São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Crise une operários e campo contra Cristina

Polo da indústria de maquinário agrícola, cidade de Armstrong é microcosmo dos efeitos da queda do preço dos grãos na Argentina

Metalúrgicos, apoiados por ruralistas, cobram governo em tradicional encrave peronista; aliança é ameaça eleitoral para Casa Rosada

THIAGO GUIMARÃES
ENVIADO ESPECIAL A ARMSTRONG (ARGENTINA)

São 15h30 da última quarta-feira e caminhões formam fila na rodovia que liga as três maiores cidades da Argentina -Buenos Aires, Rosário e Córdoba. Metalúrgicos bloqueiam a via com pneus em chamas, liberando a passagem a cada 15 minutos. Ao lado, uma barraca de produtores rurais e a faixa: "Armstrong em pé".
Polo da indústria de máquinas agrícolas, Armstrong é a cara da crise econômica na Argentina. Na cidade de 15 mil habitantes, operários metalmecânicos afetados por suspensões se uniram a ruralistas -em conflito com o governo há um ano- na mobilização pela queda de impostos no setor rural.
Campo e governo estão em guerra na Argentina desde março de 2008, quando a presidente Cristina Kirchner alterou a tributação sobre exportações de soja, principal cultivo do país. Os impostos deveriam variar segundo o preço internacional do produto, então em alta. Produtores promoveram cinco greves e 4.000 bloqueios de estrada e a medida acabou derrubada no Senado.
Em 2009, a pior seca em 50 anos e a crise mundial derrubaram os preços de grãos, mas a alíquota sobre a soja segue a 35%. Os produtores pararam de investir e o conflito com o governo ressuscitou -os ruralistas encerraram ontem o sétimo locaute sob Cristina.
A novidade é que a crise mundial paralisou a indústria ligada ao campo e reforçou o elo operário-agricultor. Em Armstrong, as 74 fábricas de máquinas agrícolas perderam 80% em vendas desde novembro, cortando jornadas e salários dos 1.554 operários, que deixam de comprar.
"No conflito do campo em 2008, a cadeia de valor agroindustrial tomou consciência de si mesma. Hoje um trabalhador que fabrica colheitadeiras sabe que seu posto de trabalho depende da rentabilidade do campo. Isso deu ao campo um peso eleitoral maior do que antes", diz o analista Rosendo Fraga.

Queda de salários
Camisa na cabeça pelo sol, Lorenzo Bersano, 56, engrossa o bloqueio da via em frente à Crucianelli, a fábrica de semeadoras em que trabalha há 40 anos. Jornada reduzida de 12 para 5 horas, trabalha pela manhã e protesta à tarde. Com dois filhos e três netos, viu seu salário cair de R$ 2.400 para R$ 1.100: "O governo tem que resolver essa situação".
O contador da empresa, Carlos Montano, 53, diz que as vendas caíram de 60 para 10 máquinas por mês.
A poucos metros dali, Dionisio Quiroga, 39, produtor de carne, soja e milho, justifica sua presença no ato: "Os metalúrgicos estão ficando sem trabalho pelos problemas do campo".
A crise rompeu limites de fábricas e plantações. Na livraria de Miguel Degrá, presidente do Centro Comercial, Industrial e Rural da cidade, as vendas caíram 35%: "Fomos nos dando conta de que o problema é de todos". Para Maurício Cicarelli, dono de uma loja de ferramentas, está "tudo parado".
O primeiro ato conjunto de operários e agricultores pós-crise mundial foi em janeiro em Villa Constituición, outro polo industrial da Província de Santa Fé. Na ocasião, ante 2.500 pessoas, o presidente da Federação Agrária, Eduardo Buzzi, disse que aquilo era "referência" da luta por vir.
Em Armstrong, os metalúrgicos se dizem "autoconvocados", por não terem apoio do seu sindicato, a UOM (União Operária Metalúrgica), aliada do kirchnerismo. "O problema já é multissetorial, é uma má administração do governo", diz o líder Ruben Cicarelli.
Na quinta, Cicarelli e Buzzi foram oradores em um ato que reuniu 5.000 pessoas no bloqueio da rodovia. O produtor Quiroga levou seu trator com a inscrição "Vendo". O operário Raul Espíndola disse: "Vamos caindo um por um".

Eleições
Para o analista Fraga, essa nova união vai repercutir nas eleições legislativas de junho na Argentina -que o governo acaba de antecipar em quatro meses. Embora o campo empregue 9% da população economicamente ativa, diz, a cadeia agroindustrial gera emprego para 35% que "vão votar pensando na renda do campo".
O prefeito de Armstrong, Fernando Fischer, que governa a cidade há 20 anos, é exemplo de político que fez de encraves rurais peronistas centros opositores. Apesar de integrar o Partido Justicialista (peronista, do governo), não poupa críticas. "Néstor Kirchner tem ódio do campo", diz, em referência ao ex-presidente.
Enquanto o governo defende sua política de impostos como forma de redistribuir renda, os operários de Armstrong, e os ruralistas, prometem ficar na estrada até que haja uma solução -hoje completam um mês de bloqueio. "Vamos ficar até que se destrave o conflito", diz Cicarelli, sob o calor do sol e dos pneus queimados.


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