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Crise une operários e campo contra Cristina
Polo da indústria de maquinário agrícola, cidade de Armstrong é microcosmo dos efeitos da queda do preço dos grãos na Argentina
Metalúrgicos, apoiados por ruralistas, cobram governo em tradicional encrave peronista; aliança é ameaça eleitoral para Casa Rosada
THIAGO GUIMARÃES
ENVIADO ESPECIAL A ARMSTRONG (ARGENTINA)
São 15h30 da última quarta-feira e caminhões formam fila
na rodovia que liga as três
maiores cidades da Argentina
-Buenos Aires, Rosário e Córdoba. Metalúrgicos bloqueiam
a via com pneus em chamas, liberando a passagem a cada 15
minutos. Ao lado, uma barraca
de produtores rurais e a faixa:
"Armstrong em pé".
Polo da indústria de máquinas agrícolas, Armstrong é a cara da crise econômica na Argentina. Na cidade de 15 mil habitantes, operários metalmecânicos afetados por suspensões
se uniram a ruralistas -em
conflito com o governo há um
ano- na mobilização pela queda de impostos no setor rural.
Campo e governo estão em
guerra na Argentina desde
março de 2008, quando a presidente Cristina Kirchner alterou a tributação sobre exportações de soja, principal cultivo
do país. Os impostos deveriam
variar segundo o preço internacional do produto, então em alta. Produtores promoveram
cinco greves e 4.000 bloqueios
de estrada e a medida acabou
derrubada no Senado.
Em 2009, a pior seca em 50
anos e a crise mundial derrubaram os preços de grãos, mas a
alíquota sobre a soja segue a
35%. Os produtores pararam
de investir e o conflito com o
governo ressuscitou -os ruralistas encerraram ontem o sétimo locaute sob Cristina.
A novidade é que a crise
mundial paralisou a indústria
ligada ao campo e reforçou o
elo operário-agricultor. Em
Armstrong, as 74 fábricas de
máquinas agrícolas perderam
80% em vendas desde novembro, cortando jornadas e salários dos 1.554 operários, que
deixam de comprar.
"No conflito do campo em
2008, a cadeia de valor agroindustrial tomou consciência de
si mesma. Hoje um trabalhador
que fabrica colheitadeiras sabe
que seu posto de trabalho depende da rentabilidade do campo. Isso deu ao campo um peso
eleitoral maior do que antes",
diz o analista Rosendo Fraga.
Queda de salários
Camisa na cabeça pelo sol,
Lorenzo Bersano, 56, engrossa
o bloqueio da via em frente à
Crucianelli, a fábrica de semeadoras em que trabalha há 40
anos. Jornada reduzida de 12
para 5 horas, trabalha pela manhã e protesta à tarde. Com
dois filhos e três netos, viu seu
salário cair de R$ 2.400 para R$
1.100: "O governo tem que resolver essa situação".
O contador da empresa, Carlos Montano, 53, diz que as vendas caíram de 60 para 10 máquinas por mês.
A poucos metros dali, Dionisio Quiroga, 39, produtor de
carne, soja e milho, justifica sua
presença no ato: "Os metalúrgicos estão ficando sem trabalho
pelos problemas do campo".
A crise rompeu limites de fábricas e plantações. Na livraria
de Miguel Degrá, presidente do
Centro Comercial, Industrial e
Rural da cidade, as vendas caíram 35%: "Fomos nos dando
conta de que o problema é de
todos". Para Maurício Cicarelli,
dono de uma loja de ferramentas, está "tudo parado".
O primeiro ato conjunto de
operários e agricultores pós-crise mundial foi em janeiro em
Villa Constituición, outro polo
industrial da Província de Santa Fé. Na ocasião, ante 2.500
pessoas, o presidente da Federação Agrária, Eduardo Buzzi,
disse que aquilo era "referência" da luta por vir.
Em Armstrong, os metalúrgicos se dizem "autoconvocados", por não terem apoio do
seu sindicato, a UOM (União
Operária Metalúrgica), aliada
do kirchnerismo. "O problema
já é multissetorial, é uma má
administração do governo", diz
o líder Ruben Cicarelli.
Na quinta, Cicarelli e Buzzi
foram oradores em um ato que
reuniu 5.000 pessoas no bloqueio da rodovia. O produtor
Quiroga levou seu trator com a
inscrição "Vendo". O operário
Raul Espíndola disse: "Vamos
caindo um por um".
Eleições
Para o analista Fraga, essa
nova união vai repercutir nas
eleições legislativas de junho
na Argentina -que o governo
acaba de antecipar em quatro
meses. Embora o campo empregue 9% da população economicamente ativa, diz, a cadeia
agroindustrial gera emprego
para 35% que "vão votar pensando na renda do campo".
O prefeito de Armstrong,
Fernando Fischer, que governa
a cidade há 20 anos, é exemplo
de político que fez de encraves
rurais peronistas centros opositores. Apesar de integrar o
Partido Justicialista (peronista, do governo), não poupa críticas. "Néstor Kirchner tem
ódio do campo", diz, em referência ao ex-presidente.
Enquanto o governo defende
sua política de impostos como
forma de redistribuir renda, os
operários de Armstrong, e os
ruralistas, prometem ficar na
estrada até que haja uma solução -hoje completam um mês
de bloqueio. "Vamos ficar até
que se destrave o conflito", diz
Cicarelli, sob o calor do sol e
dos pneus queimados.
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