São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 2002

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ARTIGO

O fim da Guerra Fria

TONY BLAIR
Não existe símbolo melhor de como o nosso mundo mudou desde o final da Guerra Fria do que o encontro de líderes mundiais promovido em Roma (Itália) nesta semana para criar o Conselho Otan-Rússia.
Vale relembrar que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi criada, anos atrás, exatamente para combater o que era visto como a ameaça da União Soviética.
Assim, a idéia de que o presidente russo pudesse se sentar à mesa com os líderes dos 19 países-membros da aliança militar ocidental, como parceiro em pé de igualdade para discutir desafios comuns à paz e à segurança, mostra o quanto o mundo avançou nesses últimos 15 anos.
A primeira sessão do Conselho Otan-Rússia é um avanço extremamente importante e que só vai ajudar a tornar mais seguro o nosso mundo.
Ela fixa um novo nível de cooperação para enfrentarmos as ameaças do século 21 à nossa segurança, à nossa paz e à nossa prosperidade comum -ameaças como o terrorismo internacional- e cria uma nova estrutura formal que possibilita a tomada de decisões e ações conjuntas para fazer frente a esses desafios.
Tenho orgulho do papel exercido pelo Reino Unido em ajudar a moldar essa nova iniciativa, mas ela não tem nenhum autor único. Esse primeiro encontro -e tudo o que vai sair dele- é o resultado de um consenso claro e amplo.
Muitos países, incluindo -como não poderia deixar de ser- a própria Rússia, vêm discutindo ativamente quanto todos temos a ganhar com o aumento da cooperação e da parceria entre nós e como melhor podemos chegar a esse resultado.
A tragédia de 11 de setembro fez todos nós lembrarmos que, apesar da transformação nas relações entre Ocidente e Oriente, ainda temos desafios novos e perigosos pela frente.
Também nos demos conta de que a Otan e a Rússia podem enfrentar essas ameaças comuns de maneira mais eficaz se os dois juntarem os seus recursos e começarem a trabalhar juntos.
O novo conselho não é um espaço apenas para conversas. É um lugar onde o ideal da cooperação em questão de segurança será concretizado. Pela primeira vez, a Rússia tomará seu lugar como parceira plena e igual.
É uma mudança profunda em relação aos vínculos que já existem entre a Otan e a Rússia, vínculos que, eles próprios, teriam sido vistos como inacreditáveis apenas uma década atrás.
O novo conselho de 20 membros vai lançar as bases para uma cooperação ampla, sobre uma larga gama de questões.
E, o que é importante, quando decisões conjuntas tiverem sido alcançadas pelo consenso, todos os membros do Conselho Otan-Rússia terão de se pautar por elas.
Isso vai exigir uma mudança de mentalidade da parte de todos nós, um novo nível de confiança e a disposição de união e de cumprimento das políticas comuns acordadas pelos 20 países.
O novo Conselho Otan-Rússia certamente resultará numa cooperação militar maior. Na verdade, esse é um dos objetivos da iniciativa.
E essa iniciativa vai começar com um programa de trabalho ambicioso, incluindo a cooperação no combate ao terrorismo, na administração de crises, na não-proliferação nuclear e no atendimento a emergências civis.
Espero sinceramente que possamos rapidamente ampliar essa pauta de prioridades inicial. Faremos isso enquanto o relacionamento e os hábitos de cooperação forem se desenvolvendo.
Estou confiante de que esse acordo fornecerá a estrutura apropriada para uma nova parceria entre os nossos países.
O desafio agora será assegurar que o potencial total dessa nova parceria seja realizado.
O novo conselho não vai substituir o Conselho do Atlântico Norte. A Rússia não vai ingressar na Otan e não poderá vetar o direito de decisão e de ação independentes da Otan.
A Otan vai continuar a cumprir seu papel vital de garantir a segurança na Europa e de ser a principal plataforma multilateral das relações transatlânticas.
Essa transformação das relações da Otan com a Rússia demonstra não apenas que a Otan mantém sua importância intacta, mas também sua capacidade de se adaptar às mudanças no ambiente de segurança. Estou certo de que haverá obstáculos a superar, desconfianças antigas a colocar de lado. Mas, com base nas conversas que mantive com meus colegas líderes durante os preparativos para essa importante reunião, sei que existe uma enorme determinação conjunta de aproveitar a oportunidade que se apresenta à nossa frente.
Vista em conjunto com o acordo entre os Estados Unidos e a Rússia sobre a redução das armas estratégicas, acredito que a primeira reunião do Conselho Otan-Rússia realmente marca o fim da Guerra Fria.
Essa reunião assinala o momento em que antigos inimigos se tornam amigos inequívocos.


Tony Blair é primeiro-ministro do Reino Unido.

Tradução de Clara Allain


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