São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Avó guarda indenização para o neto desaparecido

Leo Wen/Folha Imagem
"Mães' fazem marcha semanal na praça de Maio, em Buenos Aires, ritual que completa 30 anos


DE BUENOS AIRES

Escurece na capital argentina e, pela avenida de Maio, centro da cidade, caminha, passos curtos e cabeça branca, Mirta Acuña de Baravalle. Acompanhada por uma amiga e pela reportagem da Folha, busca um lugar para comer após sair do trabalho.
É numa lanchonete do McDonald's, jantando um sanduíche de frango, que Mirta, 82, revela ser uma das 14 mulheres que estiveram na praça de Maio em 30 de abril de 1977. Os livros de história confirmam: é ela mesma.
Uma mordida em uma batata frita e a vozinha calma e bem baixinha conta que o desespero pelo desaparecimento de sua filha primogênita e de seu genro a levou à praça para pedir notícias. No périplo por delegacias e repartições, em busca de qualquer pista, a dona-de-casa conheceu outras mulheres, outras com a mesma dor.
Juntas -embora não tenham se dado conta naquele momento-, fundavam a associação Mães da Praça de Maio.
A filha Ana Maria, porém, quando foi seqüestrada pelo regime militar, tinha 28 anos e estava grávida de cinco meses.
A informação de que ela havia dado à luz em um centro clandestino de detenção mudou tudo: Mirta era avó.
"Eu comecei a buscar meu neto ou neta, nunca soube o sexo. Eu não sabia como buscar e não me sentia acolhida nessa dor dentro das Mães", contou.
Cada uma se ocupava de sua dor. E ela, sem deixar o grupo das Mães, encontrou outras mães-avós pelo caminho. Juntas, fundaram a associação Avós da Praça de Maio em outubro de 1977.
Adolescentes que conversam animadamente sobre futebol enchem a mesa ao lado. Tomam copos de meio litro de refrigerante enquanto Mirta mal consegue beber a metade de um copo pequeno. Fica na bandeja metade do sanduíche.
Anos depois, conta ela, as Mães se separaram. "Eu recebi cada centavo [da indenização]. No último dia do prazo, fui deitar e fiquei me perguntando o que fazer. Senti minha filha Ana respondendo: "Mamãe, cobre deles cada centavo". Foi o que fiz. Mas não gastei. O dinheiro está guardado, já deixei escrito que está guardado para quando aparecer o meu neto. Mesmo que não esteja aqui."
Conta que, "por discordâncias internas", deixou a militância nas Avós e hoje participa e trabalha apenas na chamada Linha Fundadora, que ela também ajudou a criar, em 1986.
"Acho que, acima de tudo, cada uma tem o direito de sentir sua dor como lhe corresponde. Não existe uma regra", afirma.
Passo lento, desce as escadas -a mesa estava no segundo andar. Deixa a lanchonete e se despede da amiga -tomará o metrô. Depois, deveria pegar um ônibus. No dia seguinte diria à Folha: "Vi que não tinha moedas para pagar o ônibus. Fui caminhando." (BRUNO LIMA)


Texto Anterior: Aos 30, Mães da Praça de Maio divergem
Próximo Texto: Presidente da Romênia cai, em nova crise no Leste
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.