorde dos dois meses de crise e o dobro do que anunciara no sábado retrasado, até ali a maior jornada. Os organizadores (sindicalistas e estudantes) estimaram o total em 2,68 milhões, contra o 1,5 milhão divulgado em 18 de março.
Pelos números da organização, foi a maior manifestação da história recente da França. Pelos da polícia, ficou abaixo dos 2,2 milhões que, segundo o jornal "Le Monde", se reuniram em 1995 contra a reforma de financiamento da seguridade social do então premiê Alain Juppé.

Garrafas e pedras
Enquanto em outras cidades o movimento cresceu, a manifestação de Paris foi menor que a de 11 dias atrás (92 mil, para a polícia, e 700 mil, no cálculo dos organizadores, contra 350 mil e 800 mil).
Mas um conflito entre vândalos e a polícia afetou a marcha antes mesmo do seu final. Ao contrário dos últimos protestos, quando a pancadaria costumava ocorrer à noite, após a dispersão, ontem ela começou às 17h locais (12h em Brasília), quando as primeiras levas de manifestantes chegavam à Place de la République, ponto final da passeata.
A reportagem da Folha acompanhou os conflitos na rua de Fauborg du Temple, um dos acessos à praça e maior foco da violência no local. Um cordão da tropa de choque da Polícia Nacional fechava a via, enquanto os "casseurs" (bagunceiros), muitos encapuzados e mascarados e quase todos nitidamente alheios ao protesto contra o CPE, se aglomeravam no centro da praça, aos pés da enorme estátua com a representação da República.
Atiravam garrafas, pedras, bombas caseiras e qualquer objeto que lhes surgisse à frente, como guarda-chuvas e uma roda de bicicleta. Chamavam a polícia para o confronto e gritavam ofensas contra o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que implantou uma política linha-dura de combate à delinqüência nas periferias e no ano passado se referiu aos adolescentes suburbanos que queimaram milhares de carros como "escória".
Eram esses mesmos jovens que ontem desafiavam a polícia. A tropa, superequipada, ficava postada em posição de combate e, de repente, corria em pequenas células em direção à turba, onde distribuía pancada e prendia um ou outro. Nos momentos mais agudos, atirava balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.
Só em Paris, 4.000 policiais foram mobilizados. Segundo a polícia, 488 pessoas foram presas e 51 ficaram feridas -cinco policiais.

Prisões
Sarkozy, que é rival político de Villepin no governo e tenta tirar proveito da crise, ordenara à polícia que protegesse os manifestantes, "especialmente os mais jovens", e que prendesse "o máximo possível" de vândalos.
Guardas à paisana e seguranças contratados por centrais sindicais se infiltraram na multidão e também efetuaram prisões.
Dezenas de jornalistas na praça usavam capacete de motoqueiro, e alguns, máscaras para gás. Isso não impediu, porém, que um fotógrafo que usava capacete fosse atingido por uma pedra no rosto, que ficou banhado de sangue.
"É uma vergonha. Não há nada por trás disso -uma mensagem, uma ideologia, nada. Fazem só para quebrar a regra. Nem mostram o rosto, só o dedo [médio] levantado, o que revela o que pensam", comentou Jean-Luc Lechemia, um consultor de recursos humanos de 45 anos que assistia às manifestações.
Ainda no início da tarde, durante a concentração na Place D'Italie, os "casseurs" promoveram diversos pequenos saques. A reportagem viu dois, um deles numa barraca de sanduíche e bebidas. Num arrastão, avançaram e levaram várias latas de cerveja.
A dona da banca, Aicha Boyer, lamentou. "Você viu? Não estão com fome, fazem para depredar. Isso não representa a juventude francesa." Como mais de 70% da população, ela é contra o CPE, por avaliar que a lei foi imposta sem discussão e que viola garantias sociais básicas.
É uma idéia bem diferente da do aposentado Jacques Cadiot, 66, que não foi ao protesto, mas se queixava dos seus efeitos num café de Paris. "A lei não é o ideal, mas é claro que é muito melhor do que o que temos. Esse país não é mais uma democracia, virou uma ditadura dos sindicatos. A França não admite copiar os outros países, quer ser diferente, e assim está indo para o buraco."


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